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Roberto Benigni volta a fazer "Pinóquio" - só que num papel diferente

Roberto Benigni durante a coletiva de imprensa de "Pinóquio"  no 70º Festival de Berlim - John Macdougall/AFP
Roberto Benigni durante a coletiva de imprensa de "Pinóquio" no 70º Festival de Berlim Imagem: John Macdougall/AFP

Mariane Morisawa

Colaboração para o UOL, em Berlim

23/02/2020 11h47

A relação de Roberto Benigni com "Pinóquio", o livro de Carlo Collodi, vem da infância. "Eu li sozinho quando era menino porque meus pais não sabiam ler, então eu lia para eles", disse o ator premiado com o Oscar em 1999 por "A Vida É Bela", em entrevista coletiva no 70º Festival de Berlim. Tanto que ele próprio dirigiu uma versão cinematográfica da história em 2002, interpretando o famoso boneco de madeira que deseja virar menino.

Agora ele volta a seu "livro crucial" numa nova adaptação para o cinema, "Pinocchio", dirigida por Matteo Garrone ("Gomorra", "Dogma'), que passa na seção Especial do festival. Só que desta vez no papel de Geppetto, o pai-criador de Pinóquio. "É milagroso eu ter feito tanto Pinóquio quanto Geppetto", afirmou o ator.

Garrone, um dos principais nomes do cinema italiano hoje, acredita que interpretar Geppetto é uma chance de Benigni voltar às suas raízes. "Para ele, foi uma viagem no tempo. Ele vem da pobreza, vem daquele mundo de certa forma. Foi como se redescobrisse o passado." Para ele, a história é atemporal. "Fala do nosso passado, do presente e do futuro, da nossa luta para sobreviver, como tentamos não cair em tentação", disse. "Apesar de usar alegorias da sociedade italiana, principalmente na forma de animais, também é universal."

O cineasta sabia que era um risco fazer mais uma adaptação de uma das obras mais conhecidas do mundo - "Pinóquio" foi desde anime japonês que aterrorizou as crianças nascidas na década de 1970 até animação clássica da Disney. "Queríamos surpreender, mesmo sendo uma obra tão famosa", disse Garrone. "Meu desejo é que o público se sinta deslocado e incomodado. Voltamos à história e ilustrações originais, mas também incluímos uma energia cômica em dados momentos para atingir as crianças. A vontade era fazer um filme que pudesse cativar as crianças sem trair nossa visão e linguagem cinematográfica."

O diretor optou por usar um menino (Federico Ielapi, 9 anos) para interpretar Pinóquio, com ajuda de impressionante maquiagem prostética. "Eram quatro horas de maquiagem todo dia", disse Ielapi, descrevendo o processo como "divertido". Enquanto o início é mais realista, com Geppetto lutando por um prato de comida, assim que Pinóquio surge, a história ganha ar de fantasia, com personagens como o Grilo Falante e a Fada de cabelos azuis, tudo filmado com estilo por Garrone, com ajuda da bela direção de arte e figurinos.

O boneco nasce bom, mas é dado a mentiras e vive se metendo em confusão, às vezes por sua culpa, às vezes por ingenuidade. Mas este "Pinóquio" também é uma clara crítica social - existe gente passando fome, nem sempre o pobre é tratado com generosidade, a justiça falha, há ameaças inimagináveis, como um peixe gigante. O mundo é um lugar perigoso. É preciso estar atento, mas também ser generoso. Há momentos fascinantes e divertidos, e Benigni está contido e comovente como o homem que quer ser um bom pai. O longa foi um sucesso comercial na Itália, tendo arrecadado quase 15 milhões de euros (cerca de R$ 71 milhões).

Curiosamente, Benigni quase fez Geppetto numa produção dirigida por Francis Ford Coppola. "Robin Williams, que era meu amigo e de quem eu sinto muita falta, me chamou para jantar e entre seus convidados estava Coppola", contou o ator. "E ele me convidou para ser Geppetto. Eu disse que faria até uma baleia no filme. Nós nos encontramos algumas vezes, mas sua produtora faliu, e o projeto nunca saiu do papel." Garrone emendou: "Sorte minha!".

Benigni também comentou o vídeo viral que mostra um pai sírio que ensinou à filha dar risada quando as bombas caíam sobre a cidade, o que lembra o papel do ator italiano em "A Vida É Bela", como um pai tentando tornar o campo de concentração um playground para proteger o filho. "Na época do lançamento, muita gente disse que aquilo era impossível de acontecer, mas claro que pode, porque um pai sempre vi querer proteger o filho. A mesma coisa com esse vídeo da Síria, que é muito lindo", disse Benigni. "Curiosamente, Garrone me pediu para interpretar Geppetto como 'o' pai. Ele é o maior pai do mundo, junto com São José, claro. E ambos são carpinteiros e têm problemas com os filhos", completou o ator, que nunca perde a piada.