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Se a Vida Começasse Agora: a polêmica história do filme desautorizado pelo Rock in Rio

O ator Caio Castro, que vive um fotojornalista que participa da cobertura do primeiro Rock in Rio - Divulgação
O ator Caio Castro, que vive um fotojornalista que participa da cobertura do primeiro Rock in Rio Imagem: Divulgação

Leonardo Rodrigues

Do UOL, em São Paulo

16/09/2019 04h00

Resumo da notícia

  • Filme conta com Caio Castro e Luiza Valdetaro
  • Projeto foi aprovado em 2011, mas nunca foi lançado
  • Longa foi autorizado a captar R$ 8,5 mi pela Ancine
  • Novo roteiro terá menos referências ao festival
  • A previsão de estreia é em 2020

Se A Vida Começasse Agora, ex-filme oficial do Rock in Rio, enfim sairá do papel após quatro anos congelado com graves problemas de produção. Muita coisa mudou no longa, que é estrelado por Caio Castro e Luiza Valdetaro e traz o festival como pano de fundo: diretor, parte do elenco, roteiro, orçamento e o apoio do próprio Rock in Rio, que decidiu abandonar o projeto devido ao atraso da produtora Influência Filmes. A previsão de estreia é início de 2020.

Conforme revelado pelo UOL em 2017, o filme é um projeto pessoal do diretor e produtor catarinense Roberto Carminati, sócio da Influência Filmes, acusado de irregularidades em vários momentos na carreira, incluindo calote e desvio de dinheiro do orçamento de longas para uso pessoal e em sua produtora. O projeto do longa foi aprovado pela direção do Rock in Rio e Ancine em 2011.

A ideia era realizar um grande lançamento nos cinemas quatro anos depois, com ampla divulgação e exploração da marca, na esteira das comemorações de três décadas do festival criado pelo empresário Roberto Medina. O contrato do diretor Alexandre Klemperer e de outros prestadores de serviço expirou, e o filme nunca foi entregue.

Por que o filme parou?

Segundo Carminati, que dirigiu o filme Segurança Nacional e vários projetos na TV Globo, como as novelas Salve Jorge e Caminho da Índias, o dinheiro alocado no projeto simplesmente esgotou. O site da Ancine indica que o filme foi autorizado a captar R$ 8,5 milhões via Lei do Audiovisual - R$ 4,2 milhões foram levantados junto a empresas privadas, que abateram o valor no Imposto de Renda devido.

As primeiras cenas de Se A Vida Começasse Agora foram rodadas em 2015. Logo após o encerramento das filmagens, funcionários relataram ter parado de receber pelos serviços. Antes de o filme ir para a geladeira, apenas um teaser e algumas cenas foram divulgadas pela distribuidora Imagem Filmes, incluindo a do histórico encontro entre Roberto Medina (Marcelo Serrado) e o cantor Frank Sinatra.

Pessoas próximas à produção, incluindo o diretor Alexander Klemperer, o roteirista Zé Dassilva e o produtor Diller Trindade, amigo de Carminati, afirmaram ao UOL desconhecer o motivo da paralisação do filme que ostentou a marca de um dos maiores festivais do mundo. A reportagem procurou Roberto Carminati e seu sócio na Influência Filmes Erico Ginez em busca de informações sobre o atraso, mas não obteve resposta.

O diretor Thiago Oliveira mostra cena para Luiza Valdetaro e Caio Castro - Divulgação - Divulgação
O diretor Thiago Oliveira mostra cena para Luiza Valdetaro e Caio Castro
Imagem: Divulgação

Como o filme ressuscitou

Desde 2016, o longa está nas mãos do ex-ator global e agora diretor Thiago Oliveira, sócio da ToO Films, que atuou como um dos produtores de Se A Vida Começasse Agora. Ex-parceiro de Carminati, ele contatou a distribuidora Imagem com a proposta de ressuscitar projeto. A distribuidora acionou então João Quadra, ex-diretor de conteúdo que aprovou o filme em 2014, para acompanhar de perto a retomada das filmagens, agora com Thiago na direção.

"As filmagens aconteceram em dez dias a partir do fim de março deste ano, em dois estúdios aqui no Rio. Durante esse processo, todos os dias enviamos vídeos de making of para a Imagem, para eles saberem o que estava acontecendo, para comprovar que estávamos produzindo", diz ao UOL Oliveira, que agora se esforça para tentar limpar a imagem do filme.

"Eu estava começando e não cheguei a assinar contrato com o Roberto. No início, eu não tinha nenhuma autonomia para controlar orçamento. Cheguei a travar a produção em dois momentos porque não tinha mais dinheiro. Só o Roberto pode dizer o que realmente aconteceu. Eu sempre disse que acho um absurdo o que aconteceu. Vivemos uma crise no audiovisual, mas porque muita gente só quer saber de outras coisas, menos de audiovisual."

