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Roberto Sadovski

"A Ascensão Skywalker": o estranho caso do filme que foi lançado incompleto

Kylo Ren em A Ascensão Skywalker - Disney
Kylo Ren em A Ascensão Skywalker Imagem: Disney

Colunista do UOL

27/03/2020 19h57

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"Star Wars: A Ascensão Skywalker" chegou aos cinemas em dezembro do ano passado para decepção geral. A aventura dirigida por J.J. Abrams surgiu como um remendo, um filme imperfeito, uma colcha de retalhos que tentava amarar uma dúzia de tramas sem dedicação a nenhuma delas.

Muitos entusiastas se apressaram em marcar "A Ascensão Skywalker" como o pior filme de toda a saga. Entre os muitos motivos, estava o fato de os eventos se atropelarem ao acaso, deixando lógica e narrativa em segundo plano. Mas, veja só, algumas coisas faziam sentido! Só "esqueceram" de colocar no filme...

Daí vem um fenômeno curioso. A adaptação literária de "A Ascensão Skywalker", e também outros livros com histórias paralelas a ele, tentam de todas as formas preencher esses buracos, explicando de forma até convincente fragmentos narrativos que, no filme, não fazem o menor sentido.

SPOILERS DE "A ASCENSÃO SKYWALKER" DAQUI PRA FRENTE, BE WARNED!

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Imperador Palpatine em A Ascensão Skywalker
Imagem: Disney

Uma das ideias mais divisivas em "Episódio IX" é a volta do imperador Palpatine, despachado para uma morte explosiva pelas mãos de Darth Vader ao final de "O Retorno de Jedi". Em "Skywalker" ele retorna decrépito, em busca de um novo corpo para abrigar seu poder do Lado Sombrio da Força. E mira em Rey para atingir seu objetivo.

Se no filme Palpatine simplesmente surge do nada, a novelização explica que, ainda em "O Retorno de Jedi", ele projetou sua consciência para um clone previamente preparado por seus discípulos no planeta Exegol. O texto relata como o imperador já sentia hesitação em Vader e estava preparado para o pior.

Aí também está a explicação de como ele seria "avô" de Rey. O pai da sucateira transformada em última Jedi, visto em um breve flashback em "Skywalker", seria na verdade um clone imperfeito de Palpatine, incapaz de receber seu poder, mas com consciência própria. Então, para alívio geral, Rei nunca teve uma avó que se aconchegou nos braços de Palpatine (eca).

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Kylo Ren em A Ascensão Skywalker
Imagem: Disney

Esse oba oba de laços sanguíneos é um dos pontos baixos de "A Ascensão Skywalker", que diminui o escopo da galáxia e faz parecer que o conflito se resume em briga de comadres que moram na mesma rua. Ainda assim, é a família que traz força ao personagem de Adam Driver, Kylo Ren, mesmo que o filme não deixe isso claro.

Mais uma vez a novelização ajuda a compreender o sacrifício de Leia e o momento em que Kylo, livre da influência do Lado Sombrio, finalmente recupera sua identidade como Ben Solo. Esse arco dramático é abordado de forma superficial no filme, e ganha mais gordura no livro.

Por exemplo, o texto explica melhor como Kylo, um guerreiro treinado, perdeu seu primeiro combate para Rey, uma sucateira em um planeta deserto, no clímax de "O Despertar da Força": o ferimento causado por um disparo de Chewbacca tirou sua vantagem. Ok, funciona.

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Rey em A Ascensão Skywalker
Imagem: Disney

Mesmo sua explicação para os pais de Rey em "Os Últimos Jedi", como "um casal pobre, assustado e irrelevante" ganha mais textura, com a explicação que as visões da Força podem apresentar meias-verdades e realidades em potencial.

Até sua derradeira virada ao se aceitar novamente como Ben Solo é mais detalhada no livro, com a morte de Leia, sua mãe, usando seu último suspiro com a Força para mandar a Ben o sentimento de que ela nunca perdeu esperanças em sua redenção. Era o momento decisivo para enterrar Kylo Ren e recuperar um dos herdeiros da Força.

A versão em livro de "Star Wars: A Ascensão Skywalker" traz dezenas de outros momentos que jogam luz no filme. O total afastamento de Rose Tico (Kelly Marie Tran) faz mais sentido: ela não participa da missão principal da trama porque, como engenheira, faz mais sentido ficar na base preparando a frota da Resistência para a batalha final.

general pryde - Disney - Disney
General Pryde em A Ascensão Skywalker
Imagem: Disney

A gigantesca armada Sith, convocada por Palpatine em Exegol, também é explicada como obra dos discípulos do imperador, que trabalharam "por toda uma geração" desde o fim da Batalha de Endor em "O Retorno de Jedi" até a chegada da Primeira Ordem. Existe até uma passagem em que o General Pryde (Richard E. Grant) comenta que a frota Sith é "o trabalho de sua vida".

A essa altura, com mais de três meses de seu lançamento e a "honra" de ser o filme com pior avaliação de toda a saga, é curioso que a LucasFilm faça um controle de danos tardio com a novelização de "A Ascensão Skywalker", com outros livros paralelos que abordam a mesma trama e com os remendos que os textos tentam fazer no filme.

Mais curioso ainda, porém, é observar que boa parte dessa narrativa podia estar integrada ao próprio roteiro, fazendo do último episódio da saga um filme mais redondo e satisfatório. Os motivos que levaram J.J. e cia. a lançarem um produto tão nas coxas permanece um mistério.

Uma coisa é certa. Não importam novelizações, histórias complementares em quadrinhos, webséries, brinquedos, nada: se não está no filme, então não vale como parte da história. Cinema tem de ser a experiência completa. "Star Wars: A Ascensão Skywalker" ainda precisa de bula para ser apreciado. Justamente por isso, decepcionou.

last shot de A Ascenção Skywalker - Disney - Disney
Rey encara os sóis de Tatooine porque é o que temos....
Imagem: Disney