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Luc Besson, diretor de Valerian, conta que Avatar o fez jogar o primeiro roteiro do filme no lixo

Roberto Sadovski

07/08/2017 04h46

Luc Besson levou quase uma década para levar das páginas dos quadrinhos aos cinemas as aventuras espaciais de Valerian e Laureline, criação de Pierre Christin e Jean-Claude Mézières. Antes disso, mais outra década imaginando como uma adaptação seria viável. O cinema mudou, a tecnologia de fazer filmes também, e o diretor de Imensidão Azul e O Quinto Elemento achou que já era hora de dar carne e ossos à série de quadrinhos que o acompanha desde a infância.

Valerian e a Cidade dos Mil Planetas é o resultado de um trabalho incansável, um filme de 180 milhões de dólares (o mais caro já produzido na França) feito fora das asas dos grandes estúdios. Um filme milionário e, ao mesmo tempo, artesanal. Conversei com Luc Besson ainda antes da estreia mundial de Valerian e, entre outras coisas, ele me explicou seu método de trabalho, contou como Avatar o fez jogar fora seu primeiro roteiro para o filme e falou sobre o estado das coisas no cinemão atual.

A tecnologia deu um grande salto nestas duas décadas desde que você filmou O Quinto Elemento, hoje é possível criar filmes que não seriam possível nem há dez anos. Você acha que seria viável criar Valerian e a Cidade dos Mil Planetas naquela época?
Não, seria impossível. Na verdade, Mézières trabalhou comigo no set de O Quinto Elemento. E ele me perguntou, "por que você está fazendo esse Quinto Elemento estúpido, por que você não está fazendo Valerian?" (risos) Eu não esperava a pergunta, demorei pra pensar em uma resposta, e a primeira que saiu foi que seria impossível. Reli os quadrinhos quando voltei pra casa só pra ter certeza de que não tinha como transformar a série em filme. Mas isso ficou em minha mente por muito tempo… Sempre que podia eu olhava os quadrinhos de novo, até o momento em que eu disse a mim mesmo: ok, eu não sei se vou conseguir filmar isso um dia, mas vamos escrever um pouquinho. Então eu comecei a escrever, por alguns anos, até o ponto em que eu achei que estava pronto, que já era possível imaginar Valerian no cinema. Exatamente um dia depois que meu roteiro ficou pronto, Avatar foi lançado nos cinemas. Eu fui assistir a Avatar, voltei pra casa, peguei meu roteiro e joguei no lixo… Daí eu recomecei do zero. Simplesmente não estava bom o bastante.

Luc Besson encontra outros aliens 20 anos atrás no set de O Quinto Elemento

Valerian é a adaptação de um quadrinho específico ou uma nova história dentro deste mundo?
Existe uma trama principal, "O Embaixador das Sombras", mas dá pra ler o gibi em menos de meia hora. O filme tem de ser maior do que isso, então eu tive de criar uma história nova. Ao mesmo tempo, existe 29 álbuns, então há espaço para ideias que tem a mesma cor, o mesmo padrão, sabe? Seria terrível bolar alguma coisa que não tivesse a "cara" de Valerian, que não parecesse pertencer a seus criadores. O segredo era encontrar ideias que se encaixassem.

O processo para coordenar o design, escrever a história, aprovar o elenco e começar a filmar levou nove anos. É difícil ser a pessoa juntando cada pedaço do quebra-cabeças?
Não. Existe uma certa disciplina. Eu trabalhava no roteiro a cada manhã e é isso. Daí uma vez a cada dia, a cada dois dias, conversava com um dos designers por skype, eu via seu material, que também me inspirava, e as boas ideias também conduziam o processo de escrever o roteiro. O processo foi muito lento, é como cozinhar. O fogo está brando e a gente deixa cozinhando por horas! A preparação posterior também foi muito longa, mais nove meses para criar os storyboards, depois o desenhos dos efeitos especiais. O mais interessante é… você tem filhos?

Não tenho, mas os filhos de amigos estão sempre perto….
Tem irmãos?

