Minha vida é um reality show

Como Dani Russo saiu da periferia, virou youtuber milionária e quer conquistar o mundo, mesmo sem se planejar

Leonardo Rodrigues do UOL, em São Paulo Keiny Andrade/UOL

Dani Russo, 22, está agitada. Nos momentos que antecedem a entrevista, com uma câmera a tiracolo e outra girando ao seu redor, a youtuber funkeira grava mais um vídeo para sua nova série de vlogs. Desde a chegada à Kondzilla Filmes, onde a conversa acontece, até o fim da sessão de fotos, cada passo é registrado detalhadamente por ela e dois assistentes. O pique frenético e o sorriso no rosto são combustível dos vídeos, em que ela se abre e fala como se estivesse diante de um diário. A vida de Dani é um reality show 24 horas no ar. E ela pretende transmiti-lo por muito tempo.

"Se eu ficar muito tempo sentada aqui, eu durmo", brinca a funkeira e youtuber com a reportagem do UOL, enquanto posa para as primeiras fotos. Espontânea até o último fio de cabelo tingido. Mesmo assim, Dani travou. Foi preciso puxar papo e colocar trilha sonora de funk para ela se soltar. "Eu sou assim mesmo. Moleca. Sempre andei com meninos. Depois que vou conhecendo a pessoa, me solto. Vocês vão ver", diz Dani, que se mostra igualmente hiperativa e curiosa, a ponto de pedir dicas para o repórter fotográfico do UOL, Keiny Andrade, para melhorar a qualidade de seus vídeos, que às vezes estouram a luz.

Nem parece que estamos diante uma estrela. Dani tem 11 milhões de inscritos no YouTube, faz shows lotados e grava vídeos musicais que passam de 100 milhões de views, produzidos pela Kondzilla. Seu próximo lançamento será a primeira parceria internacional, com o americano Nicky Jam, que participará da versão brasileira do hit "X", que ela mesma escreveu. Sem fazer planos, Dani come por duas beiradas. "Entrei no funk de cabeça, com meu canal estourado, porque é o que gosto de fazer. Cnstruí meu espaço e aprendi com isso. Agora vou focar nos dois, na música e nos vídeos. No fim de semana, faço showa. Em dias de semana, gravo vídeos. Não quero escolher", adianta ela, cuja exposição pessoal é mais que uma escolha. É um meio de vida.

Keiny Andrade/UOL
Keiny Andrade/UOL

De repente, rica

Nascida na Brasilândia, zona norte de São Paulo, Dani cresceu em Itaquaquecetuba e começou a publicar vídeos em 2015, aos 16 anos, época em que estudava e trabalhava como jovem aprendiz na Secretaria de Educação de São Paulo. "Eu ficava numa salinha na frente do computador e às vezes não tinha nada para fazer. Tinha um iPhone. Colocava o celular apoiado e começava a trocar ideia com a galera, falando sobre como foi meu dia. Muita gente começou a se identificar com o que eu falava", explica Dani.

O jeito descrito por ela como "maloqueira" pegou, Com vídeos sobre sua vida, seus gostos, sua brincadeiras —alguns de puro besteirol, como o famoso tutorial de como dar a sarrada perfeita—, ela cresceu falando o idioma dos adolescentes.

Não é normal uma menina aparecer assim como eu, na internet. Quando aparece, é sempre uma patricinha, blogueirinha. Quando chega alguém da 'maloca' como eu, muita gente diferente consegue curtir

O milagre da multiplicação dos views fez o dinheiro começar entrar na casa dos cinco dígitos. Foi quando ela precisou fazer uma escolha que ainda hoje compromete sua relação com o pai, um fisioterapeuta: abandonar o curso de Enfermagem. "Eu ia colocar agulha no paciente, e a pessoa me reconhecia e começava a gritar. Levei muita bronca da minha chefe. O assédio ficou tão grande que tive que sair. Foi minha melhor escolha", lembra ela, que ainda sonha em estudar Direito e Marketing. "Direito, para ninguém mexer comigo [risos]. E marketing porque sempre gostei da área."

