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Roberto Sadovski

Isolado em casa? Então (re)descubra 15 filmes excepcionais em streaming

Alexandre Rodrigues em "Cidade de Deus" - Amazon Prime
Alexandre Rodrigues em "Cidade de Deus" Imagem: Amazon Prime

Colunista do UOL

18/03/2020 06h12

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Quarentena é coisa séria. Muito séria. Com a pandemia de coronavírus que tomou o mundo, cada um de nós tem de fazer sua parte. No Brasil, em especial, é impossível pedir que todo mundo fique em casa - um privilégio de quem pode bancar essa conta. Para quem pode, portanto, isolamento social é a melhor forma de conter o vírus. Lembre-se: não é só sobre você, e sim sobre sua família, seus vizinhos, seus colegas de trabalho, tudo mundo que está em risco com o mundo em alerta.

Enquanto os cinemas mantém as portas fechadas, o streaming aproveita. Pelos próximos dias (semanas?), pilotar um sofá será a principal atividade para quem gosta de filmes. A seleção a seguir não segue absolutamente nenhum critério, exceto por ser uma coleção aleatória de filmes incríveis, pouco óbvios, que você pode aproveitar para assistir pela primeira vez ou rever à vontade. Enquanto isso, fique em casa! Acredite na ciência, não em políticos irresponsáveis! E logo a gente se vê num cinema da vida.

"A ÚLTIMA SESSÃO DE CINEMA"

(The Last Picture Show, Peter Bogdanovich, 1971, HBO GO)

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Jeff Bridges e Cybill Shepherd em "A Última Sessão de Cinema"
Imagem: HBO

Poucas experiências causam impacto tão profundo como esse recorte do "sonho americano" pós-Segunda Guerra. Peter Bogdanovich usa a sessão derradeira de um cinema em uma cidadezinha do Texas como metáfora para a apatia cultural e econômica do país, especialmente quando o mundo real lidava com o choque de realidade trazido pela Guerra do Vietnã.

Em 1951, um grupo de adolescentes é arremessado na vida adulta sem a maturidade para entender sua parte no processo. Jeff Bridges já era um astro, Cybill Shepherd nunca esteve tão linda. E o mundo nunca pareceu tão cinza e árido.

"O ENIGMA DE OUTRO MUNDO"

(The Thing, John Carpenter, 1982, NETFLIX)

Kurt Russell - Netfix - Netfix
Kurt Russell em "O Enigma de Outro Mundo"
Imagem: Netfix

Já escrevi aqui outras vezes, repetirei até meu último fôlego: "O Enigma de Outro Mundo" pode ser o melhor filme da história do cinema. É uma das experiências mais transformadoras da história, um estudo em paranoia e claustrofobia.

Este remake eleva o material original (o terror "O Monstro do Ártico", de 1951) adicionando camadas à narrativa, além da evolução absurdo em efeitos especiais que até hoje surpreendem. Carpenter tem outros filmes com Kurt Russell, mas aqui a parceria atinge a perfeição.

"DIA DOS MORTOS"

(Day of the Dead, George A. Romero, 1985, AMAZON PRIME)

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Um zumbizão de "Dia dos Mortos"
Imagem: Amazon Prime

A conclusão da trilogia dos mortos-vivos do mestre George Romero tinha passos complexos para seguir. Depois de mudar o cinema de terror com "A Noite dos Mortos-Vivos" em 1968, o cineasta levou uma década para retomar a ameaça das criaturas em "Despertar dos Mortos", quando a humanidade percebe que zumbis são reais.

Em 1985 o niilismo tomou conta de qualquer lampejo de esperança, e "Dia dos Mortos" mostra um mundo totalmente tomado por mortos-vivos, com militares e cientistas acuados em um bunker tentando entender que a humanidade já era. Pura ficção? Ou um alerta...

"OS FANTASMAS CONTRA-ATACAM"

(Scrooged, Richard Donner, 1988, AMAZON PRIME)

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Bill Murray em "Os Fantasmas Contra-Atacam"
Imagem: Amazon Prime

Nunca houve um astro de Hollywood mais peculiar do que Bill Murray, especialmente nos anos imediatamente depois de "Os Caça-Fantasmas". Os estúdios, claro, tentavam recapturar o relâmpago na garrafa, mas Murray parecia mais interessado em experimentar o limite da comédia. Aqui ele forjou uma parceria inusitada com o diretor Richard Donner, que depois de consolidar uma carreira na TV saltou para o cinema em filmes como "A Profecia", "Superman", "os Goonies" e "Máquina Mortífera".

