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Roberto Sadovski

"Dois Irmãos": A Pixar devia ser proibida de fazer um filme só ok

Ian (Tom Holland) e Barley (Chris Pratt) em momento leve na animação "Dois Irmãos" - Disney/Divulgação
Ian (Tom Holland) e Barley (Chris Pratt) em momento leve na animação "Dois Irmãos" Imagem: Disney/Divulgação

Colunista do UOL

06/03/2020 20h33

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Não existe absolutamente nada errado com "Dois Irmãos", novo filme da Pixar. É uma aventura correta, bem escrita, emocionante na medida certa e com aquele tom edificante que o estúdio emprega desde sua estreia nos cinemas com "Toy Story", de 1995. A animação é belíssima, mas a essa altura só mesmo sendo um estúdio meia boca para derrapar na carpintaria digital.

Tem personagens carismáticos, premissa original e um "vilão" com o qual é fácil nos relacionar: o tempo. Ainda assim, falta aquela fagulha de genialidade, aquele brilho que diferencia a esmagadora maioria dos produtos com o selo Pixar das outras animações que inundam os cinemas. "Dois Irmãos" é só ok - e tudo bem, se seu nível de exigência também estiver por aí.

A trama, como boa parte do trabalho do estúdio, é sobre família - uma família com rachaduras em sua felicidade aparente. No mundo imaginado pelo diretor e roteirista Dan Scanlon ("Universidade Monstros"), elfos, fadas e outras criaturas míticas habitam uma realidade exatamente como a nossa. A magia que regia o planeta foi há muito tempo substituída pelos confortos da vida moderna.

É nesse lugar tão familiar que Ian (voz de Tom Holland), elfo adolescente com toda a carga de solidão e deslocamento que a idade traz, completa 16 anos sem amigos. Sua apatia é o oposto do entusiasmo de seu irmão mais velho, Barley (Chris Pratt), nerd que ainda acredita nos "velhos costumes" e acredita que só a magia pode deixar o mundo bacana de novo.

Ian (Tom Holland) e Barley (Chris Pratt) redescobrem a magia em "Dois Irmãos" - Disney/Divulgação - Disney/Divulgação
É isso que adolescentes fazem quando se trancam no quarto....
Imagem: Disney/Divulgação

A rotina é quebrada quando a mãe dos garotos lhes entrega um presente de seu pai, que morreu quando os meninos eram muito novos, guardado há anos: um cajado mágico. É um presente agridoce, já que Ian, que era um bebê, nunca conheceu de verdade seu pai, e Barley carrega apenas lembranças tênues de sua infância. Mas o cajado vem com as instruções para um encantamento: com um cristal no lugar certo, e a convicção ao dizer as palavras mágicas, seu pai pode voltar e passar um último dia em família - oportunidade para Ian encontrar esse pedaço que falta em sua vida e para Barley se despedir.

Quando a mágica dá errado, e o truque traz de volta apenas um par de pernas, os irmãos decidem sair em uma jornada para encontrar um segundo cristal e completar o encantamento antes que ele se dissipe, exatamente ao por do Sol do dia seguinte.

A partir daí, "Dois Irmãos" segue a cartilha da animação moderna. Um pouco de ação, uma pitada de humor, doses cavalares de emoção. Tudo em um pacote contemporâneo, que respeita a diversidade e traz nas entrelinhas várias questões que podem ser absorvidas pelos pequenos e compartilhadas pelos adultos. Mas é quase impossível não posicionar o filme ante o catálogo da Pixar, Desde "Toy Story", a empresa usou uma abordagem diferente de seus pares - inclusive da "chefe", a Disney Animation.

Cada novo projeto foi criado a partir de experiências pessoais de quem o colocou na mesa, com os roteiros meticulosamente desenvolvidos com o cuidado de preservar essa ideia original. É um trabalho em equipe que trouxe pérolas como "Os Incríveis", "Procurando Nemo", "Up", "Wall-E" - ora, praticamente todo o catálogo do estúdio.

Ian (Tom Holland) na animação "Dois Irmãos" - Disney/Divulgação - Disney/Divulgação
O Sol vai embora e, com ele, a esperança de Ian ver seu pai
Imagem: Disney/Divulgação

Existe, porém, um padrão a ser observado. Desde sua concepção, a Pixar procurou concentrar seus esforços criativos em um projeto por vez, com uma frequência de um filme a cada ano. Quando o volume de trabalho aumenta, a qualidade sofre. Quando o estúdio colocou dois produtos nos cinemas no mesmo ano, a balança sempre pendeu para um lado.

Foi assim em 2015, com "Divertida Mente" engolindo o apagado "O Bom Dinossauro". Foi assim em 2017, com "Viva!" fazendo estrago na lataria de "Carros 3" (de longe a série mais fraca da Pixar). E parece que a história vai se repetir em 2020. "Dois Irmãos" surge como o filme mais convencional. Já "Soul", agendado para junho, pode tomar a frente como o filme do estúdio a ser lembrado nessa temporada.

Ainda assim, talvez eu esteja batendo muito pesado em "Dois Irmãos". É difícil manter a genialidade e o espírito criativo sempre em alta, especialmente quando o trabalho surge em um ambiente corporativo, que preza pela excelência, claro, mas também busca metas. Já é incrível que a Pixar continue apostando em histórias originais, principalmente quando faz parte de um conglomerado tão gigantesco quanto a Disney.

Talvez, por fim, a Pixar tenha deixado todos nós mal acostumados, com a sensação de sair de uma sessão de (quase todos) seus filmes com o espírito elevado, as emoções afloradas, a pontinha de esperança renovada. "Dois Irmãos" ainda consegue tudo isso. Mesmo que dificilmente seja lembrado no dia de amanhã.