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Roberto Sadovski

Charlize Theron em "The Old Guard": boas intenções não fazem um bom filme

Charlize Theron em "The Old Guard" - Netflix
Charlize Theron em 'The Old Guard' Imagem: Netflix

Colunista do UOL

10/07/2020 06h13

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"The Old Guard", que traz Charlize Theron em seu modo "heroína de ação", carrega uma premissa intrigante. Um grupo de imortais, liderados pela atriz, combate o mal ao longo dos séculos. Agora, revelados, precisam enfrentar um grupo que quer roubar o segredo de sua longevidade.

Traduzida como filme pela diretora Gina Prince-Bythewood, porém, a trama esvazia seu potencial em uma narrativa entediante e personagens desinteressantes, mostrando seu pulso em meia dúzia de boas sequências de ação. Se você busca uma aventura de escopo épico sobre imortais zanzando por um mundo entregue ao caos, sorry, mas não é este filme.

Antes de mais nada, é preciso entender a injustiça que Hollywood fez com Charlize Theron, que obviamente nasceu para o cinema de ação. A primeira coisa que ela fez depois de ganhar o Oscar por "Monster - Desejo Assassino" foi encarar um filme do gênero. "Aeon Flux", porém, morreu na praia. E o cinemão deu de ombros.

the old guard imortais - Netflix - Netflix
Charlize Theron e seu time de imortais em 'The Old Guard'
Imagem: Netflix

Ao contrário dos colegas homens, geralmente com lastro para superar um par de fracassos, a atriz foi ignorada pelo lado mais acelerado do cinema. Ok, ela foi coadjuvante para Will Smith em "Hancock". Mas precisou de uma década depois de "Aeon Flux" para voltar a ação - desta vez totalmente em comando - na obra-prima "Mad Max: Estrada da Fúria".

Trabalhar no épico de George Miller foi a catarse que faltava para Charlize ser abraçada pelo gênero. Em 2017 ela foi a vilã de "Velozes e Furiosos 8" (!) e protagonizou o começo de uma nova série com "Atômica", do qual também foi produtora. "The Old Guard" continua seu projeto no cinema pop, trazendo a atriz mais uma vez dos dois lados da câmera.

Em teoria, não tinha como dar errado. Charlize é Andromache de Scythia, ou simplesmente Andy, que ao longo dos séculos (milênios?) combate a injustiça ao lado de outros guerreiros imortais. O grupo, porém, é vítima de uma emboscada armada por uma corporação farmacêutica maligna (o CEO é um Lex Luthor de quinta interpretado pelo primo do Harry Potter) que deseja monetizar seus dons. Ao mesmo tempo, eles sentem o surgimento de outra imortal, uma soldada interpretada por Kiki Layne ("Se a Rua Beale Falasse").

"The Old Guard" é, portanto, um filme de origem. A personagem de Kiki faz o papel da plateia, fazendo todas as perguntas sobre as origens dos imortais, a sua função na Terra e a tristeza de saber que jamais poderá voltar à sua vida antiga (sua família, por exemplo, vai envelhecer e morrer naturalmente, enquanto ela será eternamente jovem). A personagem tem função didática mas funciona.

O problema aqui é que as duas tramas, mesmo quando entrelaçadas, não alcançam o escopo sugerido pela história. Os companheiros de Andy (que inclui um casal LGBT) tem zero desenvolvimento dramático, com fragmentos de sua história jogados aleatoriamente ao longo do filme. Mesmo o passado de protagonista é envolto num mistério resumido por sua resposta sempre que perguntam sua idade: "Velha".

Os diálogos, por sinal, são por vezes constrangedores. Greg Rucka, que aqui adapta sua graphic novel, injeta zero profundidade em seus personagens. O que no papel era fascinante, trazendo a reunião de imortais com experiência em centenas de guerras ao longo da história, resume-se aqui ao clima apressado de um piloto de série de TV.

the old guard diretora - Netflix - Netflix
Kiki Layne, a diretora Gina Prince-Bythewood e Charlize Theron em 'The Old Guard'
Imagem: Netflix

Esse jeitão de "primeiro de uma série" sequer é disfarçado. Em certo momento, fica claro que a imortalidade não é uma condição eterna, mas o filme nem se dá o trabalho de aprofundar a questão. Existe ainda todo um plot paralelo, essencial para entender a jornada de Andy, que é exposto, ignorado posteriormente por todo o filme, e retomado unicamente para armar uma sequência.

Como produtora, Charlize Theron é cuidadosa em adequar seu filme à acertada sensibilidade do novo século. Existe diversidade, tanto na frente quanto atrás das câmeras, e os temas de cor, credo e gênero são tratados com respeito. Existe a vontade sincera de criar um filme de ação épico, capaz de triunfar na nova realidade do streaming, antenado com os anseios de um mundo correto e equilibrado. Mas faltou a "The Old Guard" o principal: ser um bom filme.