Keiny Andrade/UOL Keiny Andrade/UOL

Loucura por dinheiro

Empolgada, Dani conta que fãs adolescentes costumam fazer loucuras para conhecê-la. Sua casa e a da mãe já foram invadidas diversas vezes. "É sempre uma loucura, mas eu dou corda também", admite. Desde que ficou rica, ela também já aprontou das suas. No início do sucesso, que atribui ao próprio estilo despojado e falastrão, ela sacou R$ 100 mil em dinheiro vivo no banco para resolver a vida financeira da mãe, sua prioridade.

"Foi no meu primeiro ano depois da fama. Via muito dinheiro na minha conta. Não acreditava, porque antes eu não tinha nem para comer marmita! Vivi uma infância humilde, sem luxo. Mas minha mãe, que é divorciada, nunca deixou faltar comida na mesa." Ela então colocou mil notas de R$ 100 dentro de uma bolsinha, "igual filme". "A casa da minha mãe estava indo a leilão porque ela tinha dívidas e não tinha mais condições de pagar. Dei o dinheiro, ela se assustou, chorou. Estou reformando a casa dela agora."

Dani, que investiu parte do dinheiro que recebeu em uma franquia de extensão de cílios no bairro da Mooca, diz ter feito poucas loucuras pessoais: comprar uma Mercedes A 200 avaliada em mais de R$ 160 mil, que tingiu de dourado e depois de preto "tipo Batman", e uma luxuosa cobertura em São Paulo com piscina e decorada com LED. Tudo é compartilhado com os fãs. "Com 15 anos, sonhava ter minha casa, carro, minha galera. Já conquistei o que queria. Não faço planos. Quero só continuar vivendo", diz a youtuber, que delega toda a gestão profissional à irmã. "Nem sei quanto tenho no banco."

Quero ganhar dinheiro para poder dar uma vida muito 'top' pro meu filho. Quero ser mãe daqui a uns oito, dez anos. Quero que ele consiga ter tudo que eu não tive

Dani Russo

Keiny Andrade/UOL Keiny Andrade/UOL

Como virei funkeira

Dani Russo entrou na música em 2016, com apoio do amigo Kevinho e por intermédio do empresário Marcelo Portuga, que deixou a produtora GR6 Eventos para se unir em sociedade com Konrad Dantas, o Kondzilla, Dani foi a reboque. "Fazer música era um sonho que eu tinha. Fiz uma playlist, e a galera gostou. Sempre fui muito fã de funk, principalmente dos mais pesadões", diz ela, que começou na "vida loka".

Fiz vários shows sem saber cantar. Sem aula de canto. Nada. Depois que a Kondzilla veio dando o suporte. Fiz aula de teclado, violão. Estou me especializando e melhorando em cada coisa que posso.

Quando percebeu que a música era um caminho sem volta? Em março de 2018, quando se apresentou pela primeira vez em Portugal, ao lado de Kevinho. "Era minha primeira viagem internacional. Entrei no palco e vi aquela galera. Coliseu de Lisboa lotado. Pensei: 'Meu Deus, o que está acontecendo?'. Até me ajoelhei para agradecer. Prometi que a partir daquele dia faria o impossível para minha música chegar no resto do mundo."

Uma inspiração: Anitta. "Mais a pessoa que ela é, sabe? No peito que ela tem de fazer o quer, do jeito que quer."

Keiny Andrade/UOL Keiny Andrade/UOL

'Não é dinheiro que faz a pessoa feliz'

No fim do ano passado, Dani se tornou mais uma estrela jovem do entretenimento a tirar o esqueleto da depressão do armário. Em meio à rotina de shows, gravações e outros compromissos, ela admitiu sofrer da doença e surpreendeu seguidores escrevendo que leva "a vida sorrindo, embora me custe lágrimas". A crise teve início depois de se afastar de amigos e familiares. Diagnosticada com depressão leve, ela vem se recuperando com ajuda de psicólogo.

Comecei a ficar desmotivada. Acordava de manhã sem sono. Triste. Chorando sem motivo. E estava tudo certo na minha vida. Carro importado na garagem. Dinheiro na conta. Música estourando. Fã, seguidor. Só que não é isso que faz uma pessoa feliz, né? Eu me perdi um pouco nos meus pensamentos e senti que estava ficando muito distante.

