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A Torre Negra, adaptação da obra-prima de Stephen King, é uma vergonha

Roberto Sadovski

23/08/2017 04h09

Roland Deschain (Idris Elba) in Columbia Pictures' THE DARK TOWER.

A Torre Negra é a obra-prima de Stephen King, uma saga de fantasia, violência, misticismo e ficção científica ambientada em um mundo paralelo e também em eras diferentes na Terra. A saga estende-se por oito livros, mais diversos projetos paralelos e complementares, traçando a trajetória do pistoleiro Roland Deschain e sua luta para encontrar e proteger a Torre Negra, o nexo da existência, assegurando a sobrevivência de toda criação. É um material que rivaliza O Senhor dos Anéis em densidade narrativa, com uma trama de personagens complexos e escopo épico. Merecia, no mínimo, tratamento e respeito igual. Não há explicação, portanto, para a versão aguada que chega aos cinemas, uma mistura indigesta do fracassado Mestres do Universo com parte do plot de O Último Grande Herói, que não sai do lugar sob direção preguiçosa do dinamarquês Nicolaj Arcel. É uma vergonha.

"Preguiça" termina como palavra de ordem na adaptação para celulóide da história de Roland (Idris Elba, fazendo o máximo com a pobreza de texto que caiu em suas mãos), o Pistoleiro infalível que vê seus pares caírem ante seu nêmesis, o Homem de Preto (Matthew McConaughey, prestes a cair na gargalhada a qualquer momento), em uma guerra para preservar a integridade da Torre Negra. Seu mundo, a dimensão batizada Mid-World, está devastado após um conflito épico, em que magia e tecnologia foram dizimados e Roland se torna o último sobrevivente em uma jornada de vingança. Só que não é este filme que você vai ver: toda e qualquer referência à obra de King e ao mundo detalhado que ele criou jamais são mostrados, apenas sugeridos. É como se a produção não tivesse orçamento para construir um Mid-World convincente e eles tiveram de se contentar com a alternativa barata.

Walter (Matthew McConaughey) in Columbia Pictures' THE DARK TOWER.

Matthew McConaughey observa o estrago que é A Torre Negra

No caso, ambientar parte do filme na Terra, transformando um pré-adolescente, Jake Chambers (o estreante Tom Taylor), no verdadeiro protagonista do filme. A Torre Negra ganha, assim, tintas de Mestres do Universo, o filme que, três décadas atrás, levou o herói He-Man dos desenhos animados para o cinema, mas que não teve um centavo para criar Etérnia, Gorpo ou o Gato Guerreiro: com a aventura na Terra, Dolph Lundgren teve até de pedir ajuda à Monica de Friends. A Torre Negra usa expediente parecido, trocando um mundo fantástico pelas ruas de Nova York. Jake sofre de visões do Mid-World, do Pistoleiro e do Homem de Preto. O garoto é levado a um portal interdimensional quando perseguido por capangas do vilão – a trama gira em torno do uso da pureza das crianças para alimentar a arma capaz de destruir a Torre. Ou algo parecido.

Quando Jake cruza a barreira entre os mundos, ele encontra um Roland Deschain abatido após décadas de batalha (que nunca vimos). Nesse ponto, A Torre Negra vira O Último Grande Herói, com o Pistoleiro e o garoto, transformado em parceiro juvenil, saltando entre os mundos numa narrativa tão acelerada que o diretor não consegue expressar nem o escopo da ameaça nem a extensão da jornada. Quer entender as motivações do Pistoleiro e o tamanho de sua tragédia? Quer descobrir sua relação com o Homem de Preto? Quer um vislumbre do universo fantástico criado por Stephen King? Leia os livros. Nessa versão censura (quase) livre, a complexidade do texto é reduzida a uma aventura de ação pobre, um filme raso e incoerente formado por recortes da obra original.

Roland (Idris Elba) e Jake (Tom Taylor) exploram os mistérios de… NYC

O maior perdedor em toda a empreitada é mesmo Idris Elba. O ator inglês tem peso para segurar um candidato a blockbuster sem muito esforço. Equilibrando charme e um senso de perigo, Elba é um candidato a astro esperando pelo material ideal para completar o salto e estar entre os grandes. A Torre Negra tinha potencial para ser exatamente o veículo que ele precisava. Mas nem seu olhar incendiário é capaz de salvar um filme tão bobo e sem propósito, que já nasce envelhecido em sua proposta criativa e antiquado em suas ambições artísticas. Para os fãs da obra de Stephen King, fica a tristeza em perceber que seu trabalho mais apaixonado vai voltar para a gaveta, sem a chance de ser realizado da forma que deveria em tela grande. Mas é o que temos.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.