'Tartarugas Ninja', 'Blade' e as HQs mais estranhas no cinema dos anos 1990

"Ah, o cinema está muito chato, todo filme é adaptação de quadrinhos de super-heróis." Não passa um dia sem que eu ouça o mantra. Duas coisas. Primeiro, não temos cinema desde março - mas, beleza, entre os filmes apertando o pause estavam "Aves de Rapina" e "Bloodshot", dois gibis levados para as telas.

Segundo, e o mais importante, é que ver as salas de cinema apinhadas de histórias e personagens que saíram de um gibi não é novidade. Não era quando Christopher Reeve provou que o homem podia voar em "Superman - O Filme", ainda nos anos 1970. A situação foi anabolizada em 1989 com "Batman", de Tim Burton.

Existe, claro, uma diferença brutal entre ter um produto em cartaz e fazer com que as pessoas saias de casa para ver um herói das HQs em versão carne e osso. Eu mencionei que a indústria se mexeu para capitalizar o sucesso do Homem-Morcego já no ano seguinte com "Dick Tracy". Mas o público não estava pronto para transformar todo personagem de quadrinhos em fenômeno pop.

O que se seguiu foi uma fileira de tentativas de ouvir a caixa registradora funcionando a todo vapor. Na década que sucedeu o filme de Burton, porém, o interesse da massa era outro. Se você não combatia o crime em Gotham, ou comia pizza nos esgotos de Nova York, raramente o cofre ficava abarrotado.

Curiosamente, a esmagadora maioria das adaptações de Hqs dos anos 1990 passaram longe de personagens conhecidos. Os pesos-pesados ficaram esquentando o banco (nada de Superman a década inteira), com os filmes abraçando as criações anônimas de editoras independentes.

DO FILÉ AO CHORUME

A quarentena, portanto, transforma homens em carniceiros, e eu tenho aproveitado o isolamento para dar um passeio pelas largas avenidas da memória, fuçando aventuras muitas vezes perdidas e redescobrindo porque elas mereciam o esquecimento em primeiro lugar.

Munido de exemplares incomparáveis de mídia física (e de outros meios mais questionáveis), selecionei o filé e o chorume de filmes adaptados de histórias em quadrinhos em meio a uma década marcada por navios condenados, invasões alienígenas, dinossauros clonados e um menino que enxergava os mortos.

Você vai rir, você vai chorar, você vai dizer "eu nem lembrava que esse filme aí existia!". Tudo bem. O que vale é a jornada. Nostalgia, dizem por ai, é combustível poderoso...

OS BONS
As aventuras que resistiram dignamente à passagem do tempo!

AS TARTARUGAS NINJA
(Teenage Mutant Ninja Turtles, 1990)

Nas mãos do diretor Steve Barron (responsável pelo clipe de "Take on Me", do a-ha), "As Tartarugas Ninja" ganha estilo e uma atmosfera estranhamente sombria para uma aventura infanto juvenil. Tosco e divertido, ainda é uma matinê de primeira.

DICK TRACY
(1990)

A mega produção de Warren Beatty chegou aos cinemas com a missão de rivalizar o fenômeno pop que "Batman" fora um ano antes. Não chegou lá. Mas continua sendo uma das adaptações de quadrinhos mais bonitas e fiéis da história - eu falei mais sobre "Dick Tracy" aqui.

ROCKETEER
(The Rocketeer, 1991)

Existe um certo otimismo desproporcional em cada fotograma de "Rocketeer", que adapta os quadrinhos de Dave Stevens. Essa inocência vem de sua ambientação nos Estados Unidos pré Segunda Guerra, em que o rosto do inimigo era claro. Bill Campbell é o herói perfeito, Jennifer Connely nunca esteve tão linda. Vale sessão trilha com "Caçadores da Arca Perdida" e "Capitão América: O Primeiro Vingador".

BATMAN - O RETORNO
(Batman Returns, 1992)

A melhor aventura do Homem-Morcego no cinema também é a mais estilizada e mais sexy. Danny DeVito faz do Pinguim um monstro dos piores pesadelos, Michelle Pfeiffer redefiniu a Mulher-Gato, e Michal Keaton continua sendo o melhor Batman que o cinema já produziu.

O MÁSKARA
(The Mask, 1994)

Jim Carrey dominou 1994 de ponta a ponta, com "O Máskara" ensanduichado entre "Ace Ventura" e "Debi & Lóide". É o melhor dos três, uma aventura com espírito de animação do Pernalonga e efeitos digitais que seguram a onda ainda hoje, mais de duas décadas depois. E quem não dançou ao som de "Cuban Pete" não viveu.

O CORVO
(The Crow, 1994)

O filme mais trágico da lista é também uma das histórias mais impressionantes de Hollywood. A adaptação da obra de James O'Barr ganhou contornos macabros quando o astro Brandon Lee, à beira do estrelato, morreu em pleno set depois de um acidente bizarro. "O Corvo", que captura a atmosfera niilista, gótica e rock and roll da época, é seu legado.

