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Músico que deixou prisão no Rio cita racismo e medo: 'Quero justiça'

Do UOL, em São Paulo

06/09/2020 21h33

O músico Luiz Carlos Justino, 22, que deixou o presídio na manhã de hoje e vai cumprir prisão domiciliar, afirmou em entrevista ao "Fantástico" que sentiu medo nos dias em que permaneceu atrás das grades e quer justiça.

Ele foi detido na última quarta-feira (2), em Niterói, na região metropolitana do Rio, sob suspeita de participar de um assalto em 2017, o que é negado pela família e amigos.

Luiz Carlos deixou o presídio Tiago Teles, em São Gonçalo, cidade vizinha a Niterói, para onde foi transferido ontem, por volta do meio-dia.

"Foi nervosismo total, porque não sabia de nada. Estava no escuro. [Foi] Horrível, senti tudo: medo, dor. Estava com estuprador, [com] quem já matou, [com] quem já fez tudo... você vai ficar como para dormir?", disse o jovem para a Rede Globo.

"Do nada ser separado e preso é bem difícil. Na hora que a gente estava indo embora, estava constando que eu tinha mandado de prisão, de 157 [assalto mediante ameaça ou violência], coisa que eu nunca fiz na vida", acrescentou.

O rapaz, que toca na Orquestra de Cordas da Grota há dez anos, foi conduzido para a delegacia após passar por uma averiguação nas ruas de Niterói. Na unidade, foi constatado um mandado de prisão preventiva (sem prazo) contra ele devido a um assalto ocorrido em novembro de 2017.

"Eu só quero justiça, porque isso não se deve fazer com ninguém. Vou pensar o quê, é racismo?", declarou ainda Luiz.

O caso

Segundo a polícia, a vítima reconheceu Justino por foto como sendo um dos quatro homens que praticaram o assalto. No entanto, a família alega que, na data, o músico se apresentava em um evento cultural em uma padaria de Piratininga, bairro nobre de Niterói.

Na decisão de ontem que revogou a prisão preventiva, o juiz André Luiz Nicolitt destacou que o reconhecimento fotográfico pode ser falho e que não houve flagrante, mas determinou que Luiz Carlos fique em prisão domiciliar.

"A psicologia aplicada tem se empenhado em investigar fatores psicológicos que comprometem a produção da memória (...) São muitas as objeções que se pode fazer ao reconhecimento fotográfico", escreveu.

De acordo com o juiz, não há previsão legal sobre o reconhecimento por meio de foto, "o que violaria o princípio da legalidade".

"Na maior parte das vezes o reconhecimento fotográfico é feito na delegacia, sem que sejam acostadas ao procedimento as supostas fotos utilizadas no catálogo, nem informado se houve comparação com outras imagens, tampouco informação sobre como as fotografias do indicado foram parar no catálogo, o que viola a ideia de cadeia de custódia de prova".

O magistrado destacou ainda os bons antecedentes do jovem acusado de roubo. O juiz lembra ainda que ele foi "preso com seus instrumentos musicais, comprovando sobejamente tratar-se de músico, violoncelista, que atua intensamente no município de Niterói".

"Há nos autos prova de residência, atividade laboral lícita, boas referências, qualificado como um músico de destaque na comunidade niteroiense, com FAC [Folha de Antecedentes Criminais] sem qualquer anotação", escreveu.

Assim como a família do jovem, o juiz questionou o fato de a foto de Luiz Carlos estar em um álbum de identificação de criminosos.

"Indaga-se: por que um jovem negro, violoncelista, que nunca teve passagem pela polícia, inspiraria 'desconfiança' para constar em um álbum [com fotos para reconhecimento]? Como essa foto foi parar no procedimento? Responder a esta pergunta significa atender a um reclamo legal chamado "cadeia de custódia da prova"

Protesto

Ontem, colegas de Luiz Carlos na orquestra fizeram um protesto tocando música em frente ao presídio de Benfica, na zona norte, onde ele estava preso antes da transferência.

O presidente da Orquestra de Cordas da Grota, Paulo Tarso, comemorou a decisão da soltura.

"Arco de violoncelo não é arma! Agora nós sabemos o que é um juiz garantista e temos que dar valor a eles, pois são poucos no Brasil. Passamos esses dias todos sem dormir, agora estamos na luta para saber quando ocorrerá a soltura dele. Ninguém nem atende o telefone", disse Tarso.