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Leda Catunda: "O sucesso dos anos 80 foi uma coisa muito precoce"

da Redação

TV UOL

Leda Catunda em seu ateliê, em São Paulo, fala com a TV UOL

Leda Catunda em seu ateliê, em São Paulo, fala com a TV UOL

A artista Leda Catunda, 42, que participou da 18ª e 22ª Bienais, exibe suas obras na mostra "Paralela", de 6 de outubro a 19 de novembro. Em depoimento ao UOL, a artista falou sobre essa inicativa de galerias e artistas de fazer uma mostra de arte contemporânea nacional durante a Bienal de São Paulo, e sobre sua carreira.

Catunda ficou conhecida em meados da década de 80, com o surgimento da chamada "Geração 80" de artistas plásticos. "Pra mim, esse sucesso dos anos 80 foi uma certa surpresa. Nós não tínhamos 30 anos, tínhamos 22, 23... Foi uma coisa muito precoce, né?", declarou.

Veja abaixo a íntegra do depoimento:


LEDA CATUNDA

As primeiras bienais
Eu sou paulista, nasci aqui em São Paulo, e os meus pais levavam a gente em todas as Bienais, todas! Eu fui desde pequena, não posso nem dizer qual foi à primeira. Mas eu lembrava, "ai! agora tem Bienal!". A gente era criança e tal, e ia e via aquelas paredes enormes com aqueles trabalhos.

Eu me lembro de uma coisa que era superimpactante para mim, que era arte cinética, que era feito pelo Danilo De Prette e o Palatinic, que os trabalhos mexiam. Você ficava olhando assim, e aí vinham umas luzinhas assim, o Danilo De Prette, parecia uma mágica.

E aquilo conferia tanto para mim com o conceito de arte moderna. Era uma arte que se mexia, eu acho que também vi trabalhos do Soto e do Cruz Dias. Agora eu nem sei localizar isso, eu sei porque depois que eu cresci e estudei eu reconheci, eu lembrava desses trabalhos nas Bienais de São Paulo.

Formação
Estudei Artes Plásticas na FAAP de 1980 a 1984. Comecei minha vida profissional ainda na faculdade, e --curioso com relação esta coisa da Bienal-- nosso professor de história da arte que era o Walter Zanini, que foi curador da Bienal de 1981 e 83.

E nós éramos aqueles estudantes ávidos para ajudar, então nessa época ainda de formação, também tive essa experiência de ir com o professor, para ver como estava sendo feita a montagem, ajudar comentar alguma coisa.

Tive uma participação assim superficial, mas esse contato com esse professor, que era um professor maravilhoso de história da arte, formado em Roma, em Paris, nas melhores escolas, com um contacto muito próximo com os artistas, e que na época também era o responsável pela montagem dessas duas Bienais.

17ª Bienal
Como nós estávamos na classe, a gente falava, aí professor, quem vai vir na Bienal, aí ele dizia mais ou menos o que cada delegação ia fazer e tal.

Eu me lembro que na Bienal de 83, a delegação dos Estados Unidos se recusou a vir, porque ao invés de separar as delegações em áreas, por países, esta é a área da Alemanha, esta é a área dos Estados Unidos e tal, o professor Zanini propôs uma montagem por analogia de linguagem, onde você ia botar um francês, perto de um russo, perto de um americano, dependendo como os trabalhos conversassem, e realmente a montagem ficou maravilhosa.

Mas a delegação americana se recusou e acabou promovendo uma exposição separada que aconteceu no NMBA do Rio de Janeiro, que se chamava "A Figura Heróica". Onde tinha artistas maravilhosos americanos, dos anos 80, que deveriam ter vindo pra Bienal e não vieram.

E aí o professor ficou sem ter quem colocar e nós falamos, têm aqueles grafiteiros: o Keith Hering, o Kenny Scharf, são os caras superalternativos que estão começando. Ele foi Nova York e convidou.
Quer dizer, eu agora tenho essa lembrança de que nós demos essa idéia, mas claro que ele tinha essa informação. Então vieram, de artistas americanos, só esses mais alternativos, nessa Bienal de 1983. E também nesta exposição, nós fizemos primeira participação num trabalho de arte e tecnologia que era um trabalho de videotexto.

Participação na 18ª Bienal
E depois a minha primeira participação já com pintura e instalação aconteceu em 1985, com a curadoria da Sheila Leiner.

Quando eu mandei um dossiê, porque a gente não se inscrevia, eles escolhiam artistas, mas a gente podia inscrever dossiês. Aí eu mandei um dossiê assim, muito "o meu melhor", incrementado, tudo personalizado assim. E aí a gente foi escolhido.

Eu digo a gente porque era eu, estava o Leonilson, estavam uns garotos da Casa Sete, que eram bem da mesma época, eles tinham outra formação que não era da FAAP, mas estavam já mostrando, também em São Paulo.

