Eu teria a honra de dividir o palco com Ayelet Gundar-Goshen, a atração internacional do Primeiro Festival de Literatura do Museu Judaico, que aconteceu semana passada em São Paulo. Eu já havia resenhado seu último romance, "Outro Lugar" (Todavia), que gravita ao redor da reflexão: uma mãe costuma...
É provável que você já tenha sentido vontade de se vingar de alguém que te fez sofrer por amor, ainda que possa não ter coragem de confessar. Ana, protagonista de "Com Todo o Meu Rancor", estreia de Bruna Maia no romance, não apenas confessa seus desejos, mas coloca em prática um plano mirabolante...
Quase bati o carro. Eu circundava uma rotatória e um automóvel, vindo de uma das transversais, parou um instante antes de se chocar contra o meu. Buzinei, um calor me subiu pelo corpo, um misto de raiva e impotência quando a pessoa abriu a janela e gritou, também com raiva: a preferência é da...
De repente, descobri que meu nariz entortou. Talvez tenha sido a luz, o ângulo, não sei: era fim de tarde, eu estava prestes a entrar em uma live de quase duas horas e, no espelho do banheiro do estúdio de gravação, reparei numa assimetria considerável que, eu poderia jurar, nunca havia estado ali.
Eu a vejo e meu corpo é percorrido pelo contrário de um calafrio, porque é quente. Um reconhecimento imediato, a familiaridade que junta o presente com o passado, mesmo um passado que nunca existiu, pois é a primeira vez que tenho Helena Taliberti diante de mim. Sua beleza salta, chega antes dela,...
Se você está lendo este texto, a luz provavelmente está funcionando na sua casa. Você nem sequer está pensando na corrente elétrica que entra pelos fios e faz funcionar internet, ventilador, portão, chuveiro e geladeira e da qual só percebe depender tanto quando falta.
No início era a febre. Uma febre alta, batendo os 39 graus, que não baixava, não baixava, que custava e custava a baixar. Um dia. Outro dia. Exame de dengue: positivo. E então, dias de medo e horror.
"Ninguém Quis Ver": a denúncia é o título da coletânea de poemas de Bruna Mitrano lançada recentemente pela Companhia das Letras. Ninguém quis ver, mas ela mostra. Seus versos se embrenham para o lugar de onde os olhos do mundo desviam: para a periferia, para a neurodivergência, para o abuso, a...
Pela primeira vez uso maiúsculas, desde que comecei a escrever colunas: HÁ UM GENOCÍDIO EM CURSO EM GAZA. Mais de 29 mil pessoas foram mortas, muitas delas crianças, e outras milhares foram gravemente feridas. Eu não relativizo esse genocídio. Um cessar-fogo é urgente, prioritário, vou ser...
Ela está ali, na sua frente, fantasiada, provavelmente bêbada: a pessoa que sabe de boa parte dos seus segredos. Do vasto catálogo das possibilidades, três reações se apresentam a você: ostentar o seu melhor sorriso malandro e assim instaurar alguma cumplicidade carnavalesca; fingir normalidade;...
Um mundo só de mulheres já existe na ficção. Em "A Segunda Mãe", de Karin Hueck, lançado recentemente pela editora Todavia, os homens não participam do cotidiano. Mas trata-se de uma distopia, da invenção de um mundo estranho e bizarro, ainda que diga tanto sobre o nosso.
Eu, que sempre escrevo em silêncio, ou que prefiro escrever em silêncio mas escrevo como dá, opto por teclar estas palavras ouvindo repetidamente a versão instrumental de "P.I.M.P." nos fones de ouvido, enquanto meus filhos veem TV atrás de mim. Quem já viu o perturbador e magnético "Anatomia de...
"Parece que nós, seres humanos, estamos cada vez piores em lidar com a efemeridade da beleza física. Talvez seja porque vivemos numa economia capitalista, em que pensamos que tudo é — ou precisa ser — uma curva eternamente ascendente." Impossível não concordar com a socióloga e quadrinista sueca...