Quer pena de morte? Então pode comemorar, ela já existe por aqui!
Começo a semana lendo que, segundo o Datafolha, o apoio à pena de morte bateu recorde no país. No momento, 57% dos brasileiros – ou dos entrevistados – se dizem favoráveis a interromper a vida de quem pratica certos crimes. Acreditam que dessa forma viveremos em uma sociedade mais justa, segura e, contraditoriamente, pacífica. Enganam-se.
Não é novidade dizer que a pena de morte é um caminho nada confiável para alcançar esse desejado estado social – vide o exemplo dos Estados Unidos, onde a aniquilação é aplicada em muitos lugares que não necessariamente são exemplos de paraíso na Terra. O que também não é novidade é lembrar que, de certa forma, a pena de morte já existe no Brasil. Por aqui, segundo a Estratégia Nacional de Segurança Pública, apenas 6% dos homicídios são solucionados e, na prática – ainda que sem o respaldo oficial da lei -, a polícia tem permissão para julgar e matar em boa parte do nosso território.
HISTÓRIA DA ROCINHA E PAPEL DO ESTADO MOSTRAM QUE É INGÊNUO TER ESPERANÇA
Alguns livros corroboram o que estou dizendo, a começar por "Rota 66", de Caco Barcellos, título de 1992 que é visto com maus olhos por policiais e pelos amantes da "polícia que mata". Na obra, Caco revela como a Rota, a tropa de elite da Polícia Militar de São Paulo, se valia de diversas estratégias para assassinar quem bem entendesse sem que fosse punida por isso. Mais de 25 anos após a publicação do livro, boa parte das práticas denunciadas seguem ocorrendo. Como se sabe, hoje a polícia brasileira é uma das que mais mata – e mais morre – no mundo, e o Estado pouco faz para atenuar essa carnificina.
Outros livros que mostram como a pena capital, se não liberada, já é aplicada em muitos lugares do país são "Abusado – O Dono do Morro Dona Marta", também de Caco Barcellos, e "O Dono do Morro – Um Homem e a Batalha Pelo Rio", de Misha Glenny. Ao investigar a vida de chefes do tráfico de drogas do Rio de Janeiro, os jornalistas expuseram o conhecido modus operandi das quadrilhas que atuam em todo nosso território: se algum de seus integrantes ou alguém que mora nas áreas por elas dominadas comete falha grave, a pena é uma morte quase sempre cruel e dolorosa. Nos lugares dominados por essa gente, a prática já está em vigor há muito tempo, mas não há notícias de que isso tenha levado justiça, tranquilidade e paz a essas regiões.
Por fim, outra obra que mostra como é fácil matar no Brasil é "O Nome da Morte", de Klester Cavalcanti. Nela, o jornalista faz um perfil de Júlio Santana, matador de aluguel que, até então, já tinha abreviado a vida de 492 pessoas. Aqui quem faz o julgamento sumário é qualquer cidadão com dinheiro suficiente para contratar os serviços do carniceiro. Abre-se mão do Estado para se fazer a justiça terceirizando as próprias mãos.
O que precisamos para o Brasil não é da pena de morte, mas que a lei que proíbe que uma pessoa mate a outra (seja lá quem for o assassino e o assassinado) seja de fato cumprida. E cumprida de acordo com os parâmetros da nossa própria legislação (que também parece ser assassinada a cada dia).
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