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Mortes e igrejas queimadas: Filme mostra cena que levou o metal a sério demais

Diretor Jonas Akerlund no cenário de Lords of Chaos - Reprodução/Instagram
Diretor Jonas Akerlund no cenário de Lords of Chaos Imagem: Reprodução/Instagram

Maurício Dehò

Do UOL, em São Paulo

10/02/2019 04h00

"Lords of Chaos" chegou ao festival de Sundance cercado de polêmicas. Dirigido por Jonas Akerlund, um sueco vencedor do Grammy e conhecido por clipes como "Ray of Light", de Madonna, e "Paparazzi", de Lady Gaga, o longa já trata de uma cena controversa, que é o black metal norueguês. Nos anos 1990, o crescimento do gênero na Escandinávia veio acompanhado por mortes e queimas de igrejas, num movimento que levou às últimas proporções a premissa transgressora do heavy metal. Não bastasse isso, a produção desagradou as próprias pessoas que inspiraram os personagens do filme.

O black metal norueguês já foi retratado por um punhado de documentários. "Lords of Chaos" não é um documentário, mas se baseia no livro de mesmo nome, escrito por Michael Moynihan e Didrik Søderlind para contar sobre a série de crimes ocorridos no país, envolvendo bandas como Mayhem, Burzum e Emperor. Mas, para nomes como Varg Vikernes (ex-Burzum e Mayhem), Necrobutcher (Mayhem) e outros, o tom é exagerado e, em muitos momentos, o filme não passa a realidade do que se viveu na época.

O fato é que o que começou como diversão de adolescente, com os jovens noruegueses se rebelando contra a criação rígida que tiveram por meio da música e com polêmicas que poderiam ser só para vender uma imagem de durões se transformou em algo mais violento.

Varg Vikernes e o ator que o interpreta, Emory Cohen - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
Varg Vikernes e o ator que o interpreta, Emory Cohen
Imagem: Reprodução/Instagram

Varg Vikernes é uma das peças centrais da trama - e um dos que mais estão reclamando. Ele chegou a definir o ator que o interpreta como "um gordo judeu", antes de espinafrar Akerlund e o roteiro do longa. Vikernes foi o criador e faz-tudo do Burzum, tocou baixo no Mayhem e ficou bem mais conhecido por seus crimes: foi condenado por incendiar igrejas e por assassinar outro integrante do Mayhem, o guitarrista Euronymus. 

Condenado a 21 anos de prisão, ficou 14 anos recluso e teve concedida liberdade condicional. Hoje, mora na França, em uma região isolada, e tem um canal no Youtube em que fala de natureza, mitologia nórdica e, claro, black metal.

"'Lords of Chaos', tem um ator judeu e gordo me interpretando. A propósito, eu sou escandinavo... O ator judeu e gordo diz coisas que nunca falei. Recebeu coisas que nunca recebi. Fez coisas que eu nunca fiz. Fez coisas por razões que eu nunca tive. Conheceu pessoas que eu nunca ouvi falar. Se eles realmente pesquisaram sobre a história, eles devem ter ignorado tudo o que acharam e optaram por inventar uma história. Tudo nesse filme está errado", disse Varg, em um de seus vídeos.

Jonas tem um histórico ligado ao metal. Ele é creditado como baterista do Bathory entre 1983 e 1984, uma banda seminal no metal extremo. Depois de fazer fama na cena pop, ele retomou seu gosto por metal em parceria com a Vice para "Lords of Chaos" - algo como os senhores do caos, em tradução livre.

Como é de se esperar, e como se vê no trailer, "Lords of Chaos" trata-se de um filme voltado para o grande público e que claramente traz licenças poéticas para dar toques de violência, humor e até romance na trama. 

"Eu acho que as pessoas esperavam que eu faça um filme muito obscuro, mas meu foco era nos personagens e no relacionamento entre eles, a parte emocional do que aconteceu, o que sinto que é muito importante", disse Akerlund, à "Rolling Stone". Segundo o diretor, eles estiveram em contato com os familiares dos personagens que morreram e são retratados no filme, para tentar garantir um roteiro correto.