Adaptar o clássico "Um Conto de Natal", de Charles Dickens, como uma comédia contemporânea parecia tarefa inglória, mas o resultado é um filme sofisticado e incomum, que funciona na base do charme. Às vezes, vê-se, é o que basta.

"TUCKER - O HOMEM E SEU SONHO"

(Tucker - The Man and His Dream, Francis Ford Coppola, 1988, NETFLIX)

jeff bridges tucker - Netflix - Netflix
Jeff Bridges em "Tucker - O Homem e Seu Sonho"
Imagem: Netflix

Apesar da amizade antiga, a biografia Tucker foi a primeira colaboração de Francis Ford Coppola com George Lucas. Desenvolvido por mais de uma década, a biografia do engenheiro Preston Tucker encapsulava a paixão de ambos os cineastas por pequenos empreendedores que competem os gigantes do capitalismo.

E também por automóveis, no caso o Tucker Sedan, um automóvel experimental produzido no fim dos anos 40 e engolido por pressões políticas e comerciais. Toda essa jornada encontra-se neste drama que traz o otimismo de Frank Capra com a visão arrojada de Coppola.

"O PESCADOR DE ILUSÕES"

(The Fisher King, Terry Gilliam, 1991, HBO GO)

robin williams pescador de ilusões - HBO - HBO
Robin Williams e Jeff Bridges em "O Pescador de Ilusões"
Imagem: HBO

O diretor Terry Gilliam amargou um fracasso injusto com a fantasia "As Aventuras do Barão Munchausen" em 1988 que, entre outras coisas, o deixou frustrado por não poder contar com um papel maior para Robin Williams. "O Pescador de Ilusões" foi uma correção de curso, com Gilliam tratando o material com os pés mais aterrados e dirigindo novamente Williams, desta vez como protagonista.

Ele é Parry, um sem teto assombrado por alucinações que recebe ajuda de um DJ suicida (Jeff Bridges), assombrado por um massacre causado por um erro que ele cometera. Os dois homens partem em uma jornada para encontrar o Cálice Sagrado bíblico, que Parry acredita estar no Central Park em Nova York. Um filme sobre amizade, tragédia e redenção com a pitada de fantasia tão presente na obra de Gilliam.

"HERÓI POR ACIDENTE"

(Hero, Stephen Frears, 1992, HBO GO)

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Dustin Hoffman em "Herói por Acidente"
Imagem: HBO

É absolutamente revoltante que "Herói por Acidente" surja como um filme escondido na carreira de tanta gente boa. Mais surpreendente ainda é observar como Stephen Frears e o roteirista David Peoples anteciparam em bons anos o fascínio do público pela manipulação midiática que transforma jornalismo em narrativas carregadas de emoção plastificada, lapidadas por números de audiência.

É o que descobre a jornalista interpretada por Geena Davis, que sobrevive a um desastre aéreo quando ela e todos os passageiros são resgatados por um herói anônimo, que entrou na aeronave em chamas e retirou a todos. O crédito do ato vai para o sem teto interpretado por Andy Garcia, quando na verdade o resgate foi perpetrado, muito na má vontade, pelo golpista Dustin Hoffman. Frears pergunta "o que faz de alguém um herói", e a resposta vem agridoce e com uma dose inesperada de realidade.

"VESTIGIOS DO DIA"

(The Remains of the Day, James Ivory, 1993, NETFLIX)

anthony hopkins vestígios - Netflix - Netflix
Emma Thompson e Anthony Hopkins em "Vestígios do Dia"
Imagem: Netflix

Houve uma época em que a parceria do diretor James Ivory com o produtor Ismail Merchant era sinônimo de dramas de época sofisticados e meticulosos, em que a reconstrução de época primorosa vinha acompanhada de textos brilhantes, trazendo recortes da elite britânica de outras eras. "Uma Janela Para o Amor", "Maurice" e "Retorno a Howard´s End" são obras atemporais e emocionantes. Mas talvez a perfeição da "fórmula" surja neste "Vestígios do Dia". Anthony Hopkins é mordomo em uma mansão vitoriana, com sua vida dedicada totalmente à servitude.

