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Diretor de 'Pantera Negra' faz despedida comovente para Chadwick Boseman

Ryan Coogler e Chadwick Boseman durante gravações de "Pantera Negra" - Reprodução/IMDB
Ryan Coogler e Chadwick Boseman durante gravações de 'Pantera Negra' Imagem: Reprodução/IMDB

Colaboração para o UOL, em São Paulo

30/08/2020 17h22

Ryan Coogler, diretor do filme "Pantera Negra", divulgou hoje um comunicado lamentando a morte do astro Chadwick Boseman, que morreu na última sexta (28) em decorrência de um câncer no cólon. Em declaração comovente publicada pela People, Coogler refletiu sobre o tempo que passou ao lado do ator no set do filme da Marvel e também apontou para o legado que Boseman deixou.

Os dois se encontraram pela primeira vez em 2016, quando Coogler trabalhava com "Creed: Nascido para Lutar", estrelado por Michael B. Jordan. O diretor já havia confirmado que estava prestes a fazer uma sequência do enredo de Wakanda e refletiu sobre a postura de liderança que Boseman demonstrou durante as gravações, mesmo enquanto lutava contra o câncer de maneira privada.

"Antes de compartilhar meus pensamentos sobre o falecimento do grande Chadwick Boseman, primeiro apresento minhas condolências a sua família, que significou muito para ele. Para sua esposa, Simone, especialmente", iniciou o diretor.

"Eu herdei a escolha de elenco da Marvel e dos Irmãos Russo para T'Challa. Isto é algo pelo qual serei eternamente grato. A primeira vez que vi a atuação de Chad como T'Challa, foi em uma versão inacabada de 'Capitão América: Guerra Civil' Eu estava decidindo se dirigir Pantera Negra era ou não a escolha certa para mim. Nunca esquecerei, de sentar em uma sala de edição no Disney Lot e assistir a suas cenas. Primeiro, com Scarlett Johansson como Viúva Negra, depois, com o titã do cinema sul-africano, John Kani como o pai de T'Challa, o Rei T'Chaka. Foi nesse momento que soube que queria fazer este filme."

"Depois que o personagem de Scarlett os deixou, Chad e John começaram a conversar em um idioma que eu nunca tinha ouvido antes. Parecia familiar, cheio dos mesmos cliques e estalos que crianças negras fariam nos Estados Unidos. Os mesmos estalos que frequentemente seríamos repreendidos por serem desrespeitosos ou impróprios. Mas tinha uma musicalidade que parecia antiga, poderosa e africana."

"Em minha reunião após assistir ao filme, eu perguntei a Nate Moore, um dos produtores, sobre o idioma. 'Vocês inventaram isso?'. Nate respondeu: 'isto é Xhosa. O idioma nativo de John Kani. Ele e Chad decidiram fazer a cena desta maneira no set, e nós filmamos assim."

Coogler escreve que ficou se questionando como que o ator havia conseguido decorar falas em um novo idioma em apenas um dia. "Embora não tivesse conhecido Chad, já estava maravilhado com sua capacidade como ator."

O diretor ainda afirmou que a decisão de ter Xhosa como o idioma oficial de Wakanda foi endurecida por Chadwick, que era da Carolina do Norte. "Porque ele era capaz de aprender suas falas em Xhosa, ali mesmo. Ele também defendeu que seu personagem falasse com sotaque africano, para que pudesse apresentar T'Challa ao público como um rei africano, cujo dialeto não havia sido conquistado pelo Ocidente."

Coogler rememorou o encontro com Chadwick em 2016, quando já havia assinado para dirigir o longa.

"Ele passou por jornalistas que estavam reunidos para uma entrevista coletiva que eu estava fazendo para o 'Creed: Nascido Para Lutar' e se encontrou comigo na sala verde. Conversamos sobre nossas vidas, sobre o tempo que passei jogando futebol na faculdade e o tempo dele em Howard estudando para ser diretor, sobre nossa visão coletiva para T'Challa e Wakanda."

"Falamos sobre a ironia de como seu ex-colega de classe de Howard, Ta-Nehisi Coates, estava escrevendo o arco atual de T'Challa com a Marvel Comics. E como Chad conheceu o estudante Howard, Prince Jones, cujo assassinato por um policial inspirou as memórias de Coates, 'Entre o mundo e eu'".

