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Como união de Felipe Neto e Gabi Oliveira virou polêmica na internet

A influenciadora digital Gabi Oliveira - Reprodução/Twitter
A influenciadora digital Gabi Oliveira Imagem: Reprodução/Twitter

Adalberto Neto

Colaboração para o UOL, do Rio

19/07/2020 04h00

Felipe Neto não vem apenas causando estardalhaço no mundo da política. O youtuber e empresário fez a influenciadora digital Gabi Oliveira ser alvo de uma enxurrada de críticas apenas por ter topado trabalhar com ele.

E houve muitas reclamações também de internautas negros, público fiel da produtora de conteúdo, dona de um canal com 569 mil inscritos no YouTube e seguida por 129 mil pessoas no Twitter.

Tudo começou no início de julho. Gabi Oliveira aceitou o convite de Felipe Neto para coordenar a produção de conteúdo voltado a crianças e adolescentes de uma de suas plataformas. Ela estará à frente do Canal In, que se até um ano atrás se chamava Irmãos Neto, mas foi reformulado para se descolar da imagem dos dois youtubers.

A ampliação da diversidade faz parte da estratégia de repaginação. Atualmente, o canal já possui um apresentador negro, além de um gay e uma mulher em sua equipe. Com a chegada da coordenadora, o espaço será repensado para receber novos integrantes e outros quadros.

O anúncio de Felipe sobre a nova contratada deixou a internet animada. Muita gente comemorou. Mas também houve um número considerável de críticas de quem não gostou nada da iniciativa.

A comunidade negra na rede social, que frequentemente se apelida de Black Twitter, se dividiu.

Alguns condenaram Gabi por se associar a alguém com o passado de Felipe Neto. Foi o caso de Wesley Stronger.

[É um] Desserviço ela se juntar a esse cara mau caráter. Ele tenta se redimir de tanta asneira que já falou. Ela é muito nobre para se juntar com esse oportunista. Wesley Stronger

Rubem Sena seguiu a mesma linha. "Ela merece algo melhor que isso. Felipe Neto não está à altura dela. Trabalhar para esse cara será uma mancha no seu currículo", afirmou.

Gabi é dona de uma audiência considerável. Mas Felipe Neto é apontado como maior influenciador digital do país, seguido por 12 milhões no Twitter e com 38,8 milhões de usuários inscritos em seu canal no YouTube.

De uns tempos para cá, sua atuação passou a ir além do entretenimento digital e ele começou a ser visto como figura importante no debate político. Tanto é que uma pesquisa da empresa Quaest o ser apontou como o segundo maior influenciador na política do país. Na útlima quarta-feira, ele publicou um artigo no jornal "New York Times" indicando o presidente Jair Bolsonaro como o pior líder mundial em tempos de pandemia.

felipe - Reprodução/TV Cultura - Reprodução/TV Cultura
O youtuber Felipe Neto em entrevista ao Roda Viva de 18 de maio de 2020
Imagem: Reprodução/TV Cultura

Fora isso, ele é dono de outras empresas, com atividades tão diversas quanto a produções de conteúdo e até a venda de brinquedos. Diante do histórico de Felipe Neto, Gabi confessa ao UOL que já estava preparada para as reações adversas. "Quando aceitei o convite, e deixo claro que não foi de primeira, eu tinha plena convicção de que esse era um trabalho que conversava com os meus valores e que me ajudaria a impactar de forma positiva um novo público, que considero superimportante", diz.

Seus vídeos geralmente dialogam com jovens e tratam desde beleza negra, filmes e série sobre discriminações e debates sobre racismo. Produzir para crianças e adolescentes, diz, será um desafio interessante.

Iniciar um diálogo com um adulto é muito difícil, mas, com uma criança, um adolescente pode ser algo que mude os horizontes deles. É capaz de derrubar preconceitos, como racismo, homofobia. Assim que pipocaram notícias sobre a minha contratação, recebi críticas. Mas isso não me abalou, porque tenho os meus parâmetros morais e éticos. Aceitar um trabalho ligado à minha formação não é, de forma alguma, desabonador".
Gabi Oliveira

Selo antirracista para Felipe Neto

Para o fotógrafo Roger Cipó, conhecido por levantar o debate sobre a masculinidade negra na internet, a contratação vem tarde, mas é necessária:

É o reflexo de toda a tensão e questionamento que influenciadores negros e outros ativistas da luta contra o racismo têm provocado: a Gabi é uma comunicadora de relevância e tem feito um trabalho de muita qualidade. É importante ela ir para uma empresa que dialoga com crianças, adolescentes e adultos em nível nacional, porque faz as discussões chegarem às nossas famílias. É ainda garantia de filtro para erros ou ações equivocadas com relação às questões sociais não sejam cometidos

Outro que apoia a decisão de Gabi é o engenheiro civil Leví Kaique Ferreira, defensor das causas negras na internet. Para ele, esnobar Felipe Neto, como desejavam os "haters", não ajudaria a influenciadora em ampliar as discussões sobre igualdade racial. "A curadoria dela com maior sensibilidade chegará a um público que não costuma ter contato com essas questões, porque não se promove discussão racial no Brasil. As críticas que ela recebeu têm mais a ver com revanchismo do que com algo construtivo. Por que ela deveria recusar? Os críticos não têm essa explicação", comenta.

Dandara Barbosa, uma das idealizadoras do Festival Wakanda in Madureira, defende os críticos:

É necessário que se entenda que não tem nada demais em criticar posturas, principalmente de quem se propõe a militar e formar opiniões. Levando em consideração a emancipação do povo negro, é importante que a gente repense a nossa ideia de sucesso. Não é benéfico distribuir 'selo antirracista' em troca de seja lá o que for. A autonomia do quilombo deveria ser a nossa maior meta e não um cantinho, mesmo que arrumado na Casa Grande

A cientista política Naila Neves Veleci pondera que a presença de Gabi junto a Felipe Neto tem o poder de dar novo significado à ideia do que se tem de padrão no entretenimento.

Não há neutralidade de pauta. Tudo o que produzimos é atravessado pela nossa experiência. Uma mulher negra produzindo conteúdo sobre qualquer assunto trará uma discussão de gênero e raça, mesmo que isso não esteja nomeado. Por séculos, homens brancos trouxeram sua opinião sobre tudo e chamaram-na de 'universal'. Consequentemente, o que divergia deles era tratado como 'marginal', 'ativismo', 'diversidade', 'não neutro' ou 'opinião pessoal'. Isso, na verdade, é apenas uma percepção diferente daqueles que têm o poder de dizer o que é padrão