E aí tinha lá do Rio o Daniel Senise, eu acho que o Pisarro, o João Magalhães. Tinham vários artistas da Geração 80 que foram mostrados.
Até a Sheila Leiner fez aquela "Grande Tela" que foi bem polêmica, porque ela grudava as telas uma do lado da outra, tentando estabelecer o conceito de uma pintura contínua, mas os artistas se incomodavam com isso.

Nessa Bienal eu fiz uma instalação que era uma cachoeira de sete metros de altura, com muitos tecidos, que eu pintava umas bolhas, uns peixes, e depois de um lado tinha uma outra lagoa, um tipo de lagoa do Abaeté, e do outro lado tinha umas cortinas. Era uma instalação com três peças.

E aí, a experiência de estar na Bienal era incrível porque a gente ia montar, então do meu lado tinha um canadense, do outro lado tinha aquele francês, o Buren, o Daniel Buren, e eu não tinha martelo e o Daniel Buren tinha dois. Aí, eu ia lá, pegava, e ele ficava superbravo e tirava, aquele francês malvado, então essa convivência era muito engraçada, porque tinha os monitores.

Eu me lembro que tinha o Tadeu Chiarelli, que estava organizando a monitoria, então os monitores eram muitos colegas, gente que vinha da Faap, eu também era supernova em 1985, tinha 24 anos. Então, era muito amiga dos monitores, fiquei amiga dos artistas, essa hora de você "estar por dentro" era uma hora bem legal.

Geração 80
Nós expúnhamos o que foi sendo chamado geração 80, que era um grupo de artistas que começou a mostrar em São Paulo e no Rio de Janeiro, muito no Rio de Janeiro, porque o Rio de Janeiro estava num momento mais animado. Depois essas exposições foram indo para todos os lugares do Brasil, e junto começaram umas curadorias com artes brasileiras em vários outros países do mundo.

Então, muito rápido e muito cedo, o meu trabalho foi sendo mostrado em muitos lugares. E, mais ou menos, eu tenho mantido uma freqüência regular na minha produção, e agora já faz uns 23 anos que eu exponho, e mantenho essas exposições, que acontecem em São Paulo, em instituições e galerias, e também em museus e galerias fora do Brasil.

Quer dizer, me mantenho ativa, eu digo isso porque, quando a gente se forma, e mesmo na Geração 80, nós éramos um monte de artistas e muitos foram fazer outras coisas. Porque acho que a vida de artista... Eu considero (mesmo você estudando um cara como o Volpi ou artistas que trabalharam por muito tempo) que você só sedimenta um depoimento mais firme, ou importante, depois de décadas trabalhando. Por isso, pra mim, esse sucesso dos anos 1980 foi uma certa surpresa, nós não tínhamos 30 anos, tínhamos, 22, 23... Foi uma coisa muito precoce, né?

As Bienais dos anos 90
Era uma época bem eufórica essas Bienais dos anos 1980. Acho que até a de 1989, foi bem bacana. Na de 1991, já teve uma crise e acho que a dos anos 1990 foram um pouco irregulares.

Eu estava de novo na Bienal de 1994, curadoria do Aguilar, do Nelson Aguilar e a arquitetura era do Ronald Cavalieri --que ele pintou todas as paredes de verde, de azul, era uma Bienal toda colorida. E era a Bienal da "desmaterialização", eu tenho esses temas, e aí eu tinha umas moscas que eu tinha feito com uns volumes.

Eu acho que não era tão animada como as dos anos 1980, que era uma coisa muito eufórica. Eu acho que em todos os lugares do mundo, os circuitos artísticos estavam bombando, sabe?

Já talvez a presença das galerias fosse mais forte, tinha um interesse comercial, acho que sempre houve, mas isso foi se exacerbando da metade da década de 1990 para cá. "Que artista de qual galeria que está", sabe?

Principalmente o Marco Antonio Villaça, que era uma galeria com que eu trabalhava, ele ficava muito empenhado em que seus artistas estivessem na escolha da Bienal, embora eu ache que a escolha do curador é independente, mas enfim...

Hoje você sente uma organização das galerias muito presente em torno da Bienal de São Paulo. Então, já faz três edições que a gente tem a "Paralela", que é uma grande exposição, que eu acho que é bem legal também, que dá pra mostrar outros artistas. Porque a Bienal não pode escolher todos os brasileiros, todos os anos, e nem ninguém quer isso. Você estar na Bienal todo ano é um verdadeiro castigo.

Não estar na Bienal
Eu acho que em parte é mais tranqüilo, porque eu acho que quando você está na Bienal, você fica quase um ano, assim, com uma apreensão, porque você tem que acertar naquela sala que você tem que montar, você tem que criar uma síntese, a sala tem que funcionar, o trabalho tem que ser o seu melhor, existe uma leve pressão do curador, pressão dos seus próprios colegas te perguntando, "o que você vai mostrar?", "só isso?" (risos)...

Dá uma insegurança, e você não estar (na Bienal) ao mesmo tempo estando em São Paulo, sempre sobra certa onda de pressão, "o que você está fazendo?".