Dead - Reprodução - Reprodução
Dead, que foi vocalista do Mayhem
Imagem: Reprodução

Além de tratar do assassinato de Euronymus por Varg - motivado por desavenças entre eles e culminando em Euronymus sendo esfaqueado pelo ex-companheiro de banda -, o longa mostra a história do excêntrico Dead, que foi vocalista do Mayhem. Ele tinha mania de se automutilar e uma curiosidade mórbida pela morte. Acabou se suicidando. Além disso, seu corpo foi encontrado por Euronymous, que tirou uma foto do cadáver - e a imagem grotesca virou capa de um bootleg da banda.

Necrobutcher, baixista que estava na cena durante todo este tempo e que segue no Mayhem, não gostou nada quando soube do projeto. "O que me deixa puto é gente querer fazer um filme sobre nossa vida sem ao menos nos consultar. Me disseram para ler o roteiro antes de liberar músicas do Mayhem para serem usadas e, depois de ler, posso dizer que é uma merda, longe da realidade e eu disse 'não' para qualquer colaboração. Esse filme deveria ser ignorado", afirmou o músico, à "Slug Magazine".

O Metallica não ignorou

O Metallica pode parecer não ter nada a ver com isso tudo, afinal, sequer toca black metal. No entanto, a banda entrou no assunto por conta de um videoclipe.

Na época do lançamento de seu último álbum, "Hardwired... To Self Destruct", todas as faixas ganharam clipes. A escolha para a canção "ManUNkind" foi de usar cenas de "Lords of Chaos", principalmente a que recria um show do Mayhem, com os artistas com rostos pintados e sangue. Assista ao clipe:

As polêmicas do filme

Suicídio
Uma das tragédias da cena do black metal norueguês foi a morte de Dead aos 22 anos. Ele se suicidou com um tiro de espingarda, após três anos à frente dos vocais do Mayhem e antes de a banda lançar seu primeiro álbum. Não bastasse a morte, o guitarrista Euronymus tirou fotos do seu cadáver e a imagem acabou virando capa de um bootleg do Mayhem.

Assassinatos
O assassinato mais marcante da cena norueguesa foi o de Euronymous por Varg Vikernes. Apesar de serem parceiros de banda, eles se desentenderam - Varg diz que Euronymous planejava matá-lo com requintes de crueldade - e durante uma altercação física o guitarrista foi morto a facadas. Outro assassinato envolveu Faust, então baterista do Emperor, que esfaqueou um homossexual em uma rua da cidade de Lillehammer, foi preso e condenado pelo crime.

Queima de igrejas
A primeira metade da década de 1990 teve contabilizados cerca de 50 ataques a igrejas. Todos os casos que foram solucionados contavam com integrantes da cena black metal nos crimes. Os casos eram tratados com orgulho pelos autores e até hoje ajudam a construir a imagem de blasfêmia do estilo - a ponto de igrejas que foram queimadas terem fotos usadas em capas de álbum, como "De Mysteriis Dom Sathanas", do Mayhem.

Por onde andam as bandas

Mayhem
A banda segue na ativa. Teve diversas trocas de integrantes e os mais antigos que se mantém são o baterista Hellhammer e o baixista Necrobutcher. O álbum mais recente de inéditas foi "Esoteric Warfare" (2014) e o Brasil é um dos países com datas garantidas nas turnês do grupo.

Burzum
Banda de um homem só de Varg Vikernes, ajudou a criar o som típico do black metal - sujo e com equipamentos de má qualidade para dar um clima sombrio. Com o decorrer dos anos, Varg perdeu o interesse em fazer discos de black metal, realizou alguns trabalhos mais leves e instrumentais, mas acabou anunciando o fim do Burzum

Emperor
Uma das bandas mais importantes da cena, viu-se em encrenca com a prisão de Faust, mas continuou na ativa até 2001, quando lançou seu último disco, "Prometheus". Desde então, teve apenas reuniões para shows, inclusive com Faust, já solto, na bateria.