A explosão da Segunda Guerra Mundial e os ventos do "novo mundo" trazidos por um proprietário americano, somados à repressão dos sentimentos nutridos pela governanta interpretada por Emma Thompson, fazem com que ele questione seu papel na ordem das coisas. Hopkins pode ter ganhou seu Oscar como o Hannibal Lecter de "O Silêncio dos Inocentes". Mas foi em "Vestígios do Dia" que ele definitivamente entregou a performance de sua vida.

"O INFORMANTE"

(The Insider, Michael Mann, 1999, NETFLIX)

Al Pacino Russell Crowe Informante - Netflix - Netflix
Al Pacino e Russell Crowe em "O Informante"
Imagem: Netflix

Antes do mega estrelado trazido por "Gladiador", Russell Crowe mostrou o quanto ele é um ator fabuloso ao dividir a cena com Al Pacino neste drama dirigido pelo brilhante Michael Mann. É um filme de ação com palavras, inspirado em fatos reais. Crowe é Jeffrey Wigand, químico que, ao ser dispensado de seu trabalho em uma companhia de tabaco, é procurado por Lowell Bergman (Pacino), produtor do programa de entrevistas 60 Segundos, revelando no ar que o cigarro pode, sim, causar vício.

O que se segue é uma batalha de Davi e Golias, de grandes conglomerados contra o homem comum, de verdades avassaladoras contra mentiras corporativas. Sobre integridade, jornalística e moral. Ao fim de "O Informante", você estará exausto. Coisa que só os melhores filmes podem fazer.

"CIDADE DE DEUS"

(Fernando Meirelles, 2002, AMAZON PRIME)

Alexandre rodrigues cidade de deus - Amazon Prime - Amazon Prime
Alexandre Rodrigues em "Cidade de Deus"
Imagem: Amazon Prime

É intrigante que "Cidade de Deus", provavelmente o melhor filme já feito em toda história do cinema brasileiro, só esteja disponível por aqui em streaming. Impossível a essa altura achar cópias físicas - sequer existe uma edição em blu ray por aqui. Em um mundo perfeito, os cinemas reprisariam essa pequena obra-prima anualmente. Fernando Meirelles, ao contar a história de dois amigos de infância afastados pelo tráfico nos morros cariocas, desenha uma crônica do avanço da violência no Rio de Janeiro e da falência do poder público em impedir que crianças se tornem assassinos.

O mundo se rendeu ao filme, cuja influência se estende pelo cinema de gênero mundial ao longo do novo século, lembrado continuamente como uma das melhores produções dos últimos anos. É a melhor oportunidade de descobrir o por que.

"A MÃO DO DIABO"

(Frailty, Bill Paxton, 2002, AMAZON PRIME)

Bill Paxton Mão do Diabo - Amazon Prime - Amazon Prime
Bill Paxton em "A Mão do Diabo"
Imagem: Amazon Prime

Bill Paxton já era ator consagrado quando saltou para trás das câmeras neste thriller de reviravoltas surpreendentes. Matthew McConaughey é um homem torturado pelo passado. Ele encontra-se com um agente do FBI para relembrar seu passado, e como seu pai (o próprio Paxton), um fanático religioso, tinha visões em que ele era instruído a destruir demônios - na verdade ele tornou-se um verdadeiro assassino em série, carregando seus dois filhos na matança.

O ator se revela um cineasta sólido, especialmente na condução de seu elenco. McConaughey imprime como uma alta atormentada, que encontra em Powers Boothe, o homem do FBI, o confessionário ideal para sua mente fragmentada. Pena que Paxton terminou dirigindo só mais um filme antes de sua morte em 2017. "A Mão do Diabo", por fim, tornou-se um belo epitáfio.

