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20 anos depois, o futuro previsto por James Cameron ficou só na ficção

Roberto Sadovski

29/08/2017 05h10

Há duas décadas vivemos em tempo emprestado. Foi em 29 de agosto de 1997, dias após ser ativado, que o computador Skynet, responsável pelo sistema de defesa militar americano, tornou-se consciente e lançou um ataque nuclear à Rússia. Pânico tomou conta dos militares, que tentaram desligar o sistema com zero sucesso. Foi o Dia do Juízo Final, que colocou fim na civilização como conhecemos e deu início a uma longa batalha da humanidade contra um novo inimigo em comum: as máquinas. Pelo menos, assim estava nos livros de história. Mas cá estamos, em pleno século 21, sem as máquinas controlando nosso destino. Ou será que é isso mesmo?

O Juízo Final, como previsto em O Exterminador do Futuro, não rolou

Em dois filmes, O Exterminador do Futuro, de 1984, e sua continuação mais parruda lançada em 1991, James Cameron bebeu de diversas fontes da ficção científica para criar um futuro pós-apocalíptico crível, assustador e sensacional. Em sua distopia, as máquinas combatem os últimos humanos, que tentar conter seu avanço. Para garantir sua vitória, o inimigo envia um ciborgue assassino ao passado, com a missão de matar Sarah Connor, a mãe do futuro líder da rebelião antes mesmo de ele ser concebido. O exterminador, um modelo T-800, ataca em 1984, e é detido por Kyle Reese, um soldado enviado pela resistência no futuro. Uma década depois, as máquinas mandam um segundo exterminador, desta vez para eliminar o filho pré-adolescente de Sarah, John, que por sua vez é protegido por um modelo T-800 reprogramado.

Em O Exterminador do Futuro 2, Sarah (Linda Hamilton) encontra-se detida em um hospital psiquiátrico de segurança máxima. Ela é a única que sabe o que o futuro traz, e a devastação que seguirá a ativação do Skynet em 1997. Claro que, nos filmes de Cameron – ambos com Arnold Schwarzenegger como o T-800 –, Sarah, John e o exterminador "do bem" aparentemente mudam o futuro, eliminando a ameaça do Skynet antes mesmo de ela acontecer. A série devia ter sido encerrada ali mesmo, com uma trama de ficção científica redondinha e no auge. Mas o dinheiro manda, e O Exterminador do Futuro rendeu ainda mais três filmes, uma série de TV e uma pá de teorias sobre o futuro, alimentada por fãs dedicados. os direitos do título voltam para as mãos de Cameron em 2019, e ele já está desenvolvendo sua retomada ao lado de Schwarzenegger.

Se esse cara estiver atrás de você, é game over para o seu futuro…

A arte em geral – e o cinema em particular – nunca se furtou em apontar o futuro. Desde o clássico A Máquina do Tempo, que H.G. Wells escreveu em 1895, a ficção especula como será o mundo do amanhã. É curioso, portanto, quando esse amanhã se torna o ontem, criando um recorte sobre nossa capacidade criativa e o ritmo em que a tecnologia e suas consequências avança no mundo real. Afinal, duas décadas depois e o mundo ainda não está perto de desenvolver uma inteligência artificial poderosa e consciente como a Skynet… ao menos, não que a gente saiba: não deve ser ao acaso que uma centena de especialistas em robótica estão cobrando da ONU, agora, uma iniciativa para prevenir o desenvolvimento de "robôs assassinos". Mesmo sem uma arma em mãos, esse vídeo aqui, que mostra um protótipo da empresa Boston Dynamics, é ao mesmo tempo fascinante e assustador.

O cinema nem sempre acerta em suas previsões para o futuro – o que, honestamente, não é algo ruim. A viagem no tempo era uma realidade em 2004 segundo a aventura TimeCop (Peter Hyams, 1994), com Jean-Claude Van Damme. A ilha de Manhattan não se tornou uma prisão inexpugnável em 1997 como previra Fuga de Nova York (John Carpenter, 1981). Não existem máquinas capazes de nos fazer experimentar memórias alheias como as mostradas no "futuro" de 1999 em Estranhos Prazeres (Kathryn Bigelow, 1995). 2001 passou e não estamos nem perto de colonizar a Lua ou encarar viagens espaciais longas como em 2001, Uma Odisséia no Espaço (Stanley Kubrick, 1968). Los Angeles não se tornou uma ilha após um terremoto colossal em 2013 na previsão de Fuga de Los Angeles (John Carpenter, 1996). E eu nem vou começar sobre carros voadores e hoverboards, prometidos para 2015 por De Volta Para o Futuro Parte II (Robert Zemeckis, 1989)!

O mundo ainda aguarda ansioso…..

O melhor da ficção científica é esse sentimento de extrapolar a realidade, imaginando mundos futuros possíveis com a informação que temos no presente. Observar que este futuro raramente surja com algum otimismo é reflexo de nossa falta de perspectiva no agora. Os Estados Unidos viviam na direita militarista de Ronald Reagan quando James Cameron criou seu O Exterminador do Futuro, e Guerra Fria ainda dividia o mundo em blocos e uma cisão armamentista e tecnológica, dentro dos padrões da época, não era de todo impensável. Cameron encerrou sua participação na série com uma ponta de esperança, colocando nas palavras de Sarah Connor a ideia de um futuro que ainda não estava traçado, e que seu destino agora repousava em suas próprias mãos.

A previsão de um caos nuclear sempre alimentou as melhores ideias da ficção científica. O maior triunfo dos dois primeiros Exterminador foi justamente manter a trama simples, com personagens complexos construídos em torno dela. Essa lição não foi carregada pelos cineastas que deram continuidade à série, e a narrativa se tornou despropositadamente complicada. Seu maior erro, no entanto, foi dispensar a personagem de Sarah Connor como centro da história: nas mãos de Linda Hamilton, a personagem evolui de donzela em perigo a guerreira implacável, a única capaz de compreender a ameaça do futuro e com coragem para fazer algo a respeito. O Exterminador do Futuro é sua história. Como ainda estamos aqui, vinte anos depois do suposto Dia do Juízo Final, gosto de acreditar que ela foi bem sucedida.

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.