Whindersson faz show histórico no RiR: Relevância comercial e artística
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"Ao falar dos perigos que ameaçam o pensamento entendido como 'produção filosófica', [Martin] Heidegger abria exceção ao 'bom e salutar perigo que é a vizinhança do poeta que canta'. "
(Trecho de "Existencialismo", do historiador belga Jacques Colette)
Durante muito tempo nossa combalida indústria do entretenimento podou seus arautos mais proeminentes, deixando claro que as caixinhas precisavam ser muito bem definidas. Um ator que se propusesse a cantar sempre seria visto com muita desconfiança. Uma cantora que se dispusesse a participar de uma novela começaria a ouvir ruidosos comentários sobre sua situação financeira. E por aí vai.
Com a evolução do capitalismo tropical e iniciativas como o programa "Popstar", esse tipo de limite foi perdendo força e ouvimos com menos frequência nossas avós balbuciarem coisas do tipo "o que essa daí tá querendo ser atriz, agora?" quando se deparam com Fafá de Belém em "A Força do Querer".
Os chamados youtubers certamente se beneficiam por surgirem neste específico momento de nossa história. Somos uma sociedade mais preparada para vivenciar o sincretismo artístico de figuras como Kéfera, Felipe Neto e, claro, Whindersson Nunes.
Whindersson recebeu o carimbo de "maior youtuber do Brasil". Com 23 milhões de inscritos em seu canal, não foram poucas as reportagens que aproveitaram sua passagem pelo Rock in Rio para chamar a atenção para seu sucesso em relação aos headliners do evento: tem muito mais fãs que Justin Timberlake, Maroon 5, Guns N' Roses. Como se isso significasse alguma coisa.
Mas é importante frisar que o termo youtuber é genérico e reduz a uma mesma categoria diferentes correntes artísticas e filosóficas. Pode ser interessante do ponto de vista comercial, pois o mercado é preguiçoso e não quer refletir muito antes de saber porque está contratando esse ou aquele sujeito.
O fato é que youtuber não é um gênero em si. Explica muito bem questões técnicas: fala sobre linguagem, meio de consumo e relação entre criador e audiência. Mas dentro disso existe uma miríade de realidades diferentes, que se encaixam nos gêneros já consagrados pela indústria cultural: comportamento, drama, comédia, terror psicológico.
Whindersson é o maior e mais relevante humorista do Brasil atualmente. O fato de ter atingido os píncaros da fama graças à popularidade no YouTube é apenas uma informação dentre muitas outras de similar relevância.
À moda de ícones do antanho como Adamastor Pitaco, Ary Toledo e Juca Chaves, a expressão autoral de Whindersson segue um caminho plural. Seja com uma webcam filmando seu torso nu em um quarto de hotel, fazendo espetáculos de stand-up em teatros Brasil adentro ou ainda em uma apresentação de paródias com um power trio na edição de 2017 do Rock in Rio.
O show histórico do humorista foi calcado em duas vertentes fundamentais que atestam a relevância artística e comercial de sua obra: a voz geracional e a contextualização oportunista.
Falo sobre "voz geracional" quando Whindersson compõem músicas sobre o que garotos e garotas da mesma idade vivem corriqueiramente. Transformou "Fico Assim Sem Você", música de Claudinho e Buchecha que foi sucesso na voz de Adriana Calcanhotto, em uma epopeia sobre a "friendzone" --termo popularizado na internet para qualificar a situação em que uma relação de amizade não vira romance por desinteresse de uma das partes envolvidas.
E ainda entortou "Hello" de Adele para falar de maneira graciosa sobre os desafios de conseguir o sinal de wi-fi dos estabelecimentos públicos ou privados.
Perceba que são temas universais, mas retratados sob um ponto de vista millennial. E ajudam a construir a imagem de Whindersson como "menino da internet", um recorte editorial que certamente se adequa com maestria às pretensões financeiras do humorista.
A "contextualização oportunista" que citei também é outra importante questão mercadológica. Contratado pelo Rock in Rio, o artista adequa seu humor para o universo do evento. Investe longos minutos para fazer graça com a inabilidade do povo em cantar músicas na língua inglesa, usando como exemplos os headliners que se apresentam no festival deste ano.
O ápice é quando as piadas viram número musical: "Não existe Rock in Rio sem 'Sweet Child O' Mine'", avisa Whindersson, brincando sobre a recorrente presença do Guns N' Roses na festinha da família Medina. E emplaca uma bem-humorada versão do clássico usando apenas a frase "não sei o que lá" no lugar da letra original.
É uma ação esperta comercialmente, com resultados humorísticos bem mais do que satisfatórios. Minha parte preferida foi quando chamou seu guitarrista de "Slash com leptospirose".
Como diria Albert Camus caso tivesse um vlog, resta a única questão filosófica verdadeira: se um youtuber pode fazer tudo, isso significa que ele deve fazer qualquer coisa? A julgar pelo sucesso dos filmes da Kéfera, das promoções telefônicas de Felipe Neto e da inevitável turnê mundial de Whindersson, suspeito que sim.
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