Nesse caso, este ano eu vou mostrar numa época em que a Bienal vai estar aberta, em novembro. Muitas delegações que vêm para a Bienal pedem para visitar ao atelier.

A Jac Leiner dizia sempre para mim que era difícil você morar numa cidade que tinha em cada dois anos um movimento como a Bienal. Porque fica sempre numa pressão. Ao mesmo tempo, tem um lado positivo, que eu acho que é uma integração com a arte do mundo, de outros países, outros artistas, outras visões.

As influências da Bienal
A Bienal contribuiu para a formação de uma idéia do que seria a arte moderna ou contemporânea. Eu imagino que tudo o que eu faço é um pouco uma resposta a esse conhecimento que eu tive graças à Bienal.

Até eu fazer 20, 20 e poucos anos, eu não tinha viajado para lugar nenhum. Eu não tinha visto nenhum outro acervo além do Masp e do MAC, então a Bienal era o grande momento com artistas vivos. E teve uma Bienal de 1983, eu acho, em que veio aquele francês, o Claude Viallat, que fazia umas pinturas em tecido. Na verdade eram umas barracas, dessas barracas de acampar, e ele abria a barraca inteira e criava uma estampa em cima da barraca. Ou então ele pegava um balão e abria e pintava. Ele pintava objetos moles, e aquilo ficava instalado.

A arquitetura dessa Bienal era do Jorge Carvajal, era uma Bienal bem aberta, foi a primeira por analogia de linguagens. E esse trabalho do Claude Viallat foi para mim superarrebatador, e eu acho que sim, que muita coisa que eu vi lá eu me influenciei, eu usei também no meu trabalho.

Dinheiros para a arte
Eu acho que às vezes a Bienal serve também para você botar o seu trabalho em choque, porque... Isso eu também falo, eu sou professora, eu falo para os alunos.

Se você vai num lugar, e você vê um trabalho que é tão legal, tão incrível, que ele é melhor do que o seu, então, na verdade... o seu tem que ser sempre o melhor para você, por isso você está fazendo uma coisa, você está buscando um ideal, e aí eu acho que a Bienal é desafiadora, nesse sentido.

Porque às vezes você vê trabalhos tão impactantes e você pensa, puxa, é uma coisa egomaníaca, que acho que todo artista plástico tem, mas você sempre relaciona aquilo com o seu trabalho, e acho que é um exercício saudável e sem o qual você não é capaz de contemporaneizar a sua obra, entendeu?

A sua obra pode estar fechada num quartinho. E esse embate que a Bienal oferece, ele é importante na formação de todo artista, principalmente de um artista que não tem o acesso que esses artistas do primeiro mundo têm.

Você quer ver uma exposição do Picasso, você vai lá na Tate Modern. É uma coisa que você, sendo artista, tendo um pouco mais de experiência, você precisa ser muito ingênuo para não perceber: que a arte está ligada à elite, e a elite está ligada ao poder econômico, e ele pode ser um pouco mais legal, um pouco mais ilegal, e sempre esteve, e em todos os países, e não só as artes plásticas.

Toda essa produção cultural mais sofisticada, ela tem necessidade de uma produção mais violenta de dinheiro, e você acaba tendo esses problemas éticos.

O que surgiu e é bem legal de ver são artistas como Hans Hack, que é até um tormento quando a Bienal convida esse artista. Ele vai imediatamente em cima do patrocinador da própria Bienal e acha todos os problemas ambientais, éticos, processos, funcionários insatisfeitos e cria um trabalho de denúncia sobre o próprio patrocinador. E (esse trabalho) vai ficar na porta: junto com o anúncio do patrocinador, tem o trabalho desse artista.

Ele inaugurou essa atitude, que é uma atitude denunciadora de uma situação que as pessoas mais ou menos conhecem.

O fim da história da arte
E hoje eu acho que esse emaranhado é bem complexo. Têm algumas pessoas que escrevem sobre isso, eu até estou lendo agora um que se chama "O Fim da História da Arte", de um cara que chama Belting, e que fala um pouco da existência dessas curadorias que não são necessariamente de arte, como essas da "Mostra do Redescobrimento".

É ótimo, porque é cultura, mas não é mais artes plásticas. Porque então você tem também a arte indígena, ou então a arte barroca, uma coisa toda ligada a uma linha de história.

Claro que vai dar em arte moderna, em arte contemporânea, está tudo meio junto, mas são outros objetivos, você vai formar um outro tipo de público, com esse tipo de exposição, que é um tipo de exposição de cultura variada em geral, então, a "História do Brinquedo", claro é cultura, mas também não é arte contemporânea.

Você abre essas exposições e há um enorme interesse. As pessoas têm interesse, as pessoas querem participar. Mesmo essas filas que você tem agora na própria Bienal de São Paulo, são as filas dos participantes, das pessoas que querem participar. "Olha, eu estive lá, eu comprei a caneca da Bienal". (ri)