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'Preocupado com a situação do cinema no Brasil', diz Kleber Mendonça Filho

Kleber Mendonça Filho integra o júri da 70ª edição do Festival de Berlim - Getty Images
Kleber Mendonça Filho integra o júri da 70ª edição do Festival de Berlim Imagem: Getty Images

Mariane Morisawa

Colaboração para o UOL, de Berlim

20/02/2020 12h57

Começou sério o 70º Festival de Berlim. A coletiva de imprensa do júri teve pronunciamento do presidente Jeremy Irons sobre comentários do passado a respeito de abuso sexual, aborto e casamento de pessoas do mesmo sexo, e o cineasta pernambucano Kleber Mendonça Filho respondeu sobre a situação do audiovisual no Brasil. "Por sorte, sou bem-vindo em todos os lugares, inclusive aqui", disse o diretor de "Bacurau" ao ser indagado sobre ser uma espécie de "persona non grata" para o atual governo brasileiro.

"Vou continuar fazendo meus filmes, viajando com eles e falando o que penso. Nada vai mudar em termos de dizer o que penso." Além de ser presidido pelo ator inglês Jeremy Irons, o júri do festival —um dos mais importantes do cinema mundial— é composto pela atriz nascida na Argentina e radicada na França Bérénice Bejo, pela produtora alemã Bettina Brokemper, pela diretora palestina Annemarie Jacir, pelo dramaturgo, roteirista e diretor americano Kenneth Lonergan e pelo ator italiano Luca Marinelli, além de Kleber Mendonça Filho. A premiação acontece no sábado, 29 de fevereiro. "Todos os Mortos", de Caetano Gotardo e Marco Dutra, está na competição pelo Urso de Ouro.

O diretor de "Bacurau", que ganhou o Prêmio do Júri no último Festival de Cannes, falou da presença de 19 produções e coproduções brasileiras em Berlim num momento em que o audiovisual brasileiro está paralisado. "Estamos no melhor momento da história do cinema brasileiro e é exatamente o momento em que a indústria cinematográfica do país está sendo desmantelada dia a dia."

Muitos cineastas jovens me procuram, e eu digo que é uma época dura, mas também excelente para fazer filmes, porque a tecnologia ajuda e temos um país ainda mais cheio de contradições, conflitos e drama.

Mais adiante, o cineasta brasileiro respondeu se está preocupado com a situação do audiovisual brasileiro —o novo diretor artístico do Festival de Berlim, o jornalista italiano Carlo Chatrian, deu entrevistas nesta semana falando sobre sua inquietação com os rumos do cinema do Brasil e que o convite a Kleber Mendonça Filho para o júri foi para mandar um sinal claro de apoio. Chatrian negou, porém, que o número de filmes selecionados tenha sido por critérios políticos e não artísticos.

"Claro que estou preocupado", disse Mendonça Filho. "Temos cerca de 600 projetos entre cinema e televisão completamente congelados pela burocracia. O cinema brasileiro percorreu um longo caminho e tem uma história longa, é muito diverso. Foram mais de 20 anos de trabalho duro para construir isso. Temos uma lista muito diversa de cineastas do Brasil todo, não só do Sudeste, que economicamente e historicamente era onde o dinheiro estava concentrado. E é isso que está sendo destruído agora."

Mendonça Filho ainda comentou a morte de José Mojica Marins, o Zé do Caixão. "Ele foi um dos maiores diretores brasileiros na minha opinião, mas muito incompreendido no passado por fazer cinema de gênero", afirmou. "Nas últimas décadas os filmes de gênero, que sempre foram importantes e maravilhosos, ganharam respeitabilidade. Para mim, o cinema de gênero é um dos exemplos mais extremos de fazer cinema, mas não significa que só considero filmes de gênero, porque o cinema é rico o suficiente para ser diversificado."

Outros membros do júri falaram sobre os critérios que vão adotar para escolher o grande vencedor desta edição. "O filme tem de me comover", disse Bérénice Bejo. Para Kenneth Lonergan, "o filme tem de fazer o que se propõe a fazer e tem de fazer bem". Irons deixou claro que não é trabalho do júri dar declarações políticas com suas escolhas. "Vamos ver filmes e encontrar percepções diferentes do mundo. Claro que alguns deles provavelmente vão tratar dos assuntos discutidos hoje em dia, mas nosso papel é escolher o filme que funciona melhor."

Desculpas por polêmica

Logo no início da coletiva, Jeremy Irons fez um pronunciamento sobre declarações que teria feito no passado —já refutadas e pelas quais já se desculpou, segundo o ator— sobre abuso sexual, casamento entre pessoas do mesmo sexo e aborto, que ressurgiram nas últimas semanas por conta de sua escolha como presidente do júri. "Sinto muito perder tempo com isso, mas não quero que continue a ser uma distração da Berlinale", disse Irons.

"Quero deixar claras minhas visões sobre esses assuntos de uma vez por todas. Primeiro, eu apoio o movimento global pela igualdade de direitos das mulheres e pela proteção contra abusos em casa e no ambiente do trabalho. Segundo, eu aplaudo a legislação pelo casamento de pessoas do mesmo sexo e desejo que ela se espalhe para mais países. Terceiro, acredito que as mulheres devem ter direito a fazer aborto se assim decidirem. Esses três direitos humanos são passos fundamentais para uma sociedade civilizada e humana."

Irons também disse que espera que alguns dos filmes da competição abordem esses assuntos e muitos outros problemas enfrentados no mundo. "Estou ansioso por assistir a longas que nos levem a questionar atitudes, preconceitos e mostrem percepções diferentes de mundo."