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Valerian e a Cidade dos Mil Planetas impressiona pelo apuro técnico mas é um filme sem paixão

Roberto Sadovski

12/08/2017 04h32

Valerian e a Cidade dos Mil Planetas é um paradoxo. O diretor Luc Besson gastou seu latim para dizer o quanto é apaixonado pela história em quadrinhos de Pierre Christin e Jean-Claude Mézières. Contou que já lia a série quando criança, e que sempre esperou o momento certo – financeiro e tecnológico – para levá-la ao cinema. E ele diz tudo isso sem um pingo de ironia. Alguma coisa, porém, deve ter se perdido no meio do caminho. O filme é uma fantasia espacial opulenta e acelerada, com decisões criativas realmente brilhantes e momentos absurdos e surreais. Mas não há, nem por um segundo, qualquer resquício de paixão, de investimento real com personagens, narrativa, atores. É uma aventura feita com precisão mecânica e zero emoção. O público, sem encontrar uma conexão, nem se deu o trabalho – e o filme, um colosso de 180 milhões de dólares, afundou nos cinemas com o peso de um Titanic.

Resultados de bilheterias, diga-se, só interessam mesmo aos contadores da produtora. No caso de Valerian, porém, eles fazem parte da equação de seu fracasso. Alguns filmes usam seu orçamento como parte de sua estratégia de marketing – O Exterminador do Futuro 2 vendido como a primeira produção a custar 100 milhões de dólares é um exemplo. Besson, por sua vez, não perdeu oportunidades para dizer como seu filme era resultado de um esforço totalmente independente, sem nenhum estúdio para lhe dizer que caminho seguir (ou para lhe puxar as orelhas caso o trem saísse dos trilhos). A fortuna erguida para transformar o gibi francês num candidato a blockbuster – falado em inglês, veja só, para atender ao mercado – foi fonte de orgulho e assunto de um sem número de reportagens. Com a bilheteria mundial estacionada, no momento em que teço este texto, em pálidos 90 milhões de dólares, é de se perguntar se a "fórmula" de Besson em fugir dos estúdios malvados e controladores tinha algum mérito.

Uma praia…. em que filmes vão pra morrer?

Não que ele tenha adquirido este poder de barganha e monopólio criativo por acaso. Desde que despontou no cinema mundial ainda nos anos 80 com Subway e, principalmente, Imensidão Azul, Besson mostrou ser um cineasta de imenso apuro técnico e visual, combinando uma certa elegância europeia com o estilo acelerado do cinemão ianque. O Profissional (que revelou Natalie Portman) e O Quinto Elemento (que revelou Milla Jovovich) são exemplos perfeitos de seu estilo, que também se tornaram verdadeiros clássicos modernos. Na década seguinte o cineasta foi tratar de rechear os cofres. Criou uma produtora, a poderosa EuropaCorp; escreveu e produziu uma pá de filmes de ação, como as séries Taxi, Carga Explosiva e Taken; e dirigiu filmes que ninguém assistiu, como Angel-A, As Múmias do Faraó e A Família. Em 2014, virou o jogo ao trabalhar com Scarlett Johansson em Lucy, ficção científica muito excelente que se tornou seu filme de maior bilheteria. O mundo, quem sabe, já estava pronto para ele aumentar as apostas com Valerian.

O filme, no fim das contas, não é a obra-prima que Luc Besson idealizou, mas está longe de ser o desastre pintado por muita gente. Talvez o problema mais evidente seja a total falta de sintonia do casal central, os agentes policiais (ou algo parecido) Valerian e Laureline, interpretados por Dane DeHaan e Cara Delevingne. É um filme que exigia, sem erro, um galã com cara de galã, um ator médio como um Chris Pine da vida, alguém que "vendesse" uma certa malandragem com uma pitada de ironia, mas que abraçaria seu papel de herói na hora certa. Delevingne, por outro lado, parece entender melhor a proposta do diretor e constrói uma Laureline determinada e objetiva, sexy e divertida, mostrando que, como é tradição no cinema de Besson, ele sabe escolher muitíssimo bem as mulheres de seus filmes.

Luc Besson comanda o show

A trama coloca Valerian e Laureline na investigação de um mistério em Alpha, a gigantesca estação espacial que abriga raças de milhares de mundos, convivendo em harmonia. Um segredo do passado, envolvendo uma espécie humanoide pacifista e, até que se prove o contrário, extinta, pode colocar a segurança de Alpha e seus habitantes em risco. O cuidado com o design é absurdo, e Valerian entrega uma coleção de criaturas, ambientes e situações com tamanha criatividade e beleza que o filme não sucumbe ante a narrativa aos trancos por seu constante bombardeio visual. É uma aventura feita de recortes que nem sempre dialogam, mas que podem ser admirados pela demonstração do talento de Besson. A abertura, que conta a origem de Alpha, uma estação espacial da Terra que, aos poucos, abre-se para novos povos e novas espécies, é uma pequena jornada de esperança pelo futuro da humanidade. A sequência inacreditável no "Grande Mercado", uma zona interdimensional experimentada por várias camadas de realidade, é ficção científica para aplaudir de pé, em concepção e execução. E o clímax surpreendentemente substitui escala por história, espelhando dilemas grandiosos e atuais que existem do lado de cá do mundo, representados com uma metáfora simples e uma lição devastadora.

É no miolo que Valerian cede antes sua própria ambição, com a "construção de mundo" ficando à frente de desenvolvimento narrativo e arco de personagens. Alguns, como a transmorfa interpretada por Rihanna, surgem e desaparecem tão velozmente que mal temos tempo de registrar. Todo subplot do herói interpretado por DeHaan ser um mulherengo em busca de redenção com Laureline (a quem ele pede em casamento já na primeira cena) é desperdiçado com diálogos bobos que teimam em interromper a ação. Existe uma certa ingenuidade na série em quadrinhos original – inspiração, em parte, para a criação de Star Wars por George Lucas -, que Besson peca em não atualizar, dando um tom datado ao filme. Na balança, os erros e acertos de Valerian e a Cidade dos Mil Planetas chegam a um equilíbrio. No cinema atual, competitivo, ambicioso e ávido por uma conexão emocional que o arranque da mesmice, esse resultado não é, nem de longe, o suficiente.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.