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OBITUÁRIO-Niemeyer, mestre da arquitetura poética

 Clarissa Cavalheiro / Reuters
Imagem: Clarissa Cavalheiro / Reuters

06/12/2012 00h01

RIO DE JANEIRO, 6 Dez (Reuters) - Oscar Niemeyer imaginou e desenhou grandes marcos da arquitetura mundial seguindo os passos de sua poesia própria, as curvas tropicais do Rio de Janeiro e a ideologia comunista. Lúcido até os últimos dias com 104 anos, planejava levar adiante seus projetos, depois de deixar um legado de centenas de obras distribuídas por todo o mundo.

Os traços leves e certeiros traduziram sua maneira moderna, inovadora e ousada de enxergar o mundo em mais de 70 anos debruçados sobre sua arte. Nem mesmo o centenário o afastou das pranchetas. O complexo arquitetônico Caminho de Niemeyer, em Niterói, projetado e assinado por ele, ainda está em construção.

Em sua mais conhecida construção de palavras, ele revelou sua base de inspiração ao descrever que "não é o ângulo reto que me atrai, nem a linha reta, dura, inflexível, criada pelo homem. O que me atrai é a curva livre e sensual, a curva que encontro nas montanhas do meu país, no curso sinuoso dos seus rios, nas ondas do mar, no corpo da mulher preferida".

O arquiteto carioca, nascido em 15 de dezembro de 1907, ficou famoso por projetos que se tornaram cartão-postal de Belo Horizonte, no bairro da Pampulha, nos anos 1940, e de Brasília, dez anos mais tarde, com a construção da nova capital federal.

De olho nas formas barrocas do Brasil colonial e contra a postura rígida do Estilo Internacional, escola do pós-guerra, Niemeyer perseguiu uma arquitetura orgânica, aliada às formas da natureza, tomando a dianteira do modernismo brasileiro.

Niemeyer formou-se engenheiro arquiteto no Rio, em 1934. Trabalhou de graça nos anos seguintes no escritório de Lúcio Costa e Carlos Leão, participando dos estudos para a construção da sede do Ministério da Educação e Saúde no Rio, conhecido com Palácio Capanema e considerado o primeiro monumento do modernismo na América Latina.

Foi nessa época que travou contato com o arquiteto franco-suíço Le Corbusier (1887-1965), pensador revolucionário que exerceu grande influência nos artistas brasileiros durante suas visitas ao país.

No escritório de Lúcio Costa, Niemeyer também teve oportunidade de trabalhar em 1939 no Pavilhão do Brasil na Feira Mundial de Nova York, primeira amostra ao público internacional da nova arquitetura que vinha sendo feita nos trópicos.

Anos mais tarde, em 1947, Niemeyer voltaria à mesma cidade para projetar com um grupo de arquitetos renomados, incluindo Le Corbusier, a sede da Organização das Nações Unidas (ONU).

Considerado como um dos artistas brasileiros mais reconhecidos no exterior, recebeu o prêmio Pritzker de Arquitetura em 1987 e o Leão de Ouro da Bienal de Arquitetura de Veneza em 1996, entre muitos outros.

Niemeyer, que sempre afirmou seu voto a Luiz Inácio Lula da Silva (PT), se considerava um comunista e foi até o fim da vida um eterno defensor e amigo do líder cubano Fidel Castro, homenageado aos 80 anos com a Plaza Niemeyer, no centro de Havana.

ARQUITETURA DA INVENÇÃO

Niemeyer descrevia seu estilo audaz como uma "arquitetura da invenção", com edifícios que parecem esculturas abstratas, cujas linhas surpreendentes influenciaram várias gerações de arquitetos.

O Parque Ibirapuera e o edifício Copan, ambos em São Paulo, do começo dos anos 1950, o Sambódromo do Rio (1983), o Museu de Arte Contemporânea de Niterói (1991) e o Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba (2003), são outros projetos que se transformaram em cartão-postal do Brasil.

Tais projetos foram importantes para a consagração do estilo livre e lírico do arquiteto, aliado a uma nova técnica do concreto armado, criando formas surrealistas, como um museu com cara de flor estilizada ou nave espacial (em Niterói) à beira-mar, ou no formato de um olho (Curitiba).

"A arquitetura não interessa, o que interessa é a vida", repetiu diversas vezes o arquiteto em entrevistas quando estava prestes a completar 100 anos, no seu escritório em uma cobertura de Copacabana, com uma vista larga do mar.

Entre as realizações no exterior, deixou sua marca em diversos países, a começar pela França, onde viveu na capital durante os anos 1960, na época da ditadura militar no Brasil.

Em território francês, projetou a sede do Partido Comunista Francês, do jornal L'Humanité, da Bolsa de Trabalho de Bobigny e o Centro Cultural Le Havre. Destaque também é o prédio da editora Mondadori, na Itália, projetos diversos na Argélia, o Museu de Arte Moderna de Caracas e a Universidade de Haifa, em Israel.

"SEGUI O BOM CAMINHO"

Nos últimos anos, o arquiteto começou a apresentar alguns problemas de saúde. Em 2006, ele passou 11 dias internado depois de sofrer uma queda e passar por uma cirurgia.

Em 11 de junho de 2009, Niemeyer foi levado ao hospital queixando-se de dores lombares. O arquiteto fez uma série de exames e voltou para casa horas mais tarde. Em 24 de setembro do mesmo ano, ele foi submetido a uma cirurgia para a retirada da vesícula depois de reclamar de dor no abdômen.

Em 30 de setembro do mesmo ano, Niemeyer voltou ao hospital e foi submetido a uma nova cirurgia, dessa vez, para a retirada de um tumor no intestino. Em abril de 2011, o arquiteto voltou a ficar internado por 12 dias por causa de uma infecção urinária.

Recuperado, ele chegou a visitar antes do Carnaval deste ano as obras do Sambódromo do Rio, que finalmente passou a ter o traçado original desenhado por ele há mais de 30 anos após a demolição de uma antiga cervejaria vizinha ao local.

Foram três internações em 2012. Em maio, um quadro de infecção respiratória e desidratação fez com que ele ficasse no hospital por mais de duas semanas. Em outubro, voltou a se sentir mal e ter nova desidratação, tendo alta 11 dias depois.

No começo de novembro, Niemeyer apresentou dificuldades para se alimentar e ingerir líquidos e foi internado novamente, desenvolvendo problemas renais, hemorragias digestivas e uma infecção respiratória.

O arquiteto morreu nesta quarta-feira às 21h55 no Hospital Samaritano, no Rio de Janeiro.

"O que vale é a vida inteira, cada minuto também, e acho que passei bem por ela ... Quando olho para trás, vejo que não fiz concessões e que segui o bom caminho. Isso é o que dá uma certa tranquilidade", disse a jornalistas durante homenagem em seu centenário.

Niemeyer foi casado por 76 anos com Annita Baldo, sua primeira mulher. Ele se casou com a segunda esposa, a assistente de muitos anos Vera Lúcia Cabreira, em 2006, aos 99 anos. Em junho, ele perdeu sua única filha, Anna Maria Niemeyer, que morreu aos 82 anos.