O diretor afirmou que naquele momento percebeu que Chadwick era uma anomalia. "Ele era calmo. Seguro. Constantemente estudando. Mas também gentil, acolhedor, tinha a risada mais calorosa do mundo e olhos que enxergavam muito além de sua idade, mas ainda podiam brilhar como uma criança vendo algo pela primeira vez."

Coogler afirmou que aquela teria sido a "primeira de muitas conversas" que teve com o ator. "Nós costumávamos falar sobre ancestralidade e o que significava ser um africano. Ao se preparar para o filme, ele refletia sobre cada decisão, cada escolha, não apenas em como isso se refletiria em si mesmo, mas como essas escolhas poderiam repercutir."

O diretor afirmou que não tinha ideia se o filme que estava trabalhando funcionaria. "Eu não tinha certeza que eu sabia o que eu estava fazendo. Mas eu olho para trás e percebo que Chad sabia algo que todos nós não sabíamos. Ele estava planejando um longo jogo. Tudo isso enquanto trabalhava. E ele fez o trabalho."

"Ele vinha para as audições de papéis coadjuvantes, o que não é comum para atores principais em filmes de grande orçamento. Ele estava lá para as várias audições de M'Baku. Na de Winston Duke, ele transformou uma leitura de química em uma luta livre", contou.

"Durante as filmagens do filme, nos encontrávamos no escritório ou em minha casa alugada em Atlanta, para discutir falas e diferentes maneiras de adicionar profundidade a cada cena. Conversamos sobre fantasias, práticas militares. Ele me disse: 'Wakandans têm que dançar durante as coroações. Se eles ficarem parados com lanças, o que os separa dos romanos? ' Nos primeiros rascunhos do roteiro. O personagem de Eric Killmonger pediria a T'Challa para ser enterrado em Wakanda. Chad desafiou isso e perguntou, 'e se Killmonger pedisse para ser enterrado em outro lugar?'"

Coogler tambem ressaltou que o astro do cinema valorizava profundamente a sua privacidade e que ele não estava a par dos detalhes de sua doença. "Depois que sua família divulgou o comunicado, percebi que ele estava convivendo com a doença durante todo o tempo em que o conheci. Por ser um cuidador, um líder e um homem de fé, dignidade e orgulho, ele protegeu seus colaboradores de seu sofrimento. Ele viveu uma vida linda. E ele fez uma grande arte."

"Dia após dia, ano após ano. Ele era assim. Ele era um espetáculo de fogos de artifício épico. Contarei histórias sobre estar presente em algumas de suas faíscas brilhantes até o fim dos meus dias. Que marca incrível ele deixou para nós."

"Eu não sofri uma perda tão aguda antes. Passei o ano passado me preparando, imaginando e escrevendo palavras para ele dizer, que não estávamos destinados a ver. Isso me deixa quebrado, sabendo que não poderei assistir a outro close dele no monitor novamente ou caminhar até ele e pedir uma outra tomada."

"Me machuca ainda mais saber que não podermos ter uma outra conversa, ou chamada de vídeo, ou uma troca de mensagens de texto. Ele enviaria receitas vegetarianas e regimes alimentares para eu e minha família seguirmos durante a pandemia. Ele ia perguntar sobre mim e sobre as pessoas que eu amo, mesmo enquanto lidava com o flagelo do câncer."

"Nas culturas africanas, muitas vezes nos referimos a entes queridos que já morreram como ancestrais. Às vezes você é geneticamente relacionado. Às vezes você não é. Tive o privilégio de dirigir cenas do personagem de Chad, T'Challa, comunicando-se com os ancestrais de Wakanda. Estávamos em Atlanta, em um armazém abandonado, com telas azuis e enormes luzes de cinema, mas a performance de Chad fez tudo parecer real."

"Eu acho que foi porque, desde o momento em que o conheci, os ancestrais falavam por meio dele. Não é segredo para mim agora como ele foi capaz de retratar habilmente alguns dos nossos personagens mais notáveis. Eu não tinha dúvidas de que ele viveria e continuaria a nos abençoar com mais. Mas é com o coração pesado e um sentimento de profunda gratidão por ter estado em sua presença, que tenho que reconhecer o fato de que Chad é um ancestral agora. E eu sei que ele vai cuidar de nós, até que nos encontremos novamente."