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Independência ou morte: Ronald Rios fala de polêmicas e carreira na TV

Ronald Rios na época em que apresentava o "A Semana", na TV Gazeta - Reprodução / Facebook
Ronald Rios na época em que apresentava o "A Semana", na TV Gazeta Imagem: Reprodução / Facebook

07/09/2017 04h00

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Hoje celebramos a independência do Brasil, e não vejo data mais oportuna para a leitura dessa longa entrevista que fiz com Ronald Rios - o mais independente artista da TV brasileira.

Conheço o cidadão há mais de 10 anos, da época em que ele começava a ficar famoso na internet por gostar muito de sucrilhos.

Muita coisa aconteceu desde então. Sucesso no YouTube, virou atração de uma MTV pouco afeita a concessões e que não existe mais. Logo migrou para a rádio FM e para programas da TV aberta.

O comediante passou a caminhar lado a lado com a sanha jornalística capaz de cobrir guerras in loco, tipo um Robert Fisk com porte físico para jogar basquete, além de sua recente encarnação como arguto cronista do rap nacional.

Tive a oportunidade de repassar sua trajetória até aqui e tentar entender o que o futuro reserva para o menino de ouro do Morro do Adeus.

O senhor é uma das pedras fundamentais da internet contemporânea, fazendo vídeos muito antes da febre atual. “Com a palavra Ronald Rios” foi um divisor de águas na forma como o conteúdo é produzido e consumido no Brasil, uma das primeiras iniciativas locais realmente estruturadas para o YouTube. Porque o sr. não ficou gigante como outros pioneiros da plataforma?
O programa foi pensado para a TV. Eu fazia vídeos no YouTube desde 2006. Quando o pagamento era só exposição, mesmo. Era um meio pro fim. Eu entrei na MTV em 2008 com o sucesso dos vídeos. A partir daí eu já estava envolvido com televisão. Eu não fazia ideia de que YouTube seria algo lucrativo. E tem um fator: as minhas coisas davam certo na TV. Todo mundo que fez sucesso no YouTube não migrou decentemente para a TV, ficava um ano e saía, porque não funcionava. Eu fiz vários trampos em TV, basicamente porque eu sempre engatava uma coisa depois da outra. Veio naturalmente.

O senhor acha que valorizou demais a entrada na televisão, enquanto outros criadores de conteúdo tiveram a visão de investir tempo e dinheiro na própria internet como um fim, e não como um meio?
Pode ser, né? Mas se eu entrar nessa paranoia, aí fodeu. Deve ter sido isso. Porra, agora fiquei na bad com essa sua pergunta.

Mano, antes da TV eu fui caixa da C&A. Como não vou valorizar essa parada? Eu era o garoto do Morro do Adeus que ganhava mais dinheiro sem estar no tráfico. Eu entrei muito cedo na TV, adolescente ainda. Então essa era minha profissão. Não dava para pensar em YouTube, sempre fui muito de pegar na massa tudo que eu fiz. Então se eu metia a cara, eu escrevia, ajudava na produção, direção de elenco, tudo. Não tinha essa de projeto paralelo. Então abandonei o YouTube. Mas não quero fazer a linha Roy Raymond aqui. Não tem como prever o que vai dar lucro se você não for amigo do Eike Batista.

Trabalhar na televisão era um sonho? Como o sr. avalia a experiência?
Como eu avalio? Cara, eu fiz programas na MTV. Escrevi e atuei em séries no Multishow. Porra, cobri Copa do Mundo, Eurocopa pelo "CQC". Consegui fazer documentários no "CQC", mano. Tem noção? Uns VT's de 15 minutos sobre uma parada séria, sobre assuntos que a imprensa evitava tocar lá em 2013? O saldo foi excelente. Mano, eu fui pruma guerra! As pessoas, por onde eu vou, vêm falar comigo desse trampo. E para mim não foi um trampo, foi uma parada que eu vivi. Eu assisti uma vez as matérias da Faixa de Gaza que fiz e até hoje não consigo ver nelas o sentimento que foi estar ali. Foi assustador? Claro. Mas como jornalista, foi foda. Poder contar aquela história dos dois lados. Eu fui o único repórter de TV do Brasil a entrar lá no ápice do confronto. Então a responsabilidade de entregar a visão mais clara das coisas era minha. E eu entreguei a missão.

Depois de sair brigado de duas emissoras nas quais trabalhou, acredita que poderia ter feito algo diferente?
Poderia ter saído brigado de todas! (risos). Mentira. Aí acho que errei duas vezes. Errei com razão e com paixão. Mas errei. A real é a seguinte: eu não saí brigado da Gazeta. Saí bem de boa e passei semanas quieto. A gente se desentendeu foi depois. Eu fiz um trabalho muito feliz lá, me dou bem com todos. Mas depois fiquei sabendo o motivo - uma piada que fizemos sobre um bispo que não deve ser aqui mencionado. E eu fiquei indignado com isso. Era um bom programa, uma equipe que ralava.

