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Filme de Bárbara Paz sobre Hector Babenco é triste, sem ser sensacionalista

Bárbara Paz cruza o tapete vermelho do Festival de Veneza, onde ela apresenta o documentário Babenco: Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer Parou - Daniele Venturelli/WireImage
Bárbara Paz cruza o tapete vermelho do Festival de Veneza, onde ela apresenta o documentário Babenco: Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer Parou Imagem: Daniele Venturelli/WireImage

Bruno Ghetti

Colaboração para o UOL, em Veneza (Itália)

05/09/2019 04h00

Em 1986, o Brasil teve pela primeira vez um cineasta indicado ao Oscar de melhor direção: Hector Babenco, por O Beijo da Mulher Aranha. Estranhamente, porém, os brasileiros não pareciam tão orgulhosos com ter um compatriota na disputa pela estatueta: o fato de ter ele não ter nascido em solo brasileiro talvez impedisse que a façanha fosse vista como uma conquista nacional.

"No Brasil, sempre sublinharam que ele tinha nascido na Argentina", diz Bárbara Paz, viúva do cineasta, que agora estreia como diretora de longas no Festival de Veneza. Ela está na cidade italiana para lançar o belo documentário Babenco - Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou, exibido fora de competição.

Ele tinha essa dor de, na Argentina, acharam que ele era brasileiro, e no Brasil, que era argentino. E ele gostaria de ser chamado de brasileiro.

O filme tem como foco os últimos anos de Babenco, que morreu em 2016, vitimado por um câncer. A luta com a doença vinha de longe: surgiu ainda na década de 1980, auge da carreira do cineasta. Mas recuava a voltava, tornando-se de fato implacável nos anos 2010, período em que o diretor dividiu a vida com Bárbara.

Babenco teve uma história de vida pouco ortodoxa. Nascido em família judia que se estabeleceu na Argentina após a Segunda Guerra, nunca se interessou em levar uma vida banal. Tinha aversão à ideia de ter um trabalho com carteira assinada, em que dependesse de um patrão, e sempre lutou por uma vida livre.

Começou como ator figurante. Já no Brasil, chegou a trabalhar vendendo lápides no cemitério do Morumbi ("Eu era craque!", diz em trecho do documentário), mas se encontrou mesmo quando começou a dirigir filmes. Naturalizou-se brasileiro pouco antes de filmar Lúcio Flávio, Passageiro da Agonia (1977), sobre um famoso criminoso carioca da década de 1970. O longa o tornou um dos mais respeitados diretores nacionais.

O sucesso no exterior veio pouco depois, com o esplêndido Pixote, a Lei do Mais Fraco (1981), sobre a difícil vida de um garoto pobre da periferia de São Paulo. O sucesso abriu as portas de Babenco para Hollywood, onde o diretor filmou estrelas como William Hurt, Meryl Streep e Jack Nicholson. De volta à América do Sul, fez sucesso com Carandiru (2003) e se dedicou a projetos mais pessoais, como Coração Iluminado (1998) e Meu Amigo Hindu (2016) - este, seu último longa.

Nunca nem passou pela minha cabeça que pudesse ser algo mórbido. Pensei em vida sempre. Ele era um homem que gostava de viver e era só um filme de despedida.

Babenco - Folhapress - Folhapress
Hector Babenco e Bárbara Paz em foto de 2016
Imagem: Folhapress

Com a anuência do próprio diretor, Bárbara filmou e gravou depoimentos em épocas distintas de seus últimos três anos de vida. Babenco foi várias vezes internado nesse período, e nas gravações revisita o próprio passado, fala de mágoas, alegrias e do desafio de se manter vivo. "Eu sempre quis registrar esse pensador, que estava comigo ali e pelo qual me apaixonei. E não só o cineasta", diz a atriz. "Ele dizia que estava me dando um passaporte, tanto que ele me deu uma câmera", explica.

O filme mostra cenas de hospitais, trechos de filmes de Babenco, imagens caseiras. É um filme triste, mas nunca sensacionalista ou desrespeitoso. É uma homenagem poética a um homem que amou viver e a sua extraordinária obra.

"Ele estava sentindo que o ciclo estava se fechando", diz a viúva de Babenco, com quem viveu por nove anos. "Então ele queria que eu o filmasse. É um filme sobre perda de memória, ele queria resgatar várias lembranças", diz, sobre os diversos depoimentos que Babenco dá no filme sobre sua própria trajetória.

Enquanto trabalhava na edição do filme, Bárbara diz que percebeu algo. "O que mais me impressionou é que como o tempo é cruel. É sábio, mas também cruel. Você vê [pelo filme], ao longo dos anos, o discurso dele continua o mesmo. Quer dizer: ele foi ficando mais bravo com o tempo, tendo mais tristeza no olhar, ficando mais desconfiado. Mas o olhar, que antes era doce, foi se transformando".

O intenso convívio com Babenco a estimulou a seguir pelo mesmo caminho: agora quer seguir como diretora, também de ficção. "Estou desenvolvendo um roteiro sobre a solidão. Aliás, eu cheguei a discutir com ele sobre esse roteiro e ele ficou louco para dirigir. Mas aí eu disse: 'Não: esse quem vai dirigir sou eu!'", diz Bárbara, sorrindo.

Acolhido em Veneza de forma respeitosa e emocionada, Babenco - Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou ainda não tem previsão de estreia em circuito, mas deve estrear no Brasil na Mostra de São Paulo, em outubro.

Cena do filme Babenco - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Cena do filme Babenco - Alguém Tem que Ouvir o Coração e Dizer: Parou
Imagem: Arquivo pessoal