Petra Costa

Diretora indicada ao Oscar por Democracia em Vertigem reconta trajetória e diz não acreditar em imparcialidade

Beatriz Amendola Do UOL, em São Paulo

Petra Costa se tornou a cineasta mais falada do Brasil desde que viu seu "Democracia em Vertigem", documentário sobre as circunstâncias que levaram ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, ser indicado ao Oscar. Único representante brasileiro a competir na 92ª edição do maior prêmio do cinema, que acontece neste domingo, o filme mescla a História do Brasil com a história pessoal da diretora que, aos 36 anos, tem quase a mesma idade da democracia do país. "Achei que estávamos amadurecendo juntas", diz ela, direto dos Estados Unidos, onde deu uma pausa em sua apertada rotina pré-Oscar para conversar por telefone com a reportagem do UOL.

Em entrevista exclusiva, Petra Costa fala sobre seu início no cinema, a ligação íntima com seus filmes e a importância da representatividade de diretoras mulheres (e latino-americanas) nas premiações de Hollywood. A conversa aconteceu antes de a diretora ser alvo de ataque por parte da Secom (Secretaria de Comunicação da Presidência da República), que a acusou de "arruinar a imagem do país".

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Da atuação à direção

Petra deu seus primeiros passos no meio artístico pela atuação: começou a fazer aulas de teatro com 14 anos e chegou a cursar dois anos de artes cênicas na USP (Universidade de São Paulo). Sentindo que a atuação, por si, não lhe permitiria falar do Brasil e do mundo como gostaria, Petra foi estudar antropologia na Barnard College, instituição da prestigiada Universidade de Columbia, em Nova York —e foi lá onde se encantou com a câmera, que se tornou sua companheira em pesquisas de campo.

"A gente visitava diferentes cidades nos Estados Unidos para fazer pesquisas sobre a segregação, tensões raciais e sociais, e a câmera me permitia entrar na vida nas pessoas que eu nem conhecia. Eu me apaixonei por isso e, assim, pelo documentário", lembra. Foi nesse período, ainda, em que teve contato com as obras de Agnes Vardà (1928-2019) e Chris Marker (1921-2012), dois expoentes da Nouvelle Vague francesa que acabaram se tornando grandes influências em seu trabalho.

Ainda incerta sobre os rumos que queria dar a sua carreira, Petra foi a Londres para fazer mestrado, e optou por abordar o conceito de trauma, que permearia todo seu trabalho. "Todos os meus filmes são, de certa forma, sobre a questão do trauma, seja um trauma íntimo ou um trauma político, o trauma em todas as dimensões".

Com "Elena", documentário que marcou sua estreia nos longa-metragens em 2012, Petra revisitou um trauma familiar: a morte de sua irmã mais velha Elena, que se suicidou aos 20 anos, quando a cineasta tinha apenas sete. O filme, com tintas poéticas que pouco costumam ser vistas em documentários, recebeu prêmios e elogios dentro e fora do país, inclusive de veículos como o jornal The New York Times.

"A oligarquia brasileira tem sido inimiga da democracia"

Após se debruçar sobre as transformações da gravidez de uma atriz em seu segundo filme, "O Olmo e a Gaivota" (2015), Petra voltou a olhar para suas próprias vivências para construir "Democracia em Vertigem", produzido pela Netflix (que ainda disponibiliza os outros filmes de Petra em seu catálogo) um relato sobre a crise institucional que assola o país.

A cineasta, cujo nome foi uma homenagem a Pedro Pomar, fundador do PCdoB assassinado pela ditadura militar, trouxe para frente das câmeras a ligação de seus pais com a militância e, também, com uma das corporações mais poderosas do país: a construtora Andrade Gutierrez, uma das envolvidas nos esquemas revelados pela investigação Lava-Jato. Seu avô, Gabriel Donato de Andrade, é um dos fundadores da empresa.

Em uma cena simbólica do documentário, Petra revela o nome da construtora em duas placas do Palácio do Planalto: uma da gestão Lula, outra da gestão Collor. O legado familiar tornou a diretora alvo de críticas nas redes sociais, mas ela acredita ter sido importante colocar essa conexão na tela.