"O OPERÁRIO"

(The Machinist, Brad Anderson, 2004, AMAZON PRIME)

Christian Bale Operário - Amazon Prime - Amazon Prime
Christian Bale em "O Operário"
Imagem: Amazon Prime

Antes de ganhar os músculos do bilionário Bruce Wayne em "Batman Begins", Christian Bale perdeu massa ao ponto de parecer raquítico e doente para este drama perturbador de Brad Anderson. Ele é Trevor, operário em uma fábrica que sofre de insônia crônica, incapaz de dormir há um ano. Duvidando de sua própria sanidade, aos poucos ele desvenda os eventos que o levaram a tamanha degradação física e mental, deparando-se com um segredo que pode (ou não) envolver uma figura sinistra que o persegue.

O trabalho de Bale vai muito além do compromisso com o personagem a ponto de por sua própria saúde em risco: é uma interpretação incômoda, sufocante, que encontra na performance física combustível para imprimir veracidade ao personagem. "O Operário" é um filme muito comentado e pouco visto. Aproveita!

"MARCAS DA VIOLÊNCIA"

(A History of Violence, David Cronenberg, 2005, HBO GO)

Viggo Mortensen Marcas Violência - HBO - HBO
Viggo Mortensen em "Marcas da Violência"
Imagem: HBO

O novo século trouxe nas histórias em quadrinhos um novo caldeirão para o cinema minar narrativas complexas e originais. Se "Homem-Aranha" havia escancarado há pouco tempo os portões de uma nova era de blockbusters, David Cronenberg buscou no drama policial "Marcas da Violência", de John Wagner e Vince Locke, material perfeito para lapidar os temas que definiram sua carreira.

Viggo Mortensen é cria de uma cidade do interior da América, o retrato do sonho que casou com a namorada de infância para começar uma família. A paz é dilacerada quando ele reage e mata com habilidade dois criminosos que tentam roubar seu restaurante, o que coloca seu rosto na mídia nacional e traz de volta um passado que ele tentara esquecer. Ultraviolento e assustadoramente realista, "Marcas da Violência" é um filme sobre lobos que, mesmo se convencendo que são cordeiros, não perdem suas presas.

"O GRANDE TRUQUE"

(The Prestige, Christopher Nolan, 2006, NETFLIX)

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Christian Bale e Hugh Jackman em "O Grande Truque"
Imagem: Netflix

Caminhando para se tornar um dos poucos diretores superstars do cinema moderno, Christopher Nolan recheou dois de seus "Batman" com essa fantasia gótica sobre magia, obsessão e perda de identidade. A produção é esmerada e o elenco, que traz Michael Caine, Scarlett Johansson, Rebecca Hall e Andy Serkis, é um absurdo.

O embate principal, porém, fica mesmo nas mãos de Christian Bale e Hugh Jackman, dois ilusionistas com métodos diversos: se o primeiro tem mais interesse na "pureza" dos truques e na mecânica em realizá-los, o segundo é um showman, ciente de que a apresentação e o espetáculo são tão importantes quanto os números. A rivalidade dos dois transcende os palcos e torna-se letal, culminando no clímax em que a ciência entra em choque com o fantástico. Ah, e David Bowie interpreta o gênio Nikola Tesla. Corre!

"ATÉ O FIM"

(All Is Lost, J.C. Chandor, 2013, HBO GO)

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Robert Redford em "Até o Fim"
Imagem: HBO

Não é nenhuma novidade que Robert Redford é a proverbial lenda viva, um astro que há décadas usa de seu talento e prestígio não só para alavancar o bom cinema, como também para promover novos criadores e espaços - o Festival de Sundance, por exemplo, é sua cria. O que torna ainda mais espantosa sua vitalidade a se entregar a papéis como o navegador solitário neste "Até o Fim". E quando digo "solitário", é literal: em quase duas horas de filme, Redford é o único em cena, carregando nas costas o peso narrativo desse verdadeiro terror no mar.

Que começa de forma insuspeita, quando seu veleiro colide com um container perdido na vastidão do oceano. O dano no casco logo se torna irreparável, e ele precisa descobrir como enfrentar os elementos, a solidão e a total falta de recursos para sobreviver. Tudo isso sem diálogos: ao contrário do que acontece em folhetins televisivos, o personagem de Redford não é um esquizofrênico que precisa falar seus pensamentos em voz alta para a compreensão do público. Ele não precisa.