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Michael Bay, diretor de Transformers, dispara: 'O cinema como conhecemos logo vai deixar de existir'

Roberto Sadovski

12/07/2017 16h26

O diretor Michael Bay é um sujeito pragmático. Sim, ele está à frente de uma máquina que já rendeu bilhões. Sim, ele entende que ajudou a escrever o modelo do blockbuster hollywoodiano moderno. Mas ele também percebe que o mundo está mudando, e a temporada do verão americano deste ano não poderia ser evidência maior. "Os filmes do porte de Transformers ainda atraem muita gente e rendem milhões", diz. "Mas os números nos Estados Unidos estão diminuindo, logo isso vai acontecer no resto do mundo." Os motivos são diversos. Uma estafa do modelo de filmes-evento em série. As novas tecnologias que retiram parte do público das salas de cinema. A pirataria ainda crescente. "Ninguém vai deixar de ir ao cinema", continua, em tom resignado. "Mas é triste."

Os números não mentem. O público para essa temporada de férias no Hemisfério Norte experimentou uma queda de 9 por cento em relação ao mesmo período do ano passado. Apostas antes certeiras deixaram executivos dos estúdios apreensivos. Piratas do Caribe: A Vingança de Salazar, Carros 3, Meu Malvado Favorito 3 e o próprio Transformers: O Último Cavaleiro, este dirigido por Bay, chegaram aos cinemas ianques com números muito aquém de seus antecessores, e uma soma das bilheterias globais que garantem seu sucesso mas não arranham resultados do passado. Mas é uma mudança brusca, com grandes filmes vendo ate 75 por cento de sua renda total arrecadada em mercados internacionais.

Michael Bay com a atriz Isabela Moner no set de Transformers: O Último Cavaleiro…

"Eu ainda faço filmes para um grande público, meu trabalho é construir um espetáculo que tenha de ser apreciado no cinema", explica. "Mas a concorrência é real e não pode ser ignorada." Bay se refere aos sistemas de streaming que mudaram o panorama da TV nos últimos anos, e que agora oferecem um tipo de produto não só muito diferente do que o cinema traz, mas também de qualidade inquestionável. "Eu adoro TV, e tem coisas incríveis acontecendo", conta, lembrando que é produtor em séries como Black Sails e The Last Ship. "É possível construir narrativas mais intrincadas e desenvolver personagens com profundidade numa série de treze episódios." A agilidade para ver esse tipo de programação é outro fator: "Eu entendo que jovens assistam a tudo em seu celular, mas é por isso que eu faço meus robôs tão cheios de detalhes, que ficam perdidos numa tela portátil. Mas é como faço as coisas".

A queda das receitas também significa um freio na produção de filmes-evento com um preço de centenas de milhões de dólares. Bay explica que cinema é uma operação cara e que, muitas vezes, as contas não fecham. É uma equação complexa. Existe o esforço em fazer da experiência de ver um filme no cinema única, com espetáculos em cena e nos bastidores (tecnologia Imax 3D, imersão, riqueza visual) que só podem ser apreciados numa sala com a melhor imagem e som. Isso encarece o produto final, e deixa a conta mais difícil de ser equilibrada quando o público não responde. "Eu mesmo produzo filmes mais baratos, de terror, que trazem um lucro maior", ressalta o diretor. "Mas buscar esse equilíbrio está cada vez mais difícil. Bay aponta que alguns filmes que venceram o Oscar continuam desconhecidos do grande público: "Mesmo custando muito pouco, eles sequer conseguem recuperar o investimento".

… e a dupla no Brasil para o lançamento do filme

Não é exatamente por isso que Michael Bay está se retirando da série Transformers (ele permanece como produtor para os próximos filmes), e sim pela vontade de contar outras histórias. "Eu adoro fazer esses filmes, mas são uma operação de guerra complexa, por vezes beirando a insanidade", brinca. "Mas quero experimentar outras narrativas que não venham com um custo negativo gigante e que possam buscar um lugar médio nos cinemas." Em outras palavras: investir menos em histórias mais originais que possam ser bem traduzidas em outras plataformas e não percam uma fortuna no caminho. "Eu fiz Sem Dor, Sem Ganho e 13 Horas seguindo essa fórmula", continua. "É algo que quero continuar a explorar."

Ainda assim, Bay acredita em espetáculos, é fascinado pela tecnologia e, mesmo com o panorama de um cinema encolhido para o futuro, não vê uma mudança brusca e imediata. "Talvez um ciclo esteja terminando, e aprendemos muito com ele", conclui. "A tecnologia para fazer filmes avançou de maneira inimaginável, e ainda vejo espaço para que o público abrace uma experiência que o leve para um lugar especial." O calendário de lançamentos para os próximos anos mostra que a dependência dos estúdios e dos exibidores justamente para filmes-evento esteja longe de terminar. "A mudança é natural e este modelo deve se esgotar nos próximos anos", conclui, hesitante. "Mas ainda será cinema. E o público ainda estará lá."

Sobre o autor

Roberto Sadovski é jornalista e crítico de cinema. Por mais de uma década, comandou a revista sobre cinema "SET". Colaborou com a revista inglesa "Empire", além das nacionais "Playboy", "GQ", "Monet", "VIP", "BillBoard", "Lola" e "Contigo". Também dirigiu a redação da revista "Sexy" e escreveu o eBook "Cem Filmes Para Ver e Rever... Sempre".

Sobre o blog

Cinema, entretenimento, cultura pop e bom humor dão o tom deste blog, que traz lançamentos, entrevistas e notícias sob um ponto de vista muito particular.