Assim como fiquei indignado quando no especial das melhores matérias de 2014 do CQC a Band decidiu não passar nada meu das matérias de Gaza. Vista meus sapatos, Chico: era uma noite de homenagem ao melhor do que a equipe tinha feito no ano e não iriam colocar isso só porque eu estava de saída e não queriam que soasse estranho? Eu fiquei furioso da vida.

Ali eu desisti de continuar na Band - porque eles haviam me oferecido de fazer reportagens para outros programas da emissora. Pela falta de consideração, Chico. Eu sempre fui muito dedicado e pé no chão nas coisas que fazia. Eu carregava equipamento da equipe, chegava no texto, fazia as pesquisas. Eu falo procê: eu trampo. Quando tô em algo, não consigo ter outro foco. E isso se pagou. Eu dei o pico de audiência no CQC dezenas de vezes. No período em que eu estive lá, a única matéria que concorreu a algum prêmio? Foi minha. Não foi o fulano na Festa de Lançamento do Livro da Mulher Agrião. Então reclamei puto sobre aquilo. Hoje eu não teria respondido assim.

Eu estava com a razão nas duas vezes? Sim. Mas hoje eu teria ficado quieto. Porque existe a verdade e a narrativa. Na narrativa eu saí mal. É como o Denzel Washington diz no "Dia de Treinamento": "não basta ser limpo, tem que parecer limpo."

E eu detestei ficar com essa imagem de quem sai mal dos lugares onde trampou. Porque eu trampei no Multishow, na MTV, TBS, na Jovem Pan FM e saí tranquilo de todos os lugares. E no meu dia a dia na Band e Gazeta eu não dava trabalho nenhum. Mas conheço vários caras que davam trabalho pra caralho diariamente e tinham um estrelismo nojento onde trabalhavam, mas souberam ser discretos na saída. Hoje eu teria mudado minha resposta.

Considera justa o rótulo de enfant terrible do showbiz nacional?
Você me diz. Eu não busco nenhuma imagem. 

Podemos considerar que o senhor é um dos artistas mais independentes do Brasil? É correto afirmar que nada contra a corrente e desafia o senso comum quase que como uma opção estética?
O salmão também nada contra a corrente e você vê o que ele vira, né? Temaki na barriga dos playboys.

O preço dessa independência vale a pena ser pago?
Eu durmo tranquilo. É lógico, depois de tomar meia dúzia de ansiolíticos e analgésicos controlados.

O senhor criou um canal no YouTube antes de ser moda (Com a palavra, Ronald Rios). E trouxe o formato do John Oliver antes do Gregório Duviviver lançar seu "Greg News" ("A Semana", na Gazeta). Como avalia esse timing?
Cara, meu programa estava no ar há meses quando anunciaram que o Gregória ia fazer o Greg News. Eu sou um grande fã do formato de sátira de notícias. O Jon Stewart matava a pau no Daily Show. Norm McDonald e Tina Fey no SNL. É onde eu me encontro melhor. Mas fiquei feliz de ser ele que ia carregar a tocha do formato, por assim dizer. Imagina se metem um canalha lá?

Em termos de timing, acho que eu sei o que é bom, né? Eu sou criativo. Mas não quero pensar nas coisas que vieram depois iguais ao que eu já tinha feito. Porque aí bate a bad vibe do Roy Raymond de novo. E não queremos isso, queremos?

Suas energias estão bem voltadas ao rap atualmente, com um excelente programa sobre o tema no YouTube. O senhor parece confortável - e sobretudo feliz - com o alcance do RapCru. Ronald Rios virou um artista de nicho?
Não. Sei lá. As pessoas me perguntam quando eu volto a fazer humor. Eu não sei. Eu permaneço escrevendo. Faço coisas pros outros. Ghostwriting, roteiros, essas merdas. Mas a minha dedicação ao RapCru é porque a cultura Hip Hop precisa. Se a gente deixar na mão dos jornalistas de cultura dos cadernos dos principais jornais, estamos fodidos. Então precisa de alguém de dentro do bagulho para falar sobre o rap.

O sr está produzindo um documentário sobre a marca de roupas do Emicida, certo?
Eu não vou falar sobre esse doc até ser lançado. Foi uma chance muito feliz que o Emicida me deu de contar a história do desfile deles. Vocês viram o desfile, foi lindo demais. Eu gosto demais do que a Laboratório Fantasma trouxe para a música e para a moda. Gosto do jeito como trabalham, isso é a ênfase da minha visão sobre eles. Eu nunca vi um lugar onde tanta gente trabalhasse com tanto amor e vontade.

O senhor tem uma capacidade impressionante para se reinventar. Qual é a próxima evolução desse Pokemón vistoso chamado Ronald Rios?
Eu penso diariamente em mudar minha identidade para fugir do Bradesco e da Receita Federal.