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George Romero, o cineasta que nos ensinou a respeitar os zumbis

Roberto Sadovski

17/07/2017 17h58

LUCCA, ITALY - APRIL 07: American film Director, screen writer and editor George Romero poses for a photo after attending a press conference during the Lucca Film Festival 2016 on April 7, 2016 in Lucca, Italy. (Photo by Laura Lezza/Getty Images)

George A. Romero não inventou a palavra "zumbi". Na verdade, ele sequer usou o termo em seu clássico irretocável, A Noite dos Mortos-Vivos. Mesmo assim, é impossível desassociar o termo de sua figura e de sua carreira. Foi com Romero que os zumbis passaram a fazer parte da cultura pop, foi com seu filme de 1968 que mortos-vivos perderam sua conexão hermética com o folclore do Haiti para se tornar parte dominante do entretenimento moderno. Sem o cineasta não teríamos mortos reanimados como comentário social, como metáfora ao consumismo, como um espelho preciso, embora distorcido, de quem nos tornamos como sociedade. Não teríamos Tarantino. Ou Edgar Wright. Ou The Evil Dead. Ou Extermínio. Guerra Mundial Z. The Walking Dead.

Por anos, a importância de Romero ficou restrita a um nicho, nunca ganhando o respeito que merecia fora da bolha do gênero. Indiferente a isso, o cineasta construiu uma carreira exemplar, lapidando sua visão peculiar sobre zumbis e as infinitas possibilidades em espelhar os mortos-vivos com o mundo real. Em meio a isso, experimentou com o terror em outras frentes, comandando pérolas como O Exército do Extermínio (The Crazies, de 1973, refilmado em 2010 como A Epidemia), o brilhante filme de vampiros Martin (1978), Instinto Fatal (1988) e uma adaptação de Stephen King, A Metade Negra (1993). Mas é inegável que ele sempre esteve no auge de suas habilidades quando o assunto eram zumbis. A Noite dos Mortos-Vivos compôs com O Despertar dos Mortos (1978) e Dia dos Mortos (1985) a trilogia definitiva do gênero, colocando no mapa pop termos como "apocalipse zumbi" e um estilo peculiar de retratar as criaturas, como uma manada amorfa de passos lentos e fome insaciável, que se tornou padrão no cinemão.

A Noite dos Mortos-Vivos, o começo do fim de tudo

George Romero nunca se rendeu ao estilo da moda. Para ele, o terror não surgia com sustos rápidos ou edição frenética. Era um crescendo, uma tensão narrativa que, não raro, explodia em sangue e violência da maneira mais inesperada. Ele atravessou a fase dos assassinos solitários, como Jason e Freddie Krueger, sem sucumbir a eles. Quando o novo século chegou ora com terror asiático, ora com variações barulhentas de temas para lá de batidos, Romero retomou os zumbis com Terra dos Mortos e entregou mais uma pequena obra-prima, em que os sustos mais uma vez caminharam lado a lado com um comentário social ácido. Essa liberdade em entregar estudos de personagens com um pano de fundo apocalíptico, sem aliviar nas entrelinhas políticas, econômicas e sociais que os mortos-vivos permitem explorar, foi um dos motivos que sempre deixou o diretor longe dos grandes estúdios, preferindo arquitetar seus projetos de maneira independente e sem pitacos de algum engravatado encantado pela tendência do momento.

Se isso manteve a pureza de seu trabalho, por outro lado fez com que Romero nunca fosse sinônimo de grandes bilheterias ou produções mais elaboradas. Não que isso fosse um problema. Terra dos Mortos, por exemplo, carregou um preço entre 15 e 19 milhões de dólares para sair do papel, e terminou sua carreira com quase 50 milhões em caixa. voltando no tempo, lá para 1968, A Noite dos Mortos-Vivos foi produzido com cerca de 115 mil dólares, faturando 30 milhões em todo o mundo – um sucesso que deu ao diretor não só independência artística, mas também a moral para fazer de sua assinatura uma marca. Embora filmes de terror nunca tenham o reconhecimento dado a outros gêneros como "arte", o trabalho de Romero influenciou uma geração de cineastas, de Quentin Tarantino (que disse, em 2009, que a inicial "A" no nome do diretor era "A fucking genious", ou "um gênio do cacete") a Edgar Wright, que começou no cinema com Todo Mundo Quase Morto e sempre agradeceu ao mestre por ter lhe dado, indiretamente, uma carreira.

George Romero no set de Terra dos Mortos

Nos últimos anos, Romero continuava produzindo ferozmente, ainda num esquema de guerrilha espelhando seu início de carreira. Ele ainda abraçou os zumbis em mais dois filmes – Diário dos Mortos (2007) e A Ilha dos Mortos (2009) –, e planejava um sétimo filme da "série". Road of the Dead, que teria direção do ator e dublê Matt Birman, seria uma mistura de Mad Max 2 com Rollerball, um conceito absurdo em que zumbis presos em uma ilha pilotariam carros de corrida num esquema Nascar, para entretenimento de humanos endinheirados. O roteiro, de Romero e Birman, foi completado este ano. "Existe um cientista fazendo experiências genéticas, tentando fazer com que os zumbis parem de nos devorar, e ele descobriu que é possível fazer com que os mortos retomem certas habilidades em sua mente, como dirigir", disse o diretor à revista Rue Morgue. "Imagine Velozes & Furiosos com zumbis!" Três dias depois da entrevista, George A. Romero morreu, aos 77 anos, perdendo uma batalha breve e agressiva com um câncer.

 

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.