TIMECOP - O GUARDIÃO DO TEMPO
(Timecop, 1994)

De longe o melhor filme protagonizado por Jean-Claude Van Damme, "Timecop" é uma aventura de ficção científica com verniz de grande estúdio, mas que nunca esconde seu jeitão de filme B. O astro (e seu mullet) é um policial que protege a linha temporal, aqui envolvido em uma trama de política e de vingança. Decente!

HOMENS DE PRETO
(Men in Black, 1997)

A maior bilheteria entre as adaptações de HQs dos anos 1990 é também o filme que solidificou Will Smith como um dos maiores astros do cinema. Nas mãos de Barry Sonnenfeld, "Homens de Preto" foi além da premissa sisuda do gibi original para se tornar um dos filmes mais divertidos da cultura pop moderna.

BLADE - O CAÇADOR DE VAMPIROS
(Blade, 1998)

Há quem diga que, sem "Blade", não haveria a Marvel no cinema. A verdade é que os produtores estavam tão ressabiados em salientar suas origens nas HQs que a produção foi vendida como um híbrido de ação e terror, distanciando-se das páginas que lhe criaram. Melhor assim. No cinema, Blade sempre foi um personagem mais redondo do que nos quadrinhos. Ao menos até o pavoroso "Trinity"....

OS MAUS
Os filmes que tentaram surfar na onda mas morreram na praia!

AS TARTARUGAS NINJA 2 - O SEGREDO DO OOZE
(Teenage Mutant Ninja Turtles II - The Secret of the Ooze, 1991)

Depois de um primeiro filme que não fugia do absurdo de ser uma aventura urbana levemente sombria, os produtores abraçaram o sucesso do desenho animado e fizeram deste "O Segredo do Ooze" uma aventura engraçadinha para crianças bem pequenas. O maior pecado, porém, tem duas letras: "Vanilla Ice".

RIQUINHO
(Richie Rich, 1994)

Macaulay Culkin ainda faturava uns US$ 20 milhões por filme, mas em 1994, míseros quatro anos depois de "Esqueceram de Mim", ele já não era mais um molequinho fofo. De ponta a ponta, "Riquinho" é só irritante.

O SOMBRA
(The Shadow, 1994)

Ok, aqui vale tapear um pouco, já que o Sombra não teve origem nos quadrinhos, e sim na literatura pulp, influenciando diretamente, entre outros, a criação do Batman. Este filme com Alec Baldwin, no papel de um vigilante que protege a Nova York dos anos 1930, peca por se levar a sério demais, mas vale uma sessão preguiçosa.

BATMAN ETERNAMENTE
(Batman Forever, 1995)

Sai o climão gótico de Tim Burton, entra o circo de Joel Schumacher. Diz a lenda que existe uma versão mais hardcore do filme, que mergulha fundo nos aspectos psicológicos do Homem-Morcego. Maaaaas, não é o que temos. Acelerado e levemente divertido, "Eternamente" se atrapalha ao espremer uma dúzia de personagens em um filme só. O pior, sabemos, ainda estaria por vir...

O JUIZ
(Judge Dredd, 1995)

Sylvester Stallone achou, de verdade, que estava fazendo uma comédia ao protagonizar essa adaptação das aventuras do Judge Dredd, personagem assumidamente fascista das Hqs inglesas. É uma sátira à truculencia de um estado policial, Sly achou que fosse seu "Irmãos Gêmeos". Karl Urban devolveu dignidado ao anti-herói no filmaço de 2012.

O COMBATE
(Crying Freeman, 1995)

A adaptação do mangá de Kazuo Koike e Ryoichi Ikegami tinha potencial, mas faltou sangue nos ollhos nessa trama de tradição e vingança, com Mark Dacascos fazendo o que pode como protagonista. Quase deu. O diretor Christophe Gans mostraria a que veio seis anos depois com o excepcional "O Pacto dos Lobos".

O FANTASMA
(The Phantom, 1996)

A ideia do diretor Simon Wincer era fazer uma aventura à moda antiga, aos moldes dos seriados que faziam a festa da garotada nos cinemas dos anos 1930 e 40. Ficou no meio do caminho com essa aventura morna (e hoje levemente deslocada no tempo) em que Billy Zane assumiu o papel do Espírito que Anda, o protetor imortal do continente africano. Bonitinho, ordinário, esquecível.

HERÓIS MUITO LOUCOS
(Mystery Men, 1999)

O elenco reunido para este "Mystery Men" impressiona, de Ben Stiller a Geoffrey Rush, passando por William H. Macy, Janeane Garofalo, Tom Waits, Hank Azaria e Greg Kinnear. Mas o filme é esquisito demais, irregular demais, bizarro demais. Talvez estivesse à frente de seu tempo, e uma equipe de heróis amadores estivesse mais sintonizada com o zeitgeist do novo século. O diretor, Kinka Usher, nunca mais comandou um longa...

OS FEIOS
Os desastres que só existem por conta de algum desvio da natureza!