Sim, um irmão mais velho.
Pense desse modo. No mesmo dia, você precisa ser um bom funcionário, um bom marido, um bom irmão, um bom filho… já são quatro empregos bem aí! Quer saber? Você consegue fazer os quatro no mesmo dia. (risos) Não é assim tão difícil quanto parece.

Valerian e Laureline em sua versão como história em quadrinhos

Ainda assim, é uma filosofia de trabalho bem diferente do que é empregado nos grandes estúdios, com muitas partes em movimento e as pessoas tensas o tempo todo. Eu não sinto isso em você.
É o oposto completo em termos de criar a coisa toda. Com um estúdio são centenas de pessoas, eles dão sinal verde ao filme, eles já determinam a data da estreia, eles escolhem o diretor. Todo diretor precisa se vender para ser escolhido em um projeto, e ele pode ser demitido se não seguir o que o estúdio quer. Daí eles contratam a empresa dos efeitos especiais, os artistas trabalham seis semanas aqui, mais duas semanas ali. É muitíssimo bem organizado, eles sabem mesmo fazer seu trabalho…. mas é uma fábrica. Já eu começo anos antes de todo esse processo, eu escolho meus artistas, um por um, eu converso com eles, por skype, um por um também… É apenas outro método, é como fazer uma mesa de madeira de forma artesanal. Eu vou na floresta que me indicaram, escolho a madeira, chamo um cara que também me indicaram para cortar o que eu preciso… e depois trabalho nela um dia de cada vez. A outra maneira é comprar um móvel da Ikea, que chega pra mim numa caixa. (risos) Por sinal, eu tive móveis da Ikea quando era mais jovem, e eles eram ótimos! Não tenho nada contra esse método, só que o meu é diferente.

Valerian sugere um clima diferente da maioria dos blockbusters atuais, mais otimista e mais enxuto, com menos personagens. O plano foi sempre criar esse tom diferente?
Olha, esse assunto sempre surge em conversar com amigos. A verdade é que há um ou dois anos estamos cheios de ver a mesma história sendo contada à exaustão, com os super-heróis de roupas apertadas. Dez anos atrás era incrível, e agora parece que todos são a mesma coisa. Se a gente tem Os Vingadores de um lado e a Liga da Justiça do outro, vai ser uma confusão enorme só pra lembrar quem é quem!

Você teve alguma idéia para Valerian que terminou sem se encaixar no filme e você teve de cortar?
Acontecia muita mais quando eu era mais jovem, mas agora com pouca frequência. Esse tipo de coisa eu já sinto o cheiro quando estou escrevendo. (risos) Mas quando eu era jovem, eu filmava, montava, colocava no filme, e só então me dava conta que teria de tirar. Hoje eu já sei, no roteiro, o que vai terminar no lixo.

Então a gente não vai ver uma versão do diretor no futuro.
Não. Essa já é a minha versão. Nada de sobras, nada de gordura.

Câmera no ombro, Luc Besson filma Dane DeHaan como Valerian

O filme é apresentado em 3D, mas você escolheu não filmar em 3D nativo, mesmo com a evolução das câmeras. Por que a opção em filmas com câmeras tradicionais?
Tudo é uma questão de peso e agilidade. Eu adoro o 3D, e a conversão de Valerian ficou excelente. Mas as câmeras para filmar em 3D ainda são pesadas. Eu gosto de colocar a câmera em meu próprio ombro, às vezes correr ao lado dos atores. Com uma câmera 3D não seria possível.

Quando você escreve e produz um filme, como você escolhe o diretor e a equipe que vai trabalhar com ele?
Quando estou produzindo, eu não sei quem vai terminar sendo o diretor. Primeiro eu preciso sentir que ele gostou de verdade do roteiro, preciso ter certeza de que entendemos a mesma história. É um problema quando a percebo que o diretor não quer fazer o mesmo filme que eu quero. Quando isso acontece, apertamos as mãos e cada um segue seu caminho. Mas se estamos em sintonia e queremos o mesmo filme, eu geralmente trabalho bastante com ele antes de começar a filmar, com o elenco, os ensaios, figurino, design, tudo. Quando o filme começa, eu não estou mais lá. O barco só tem espaço para um capitão.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.