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"Black Mirror": Miley Cyrus brilha em episódio leve até demais para a série

Miley Cyrus em Black Mirror - Reprodução/YouTube
Miley Cyrus em Black Mirror
Imagem: Reprodução/YouTube

Beatriz Amendola

Do UOL, em São Paulo

05/06/2019 10h48

"Black Mirror" assumiu um tom nitidamente mais otimista em suas terceira e quarta temporadas, abrindo espaço para episódios como "San Junipero", um adorável romance que trouxe uma rajada de frescor em meio ao futuro sombrio idealizado pelo criador Charlie. A quinta temporada da série, disponibilizada hoje, leva o novo tom um nível acima com "Rachel, Jack and Ashley Too", episódio que parece deliberadamente fugir das discussões contundentes que fizeram a fama da produção -- mas que vale ser visto pela performance de Miley Cyrus.

Em uma das mais felizes decisões de casting dos últimos anos, Cyrus interpreta Ashley O, uma cantora pop cujos passos são controlados à rédea-curta por sua tia/empresária, Catherine (Susan Pourfar). Publicamente, Ashley mantém uma imagem perfeita, incentivando seus fãs com canções cujos versos parecem saídos de livros de autoajuda, como "estou cheia de ambição e entusiasmo/Vou conseguir o que mereço"; Longe dos holofotes, porém, ela está deprimida, ansiosa para se libertar das restrições que a mantém como ídolo musical.

Em meio a esse conflito, ela lança um novo produto: Ashley Too, uma boneca com toques de Alexa (a assistente pessoal da Amazon), que personifica a cantora para interagir com os fãs. Ashley Too se torna a principal companhia de Rachel (Angourie Rice), uma adolescente tímida e sem amigos - muito para a desconfiança de sua irmã, Jack (Madison Davenport). Não é spoiler dizer que as duas tramas inevitavelmente irão se cruzar.

A história de Ashley ecoa a de Britney Spears, há anos submetida à tutela de seu pai, e também a de Cyrus. Ainda adolescente, ela alcançou o estrelato como Hannah Montana, seu alter-ego do Disney Channel, e depois rompeu radicalmente com a imagem de "menininha", num processo que teve seu ápice em uma controversa apresentação ao lado de Robin Thicke no VMA 2013. Talvez por isso mesmo a cantora e atriz pareça se divertir tanto no papel, brilhando especialmente no terceiro ato, quando faz um trabalho de voz espetacular (mais não vamos dizer, para não estragar a experiência).

É uma delícia ver o trabalho de Cyrus, mas também é inevitável não pensar nas oportunidades que Charlie Brooker perde ao longo de "Rachel, Jack and Ashley Too". O drama em torno das restrições impostas a ídolos pop e das formas como a tecnologia pode ser usada para explorar até a última gota de suas imagens não passa da superficialidade, assim como a relação entre Rachel e a boneca. Já o texto ferino e melancólico que se tornou quase uma marca registrada de "Black Mirror" fica, aqui, em segundo plano para dar lugar a um humor previsível.

No fim das contas, o episódio é uma experiência divertida - principalmente por causa de Miley Cyrus e da decisão inspirada de Brooker de adaptar duas músicas do Nine Inch Nails para o repertório chiclete de Ashley O. A sensação que fica, no entanto, é de que poderíamos ter visto muito mais.