Antes de começar a se entender e a se colocar em seu lugar, Dani, como costuma fazer com tudo o que vive, compartilhou a pior crise com milhões de pessoas em uma live no Instagram. "Não tenho nada para esconder. Estava sozinha em casa, sentada no chão, tremendo. Aí comecei a falar com meu fã-clube. Uma fã entrou e veio me acalmar dizendo que eu deveria respirar. Ela me ajudou muito."

Não precisei tomar medicação, graça a Deus. Sei que isso acontece com outras pessoas. Conversar [...] foi o que me salvou

Dani Russo sobre depressão

Keiny Andrade/UOL Keiny Andrade/UOL

Pavio curto e polêmicas

Faça o teste no seu navegador: digite "Dani Russo" e "polêmica" na busca e perceba que a cantora e youtuber não é uma pessoa comumente descrita como de "gênio fácil". "Eu sou da maloqueiragem. Sou de um tipo de galera que não aceita nada. Dessas pessoas que, quando alguém diz algo sobre ela, respondem 'mas o que você falou?!'. Mas acho eu já mudei muito. Hoje sou mais de boa. É a maturidade, a responsabilidade de ter uma vida de adulta."

Dani já brigou ou trocou farpas com inúmeras personalidades da música e, principalmente, do YouTube, entre elas MC G15, Carlos Santana, Felipe Neto, Felipe Escudero...

Tem gente que quer discutir comigo só para levantar uma polêmica. Tem gente que simplesmente não batem as ideias. Eu discuto, mas nunca fui de atacar. A galera que vive atrás de mim. Eu estou na minha e começam a falar de mim. E eu não abaixo a cabeça também.

Em uma das polêmicas mais recentes, ela foi acusada pelo youtuber Felipe Escudero de fazer propaganda de marcas de roupas falsificadas no Instagram. "Ele é tipo o fiscal da roupa de todo mundo. E ele sabe que meu nome tem engajamento. Eu não divulguei roupas falsificadas. Eu recebo, no meu camarim, na caixa postal, presentes de lojas, outlets, e agradeço. Só isso. Ele pegou meus Stories e disse que eu incentivava a pirataria. Jamais recebi dinheiro para fazer publicidade de loja que vende coisa falsa."

Keiny Andrade/UOL Keiny Andrade/UOL

Feminista 'sem faixa na cabeça'

Estrela da Kondzilla, atração do Carnaval, de festivais, Dani Russo é uma das raras mulheres a ganhar projeção dentro da cena do funk paulista, dominada por MCs e DJs masculinos. Sabendo disso, ela se recusa a usar a "faixa" do feminismo na cabeça, embora se enxergue, sim, como símbolo da representatividade. Para ela, as mulheres precisam andar juntas para alcançar o sucesso e tudo mais que venham a desejar.

"Quero incentivar outras a seguir seus sonhos. Sou mulher e estou fazendo e conseguindo o que quero. Quero despertar esse sentimento nas meninas", ressalta.

Funk ainda tem muito homem, muita coisa machista. Às vezes vejo uma letra e penso: 'Meu Deus do céu! Imagina se fosse uma mulher cantando? Mas fazer o quê? A gente aceita e curte a música, que é a principal razão do funk

Durante a sessão de fotos, Dani chegou a ensaiar uma pose fazendo arminha com os dedos, mas logo desistiu. "Isso é muito Bolsonaro, né?" Falar de política não é com ela, mesmo com a pressão de certos seguidores. "Eu queria dar opiniões. Mas eu não falo de política porque não sei muita coisa. Então prefiro ficar quieta na minha. Não estudo sobre isso. Não posso falar que é isso ou aquilo. Quem sabe no futuro eu entenda melhor e comece a me sentir diferente."

Leia também:

Júlia Rodrigues/Divulgação

Rap paz e amor

Emicida tem um sonho: acalmar os ânimos do cidadão comum com seu novo disco

Ler mais
Divulgação

Estranho Mundo de Zé

Das unhas folclóricas à genialidade nos filmes de terror: Zé do Caixão fez história no cinema e na TV

Ler mais
Simon Plestenjak/UOL

Escola de dublês

Como aprender a fazer cenas perigosas em uma escola para dublês

Topo