Opinião: "Guardiões da Galáxia Vol. 2" não passa de um filme dos Trapalhões
Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail
O cinéfilo mais atento provavelmente percebeu que as paródias de blockbusters não são mais produzidas com a mesma frequência de outrora. O sumiço deixa desassistidos alguns astros do quilate de Charlie Sheen, Anna Faris e toda a família Wayans. Mas o público ávido por esse curioso tipo de entretenimento continua com alternativas.
Já faz algum tempo que os grandes lançamentos dos estúdios abraçaram de vez o cinismo antes relegado às versões satíricas. É impossível levar a sério Robert Downey Jr como o maior astro de ação da atualidade, assim como é surreal pensar que Dominic Toretto e seus amigos protagonizaram 8 filmes e absolutamente nenhum foi lançado direto em DVD - muito pelo contrário, a série só fica mais popular.
Estamos todos loucos? Perdemos a noção do ridículo? Provavelmente sim. Mas meu ponto é outro. Hollywood é uma casa de apostas extremamente caras, e os filmes arrasa-quarteirão tiveram que mudar para conseguir agradar ainda mais gente de maneira concomitante.
Da mesma forma que o público paga por um combo que reúna pipoca e refrigerante em doses abissais, espera-se que seus parcos investimentos no entretenimento acabem por englobar um pouco de romance, drama, suspense, ação, aventura e comédia em sessões que costumam flutuar entre 100 e 160 minutos.
A Marvel é quem tem conseguido concatenar melhor todas as variáveis, criando filmes que são cretinos na medida certa para ninguém levá-los a sério, ao mesmo tempo em que evitam descambar para o escracho total.
"Guardiões da Galáxia Vol. 2" é o epítome dessa tendência. Ao mesmo tempo em que não passa de uma palhaçada muito da sem vergonha, consegue ser de alguma forma comovente e muito bem executado. É como se "Os Trapalhões na Guerra dos Planetas" tivesse um orçamento digno da franquia Star Wars.
Inclusive chega a ser curioso notar que a estrutura do filme obedece a algumas regras cravadas em pedra pela longa jornada dos Trapalhões nos cinemas, especialmente nos clássicos dos anos 70 e 80.
As saudosas películas tinham sua origem na paródia, mas desenrolavam-se com uma verve muito própria. Nunca foram subprodutos: eram pós-produtos. Mas ainda assim, quanta besteira acabávamos assistindo.
O gabarito dos Trapalhões é facilmente aplicável à franquia espacial da Marvel.
Peter Quill é Conrado
O galã meio abobalhado que usufrui de certo romance com a mocinha do filme e é usado como chamariz hormonal para as plateias mais impressionáveis. Nesse caso, ainda tem o agravante da conexão de ambos com o universo musical dos anos 80.
Comprove: veja "Os Trapalhões na Terra dos Monstros" (1989)
Didi Mocó é Rocky
O célebre Doutor Renato faz parte do panteão do cinema nacional graças ao tipo que construiu também em anos de labuta televisiva: o espertalhão que vive armando para cima dos outros. Mais ou menos como o guaxinim da colorida distopia hollywoodiana.
Baby Groot é Zacarias
A câmera era apaixonada pelo envolvente estrabismo circense de Zacarias. Sempre que o trapalhão dava suas gostosas risadas, normalmente enquanto se engalfinhava com algum outro colega, o efeito era muito similar à catarse que ocorre quando avistamos Groot em sua versão neném nos cinemas.
Nebulosa é Jorge Laffond
Apesar de ser mais lembrado pelo papel de Vera Verão na Praça é Nossa, Laffond deu vida a um pragmático personagem que em muito lembra a irmã raivosa de Gamora. O grande nêmesis do Sargento Pincel na escolinha do exército dos Trapalhões respondia a quase tudo com um sonoro “Não sei”, como se fosse o mais indignado rebento de Thanos.
Drax é Sargento Pincel
Roberto Guilherme equilibrou como nenhum outro ator altas doses de truculência com uma irresistível doçura. Virou um ponto de referência para papéis como o de Drax, assim como Al Pacino está para os desequilibrados mentais e Murilo Benício para os fanhos.
Gamora é Angélica
A futura primeira dama passou a ser convocada como interesse romântico dos filmes quando começou a ficar esquisito Didi Mocó se enveredando pelas digressões de Xuxa Meneghel.
Mantis é Mussum
O grupo Os Trapalhões sempre se caracterizou por atuações baseadas na fluidez de gênero. Não chegava a ser uma raridade ver Mussum fantasiado de mulher. E o nome é Mantis, cacildis!
Ego é Dedé Santana
Dedé se especializou em personagens importantes para a trama, mas sem muito apelo particular. Era uma espécie de Carlos Alberto de Nóbrega que não tinha onde sentar. Certamente o trapalhão mais fácil de odiar, assim como Kurt Russell vivendo um planeta que usa cavanhaque.
Yondu é Tião Macalé
Augusto Temístocles da Silva Costa era certamente o mais atormentado dos integrantes da trupe. Apesar de ser sistematicamente confrontado pelo absurdo, costumava atacar de volta com o mantra “Ih! Nojento! Tchan!”. Relação parecida de Yondu com as vicissitudes da vida, que assobiava para flechar os manés enquanto escondia para si mesmo a bondade em seu coração.
***
Como se todas essas evidências já não fossem o suficiente para acreditarmos que os burocratas da Disney estão tirando proveito da estrutura laureada pela Renato Aragão Produções Artísticas, a trilha sonora do filme mais uma vez é composta por hits da época do Sullivan & Massadas.
Com pouca verba e decisões criativas para lá de mambembes, Os Trapalhões fizeram fama e fortuna ao rir das nababescas produções de Hollywood. É notável que agora o típico blockbuster seja obrigado a rir de si mesmo - provavelmente de nervoso.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.