Luciana Vendramini, Roberto Bomtempo e Luiza Valdetaro em nova cena de Se a Vida Começasse Agora - Divulgação - Divulgação
Luciana Vendramini, Roberto Bomtempo e Luiza Valdetaro em nova cena de Se a Vida Começasse Agora
Imagem: Divulgação

Como será a história agora?

Para essa nova fase, o filme conseguiu levantar R$ 2,5 milhões por meio da Prodecine de 2016, chamada pública do Fundo Setorial do Audiovisual. Com mudanças drásticas de roteiro, apenas 30% das filmagens antigas puderam ser reaproveitadas. "Foi um desafio constante, porque precisamos fazer um filme quase inteiro, de qualidade, com um orçamento muitíssimo menor", afirma ao UOL João Quadra.

Segundo os produtores, o novo roteiro terá menos referências ao Rock in Rio, que em alguns momentos será tratado como um festival "genérico", e mais foco nas idas e vindas do relacionamento de Beto (Caio Castro), um fotógrafo ambicioso, e Bia (Luiza Valdetaro), uma fã do Queen. No texto original, descrito por eles como muito "chapa branca", o casal se conhecem no Rock in Rio 1, em 1985, e se reencontram por meio de outras edições até 2011.

Do elenco principal, apenas um ator não pôde retomar as filmagens: Ícaro Silva. Outros se juntaram ao time, como Carla Diaz, Carolina Oliveira, Roberto Bomtempo e Luciana Vendramini. Mesmo sem poder contar com a marca Rock in Rio, Marcelo Serrado (Medina) deve continuar na história.

Luiza Valdetaro e Sophia Abrahão rodam Se a Vida Começasse Agora - Divulgação - Divulgação
Luiza Valdetaro e Sophia Abrahão rodam Se a Vida Começasse Agora
Imagem: Divulgação

Rock in Rio não quis manchar imagem

Procurado, o Rock in Rio avisou, por meio de sua assessoria de imprensa, que decidiu abrir mão do apoio ao filme porque a produção "não atendeu as expectativas do festival". "Nessa nova produção, o Rock in Rio não está envolvido de nenhuma forma e desconhece roteiro e projeto", escreve a nota enviada ao UOL pela organização.

Thiago Oliveira afirma que conversou com Luis Justo, CEO do Rock in Rio, e ambos concordaram com a saída da marca em um acordo bilateral. "Queríamos que o filme fosse lançado. E ninguém queria prejudicar ninguém. O Rock in Rio é uma marca internacional, que foi vendida [à americana Live Nation], e eles não podiam se associar a um filme que estava atrasado, sem saber que qualidade ele teria. Concordei plenamente com o argumento."

O diretor espera, até o início de 2020, exibir à cúpula do Rock in Rio o corte final de Se a Vida Começasse Agora, que terá trilha de Guto Graça Mello. Será a última cartada para trazer o festival de volta ao projeto, facilitando o lançamento e abrindo espaço para verbas de divulgação. "Esperamos que isso aconteça. Mas, se não, as pessoas podem ter certeza que assistirão a um ótimo filme, com uma história cativante e bem contada", ressalta o produtor João Quadra.

Cena tomada com drone para o longa Se a Vida Começasse Agora - Divulgação - Divulgação
Cena tomada com drone para o longa Se a Vida Começasse Agora
Imagem: Divulgação

Histórico de problemas

O atraso na entrega de Se a Vida Começasse Agora não é o primeiro no currículo de Carminati. Segurança Nacional (2010), estrelado por Thiago Lacerda e Milton Gonçalves, demorou mais de três anos para ver a luz, e, em meio à produção, o catarinense foi condenado pela Justiça do Trabalho a indenizar em R$ 10 mil o ator Marcio Rosario por falta de pagamento.

O caso de maior repercussão envolvendo o nome de Roberto Carminati é o de O Arrasa Corações (Hertbreaker), filme dirigido e produzido por ele em parceria com a americana Sunshine Entertainment. Estrelado por Giovanna Antonelli, o título saiu apenas nos Estados Unidos, via streaming, depois de Carminati ser acusado de paralisar subitamente as filmagens e tentar se apropriar dos direitos da obra.

Na época, o Ministério Público denunciou irregularidades no repasse dos recursos, e o caso foi parar na Justiça, com o produtor sendo condenado pelo Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina a devolver R$ 980 mil aos cofres públicos. Segundo seu perfil no Linkedin, ele está afastado do cinema e, atualmente, trabalha como diretor de preservação digital da empresa Piql, da qual também é sócio.

Em seu currículo, ainda há acusações de calote de fornecedores, falsificação de documentos e transferência para seu nome de uma dívida de quase US$ 30 mil referente à produção do filme A Fronteira (2003). Questionada pelo UOL, a empresária Roberta Medina se mostrou surpresa com esse histórico. "Estou sabendo disso tudo agora com você. Se soubéssemos antes, quando autorizamos o projeto, poderíamos ter repensado."