Eu falo muito claramente sobre como meu avô fundou a Andrade Gutierrez com dois sócios, como a empresa fez parte do esquema que foi descoberto pela Lava-Jato, as contradições que existem dentro disso. E acho que é uma coisa importante, que mais pessoas de famílias que fazem parte da formação oligárquica brasileira passem a falar sobre isso e a fazer críticas sobre o quanto a oligarquia brasileira tem sido repetidamente inimiga da democracia brasileira em tantos momentos da nossa História. É uma autocrítica que o Brasil precisa fazer.

Política sempre foi um tema discutido abertamente na família de Petra, especialmente por sua mãe, Marília. "Ela contava em detalhes como foi que saiu de casa, entrou na militância e passou uns anos em Londrina; como quase foi para a guerrilha do Araguaia, e não foi porque viram a barriga dela, de grávida da minha irmã", recorda. E foi também ao lado da mãe que a cineasta construiu muitas de suas memórias políticas.

"A luta para restabelecer a democracia foi algo que eu vibrei muito com ela. Apesar de ser pequena, eu lembro com detalhes da eleição de 1989, a primeira depois de mais de 20 anos que o Brasil não votava. Então eu senti muito isso. Fui crescendo com a democracia brasileira e achei que estávamos amadurecendo juntas".

Imparcialidade existe?

Petra diz não ter dificuldades em expor suas próprias vivências na tela. "Na verdade, eu gosto muito da ideia de que o que eu tenho a dar sou eu mesma", completa, antes de explicar que essa percepção também vem de sua formação: "Há uma visão da antropologia de sempre o observador se colocar, colocar as próprias rachaduras, mostrar a imperfeição do próprio olhar e é isso que eu busco fazer em todos os meus filmes."

A imparcialidade, acredita, "é impossível" —e por isso ela quis trazer o ponto de vista do qual partiu para fazer "Democracia em Vertigem".

Você sempre vai ter o seu olhar sobre aqueles fatos que vão se expressar, seja através da forma como você editou, de onde você colocou a câmera... Eu busquei ser o mais explícita possível sobre como se construiu esse olhar, porque nesses últimos anos a polarização política no Brasil se aguçou tanto que virou um campo de batalha, um campo de guerra. Então para mim era muito importante mostrar como as minhas impressões sobre esses passos se construíram, de onde eu estava partindo para chegar a essas conclusões.

O resultado, apesar de ter despertado controvérsias, foi considerado positivo por Petra. "Foi muito bonito, porque eu vi várias pessoas responderem que através disso ela sentiram uma certa empatia por visões que elas não necessariamente concordavam", afirma.

Oscar e representatividade

Em meio à antecipação para o Oscar, Petra tem frequentado eventos da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, como o tradicional almoço dos indicados. No evento, ela se reuniu com astros como Brad Pitt e Robert De Niro —tudo acompanhada da líder indígena Sonia Guajajara, que escolheu levar como sua convidada de honra.

"Foi incrível, porque ela pôde encontrar e conhecer o Leonardo DiCaprio, que tem ajudado com as fundações das quais ela faz parte", conta, se divertindo ao lembrar que os três notaram a coincidência de já terem sido alvos do governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

"Foi até engraçado, porque ele falou que tinha sido atacado pelo governo brasileiro, ela também, eu também. Todos tínhamos isso em comum".

A cineasta é uma das quatro mulheres diretoras que concorrem na categoria de documentário —uma diferença gritante em relação à categoria de melhor direção, que (mais uma vez) indicou apenas homens.

Para Petra, essa diferença reflete o que acontece no mercado cinematográfico. "Historicamente, no documentário há muito mais mulheres diretoras do que nos filmes de ficção, e acho que isso tem a ver com o fato de que você não precisa depender de produtores e distribuidores que são homens brancos te chamarem para fazer os filmes. Você pega uma câmera, começa a fazer e tenta vender".

Isso, crê, se reflete na Academia, onde cada categoria profissional vota nos seus pares. Atores votam em atores, editores em editores, e assim por diante. "Acho que isso mostra que o braço de documentários da Academia é o braço da vanguarda, espero que as outras alas da Academia se recuperem de seu atraso".

Questionada sobre seus próximos projetos, Petra ressalta que está concentrada no fim da temporada de premiações. "Estou trabalhando em algumas coisas, mas por enquanto eu quero focar bastante nesses últimos passos do lançamento". Caso "Democracia em Vertigem" vença, será o primeiro Oscar do Brasil na categoria.

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