O JUSTICEIRO
(The Punisher, 1989/1991)

Produzido em 1989, distribuido em meia dúzia de países na virada da década, "O Justiceiro" chegou por aqui em 1991, mas nem precisava. Se o vigilante da Marvel parece fácil para ser traduzido ao cinema (é "Desejo de Matar", gente!), os produtores aqui erraram em tudo. Nem a caveira estampando o "uniforme" aparece aqui. Dolph Lundgren tentou como He-Man, tentou de novo aqui. Acertou em.... "Aquaman"!

CAPITÃO AMÉRICA
(Captain America, 1990)

O Caveira Vermelha é italiano. As orelhas do Capitão América são de borracha. Parece filmado por um grupo de garotos com a câmera super 8 surrupiada do pai. Mas a assinatura é do rei dos filmes B, Albert Pyum. Está perdoado.

AS TARTARUGAS NINJA 3
(Teenage Mutant Ninja Turtles III, 1993)

A essa altura o interesse nos personagens de Kevin Eastman e Peter Laird já havia evaporado. Colocar as tartarugas no Japão medieval pode funcionar em teoria. Mas o filme é cansado e desinteressante. Ainda assim, melhor do que os dois produzidos por Michael Bay...

QUARTETO FANTÁSTICO
(The Fantastic Four, 1994)

Aqui é maldade. Este filme, produzido por Roger Corman com dinheiro de pinga, foi feito unicamente ara a produtora Constantin Films manter os direitos do grupo da Marvel em mãos. Eles nunca tiveram intenção em lançar este "Quarteto Fantástico" comercialmente - e não avisaram nem elenco e nem equipe. Minha cópia é um bootleg glorioso que o ex-presidnete da Marvel, Avi Arad, quase arrancou de minhas mãos e destruiu a marteladas. True story.

TANK GIRL - DETONANDO O FUTURO
(Tank Girl, 1995)

Por onde anda Lori Petty? Nos anos 90 ela estava no topo da lista para ser a próxima grande estrela do cinema, depois de roubar a cena em "Caçadores de Emoção" e em "Uma Equipe Muito Especial". Então veio "Tank Girl" e seus cangurus geneticamente modificados (Ice-T entre eles), sua trama sobre um futuro árido e seu climão anárquico. Não deu em nada. Quem se deu bem, porém, foi a parceira da protagonista, papel de Naomi Watts.

BARB WIRE - A JUSTICEIRA
(Barb Wire, 1996)

Pamela Anderson teve sua única chance de livrar-se da sombra de "SOS Malibu", e de direcionar os holofotes para sua carreira, e não seu casamento com o baterista Tommy Lee, na adaptação da personagem hardcore que sobrevive como caçadora de recompensas em um futuro distópico. Os produtores, por outro lado, queriam apenas que ela passasse a maior parte do tempo praticamente sem roupas. Não era pra ser.

VAMPIRELLA
(1996)

Criada em 1969 pelo especialista em terror e ficção científica Forrest J. Ackerman, e pela desenhista Trina Robbins, Vampirella é uma vampira alienígena que torna-se anti-heroína na Terra. Suas Hqs sempre exalaram sensualidade, em especial por seus trajes (mínimos) icônicos. Nem seu uniforme original foi poupado nessa produção classe Z com Talisa Soto no papel-título e Roger Daltrey (do The Who) fazendo sabe-se lá o que.

SPAWN - O SOLDADO DO INFERNO
(Spawn, 1997)

Nada é mais "anos 1990" do que Spawn, o personagem demoníaco e radical criado pelo artista Todd McFarlane. Mas é difícil sentir qualquer empatia quando se passa dos 12 anos de idade, e a versão para cinema consegue ser ainda mais trash que o gibi. Com efeitos especiais de quinta categoria, que ficariam mal na época em um PlayStation, "Spawn" é uma aventura de vingança sofrível e picareta.

AÇO
(Steel, 1997)

Houve um momento no tempo em que o astro do basquete Shaquille O'Neal achou que pudesse triunfar como astro de cinema. Deveria escolher um empresário melhor, já que ele emendou o tenebroso "Kazaam" em 1996 com essa versão sofrível de um personagem coadjuvante do Superman. "Aço" é um "Homem de Ferro" de quinta categoria, um gigante em uma armadura desengonçada. Nem preciso dizer, Shaq não tem uma carreira como ator.

BATMAN & ROBIN
(1997)

Não tenho mais forças para falar sobre "Batman & Robin". Veja por sua conta e risco.

VÍRUS
(1999)

Jamie Lee Curtis manteve sua tradição como final girl neste terror tecnológico que adaptou a obscura HQ de Chuck Pfarrer. Em um navio cargueiro abandonado no meio do oceano, uma entidade extraterrestre transforma humanos em ciborgues assassinos, um patê de carne e fios, de músculos e engrenagens. Quando outro barco surge para resgatar o que houver de valor, os pseudo-exterminadores atacam. E é isso. Eu gosto de Jamie Lee Curtis.