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'Por ironia do destino, fui um grande vendedor de livros', diz Lobão

Do UOL, em São Paulo

01/06/2020 22h28

Lobão foi o entrevistado do Roda Viva de hoje, na TV Cultura, e fez uma análise do desempenho da própria carreira.

"Todos os meus discos, praticamente, venderam 20 mil cópias. Por ironia do destino, fui um grande vendedor de livros até determinado momento em que começou a vir essa crise, o livro dos anos 80 ["Guia Politicamente Incorreto dos Anos 80 pelo Rock"] vendeu bastante", disse.

"Acredito que eu responda por mim, não somente por mim, mas por toda a classe artística. No meu caso, que sou compositor, tenho três fontes de insumo. Me inventei com vendedor de livros, vendi mais livros do que discos durante a trajetória. Nunca vendi muito álbum. O disco que mais vendi, quando sai da prisão, que foi o 'Vida Bandida', me deixou muito enraivecido. Traduzi aquele sucesso numa curiosidade mórbida em relação à minha soltura, e era pra ter vendido 1 milhão de cópias por conta daquele álbum, mas de repente vendi 300 mil cópias", relatou Lobão.

O cantor afirmou que os artistas no Brasil vivem na "na banguela"; para explicar este raciocínio, Lobão citou o exemplo de Aldir Blanc, compositor e escritor que foi a óbito em maio de 2020.

"A gente está vivendo na banguela porque os insumos, por mais que a gente tenha... Tenho umas 100 e tantas músicas, 30 são sucessos nacionais, eu sou um bom arrecadador. Mas vejo o exemplo do Aldir Blanc, que me deixou chocado. Duas semanas antes de ele morrer, estavam fazendo uma vaquinha para pagar a internação do Aldir Blanc. Ele é um dos maiores compositores brasileiros, tanto em qualidade como quantidade. Começou em 69, 70, tem obras da música popular brasileira e estava nessa situação", lamentou.

Lobão: 'Rock me salvou de ser bunda mole'

Lobão acredita que o fato de ter crescido em um ambiente de classe média poderia tê-lo transformado em um "bundão", mas o rock, como gênero musical e estilo de vida, o "salvou de ser um bunda mole" — nas palavras do próprio cantor.

"O rock me salvou de ser um bunda mole. A primeira frase que digo é: tinha tudo para ser um bundão, classe média. O rock me ensinou a ser independente, ter espírito crítico, dinâmica na vida, ser extremamente delicado. O rock tem isso, músicas delicadas com potência na hora certa. O rock é visceral, você diz na cara", disse.

"Às vezes, você pode chocar e agredir demais pessoas que não estão acostumadas. Mas o que quero dizer é que não quero de maneira nenhuma ficar fustigando feridas ou mágoas. Se vocês querem um perdão, se é por falta, pelo amor de Deus, aqui está o perdão. Mas se querem me reduzir a um fascista já é demais", completou.

Admiração a Chico e Caetano e reaproximação

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Imagem: reprodução/TV Cultura

Questionado pela bancada do Roda Viva sobre ter buscado uma reaproximação com Chico Buarque e Caetano Veloso, Lobão desconversou, mas fez elogios aos músicos e opinou que o a população do Brasil tem culturalmente uma "incapacidade" de se relacionar respeitosamente com adversários políticos.

"Aquilo foi um símbolo. Queria fazer uma simbologia, foram 13 anos que apoiei o PT, e de toda aquela patrulha que ficou em cima de mim porque fui contra a Lei Rouanet da maneira que estava sendo colocada. Não estava compactuando com a política externa do Lula posando com Kadhafi, Saddam, o genocida da guiné Equatorial, [Hugo] Chávez, aquilo tudo me irritava muito. A roubalheira, que era a bandeira do PT e estávamos em penúltimo lugar de educação já no governo Lula", disse.

"Pensei o seguinte: como batalhei, batalhei e batalhei para tirar o PT do poder, eu tinha como obrigação moral, já que aquela tríade representava todo um coronelato que estava girando em torno daquele governo. Pensei: cabe a mim ser generoso, gentil, e abrir uma discussão sobre os horizontes culturais no Brasil. Eu creio firmemente que a única forma da gente neutralizar esse looping eterno lamacento é alguma parte parar de reagir. Então, pensei, já que houve uma vitória de nossa parte, eu tenho o mando de campo, vamos dizer assim, vou dar a iniciativa [a Chico e Caetano], sabendo que não teria nenhum tipo de resposta", opinou.

"Fiz questão de enaltecer minha admiração artística por todos eles, apesar de discordar, tentei ser republicano, civilizado, e não somente de uma maneira pragmática. Na hora que escrevi, realmente percebi o afeto que sinto por eles, a admiração que sinto por eles. O que é interessante verificar no meu caso é a reação das pessoas, tanto as que disseram 'amarelou para o Chico', pessoas inteligentes, tanto de um lado, da direita, como das pessoas da esquerda", acrescentou.

"Isso para mim é uma experiência muito rica no sentido de perceber justamente essa incapacidade, aqui no Brasil parece que você tá eternamente fazendo rixa de futebol. Se você tem um adversário, ele tem que ser podre, mal, chato, burro, não ter qualidade nenhuma. Se você atribuiu uma qualidade a seu adversário, você é um frouxo. Acho que isso é nocivo para nossas relações", finalizou.