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"Mandy" traz o melhor de Nicolas Cage em filme de vingança romântico e psicodélico

Em "Mandy", atuação de Nicolas Cage vai do mais contido ao ápice do surtado em menos de 2h - Divulgação
Em "Mandy", atuação de Nicolas Cage vai do mais contido ao ápice do surtado em menos de 2h Imagem: Divulgação

Eduardo Pereira

Do UOL, em São Paulo

06/11/2018 04h00Atualizada em 05/07/2020 19h46

Se os anos 1990 foram os responsáveis por gravarem de vez o nome de Nicolas Cage na história de Hollywood, com o sucesso do oscarizado "Despedida em Las Vegas", e do triplo mergulho no cinema de ação em "A Rocha', "Con Air" e "A Outra Face", agora é uma visita aos anos 1980 que resgata o ator de um mar de produções de baixo orçamento esquecíveis.

"Mandy", o segundo e mais novo filme escrito e dirigido pelo diretor ítalo-canadense Panos Cosmatos ("Além do Arco-Íris Negro"), mergulha Cage em um banho de luz neon, referências místicas e heavy metal, criando uma versão alucinógena do ano de 1983 (cabalístico para o diretor, pois marca o início de sua paixão pelo cinema) para provar que histórias de vingança ainda podem ser contadas de forma inovadora. De quebra, ainda dá pano para a discussão de questões como a quebra do conservadorismo, fanatismo religioso, toxicidade masculina e o consumo de drogas.

No filme, Cage encarna Red, um lenhador que mora com sua esposa, Mandy (Andrea Riseborough, de "Black Mirror"), em uma isolada casa na floresta. Ela é artista visual, e divide seu tempo entre ilustrações e a loja de beira de estrada que mantém com o marido. Entre conversas bem-humoradas durante a noite, e confissões de pecados e traumas passados durante a tarde, o casal carrega uma vida pacata que é brusca e tragicamente interrompida.

A responsabilidade pela tragédia recai sobre os ombros de Jeremiah Sand (Linus Roache, de "Law & Order"), uma figura messiânica armada com um hipnótico carisma e uma visão distorcida do cristianismo, que usa tais armas para conquistar apaixonados asseclas. Depois que sua caravana cruza caminhos com Mandy, ele decide fazer uso de um misterioso e sinistro artefato para invocar um apoio sobrenatural, ordenando a abdução da artista - e dando início à danação de Red.

Panos usa essa premissa simples para pesar no surrealismo, quebrando convenções de filmes do subgênero "thriller de vingança". "Mandy" é dividido em três capítulos, narrando sua história sem pressa e com recursos visuais variantes em temática e tom. Num primeiro terço, tudo em tela é colorido, quente e em movimento, quase como se os atores se apresentassem dentro de uma psicodélica lâmpada de lava. Conforme a história progride, entretanto, tudo se torna mais sombrio, cru e monocromático, mesmo com a adição de trechos animados num estilo reminiscente (não por acaso) à lendária revista "Heavy Metal".

No terceiro e derradeiro capítulo, quando enfim o título do filme é exibido em tela (sim, após mais de 1h de projeção), Cage assume de vez o comando do filme, centralizando toda a atenção pelo restante da história e navegando por todos os extremos que caracterizaram suas atuações mais memoráveis. Numa das cenas mais insanas, o ator ataca um agressor sem dó nem piedade, recriando golpes de Bruce Lee enquanto grita, desafinado: "Você arruinou minha camisa".

Equilíbrio e versatilidade

Reduzir o trabalho do ganhador do Oscar a isso, entretanto, é cair no mesmo erro que se comete ao resumir o ator a meme, quando trata-se de um artista diferenciado. Se o final de "Mandy" funciona ao romper com a cadência de seu início, assumindo um ritmo acelerado e uma estética ultraviolenta digna de um bom slasher, é muito graças às atuações precisas e contidas que Cage e Risenborough apresentam num primeiro momento, mais próprias de um filme romântico de arte.

Mais importante ainda, é essa flexibilidade que sedimenta o investimento emocional do espectador num sonho psicodélico de amor, fazendo que não só os personagens em tela, mas também quem vê de fora, sintam a dor e a tragédia retratadas, a partir dali, até muito tempo depois do sangue parar de jorrar. Originalidade e eficiência andando de mãos dadas.

Não bastasse tudo isso, ainda marca o último trabalho do compositor Jóhann Jóhannsson ("A Chegada", "Sicario"), morto em fevereiro após uma overdose acidental. O que se ouve surpreende tanto quanto o que se vê, numa mescla de trilha sonora própria ao cinema horror oitentista com riffs e frases musicais características do mais pesado rock and roll.

Ainda sem perspectiva de integrar o circuito comercial brasileiro de cinema, "Mandy" pode pintar nas telonas por aqui em festivais e exibições especiais. Vale muito a pena manter-se atento à oportunidade, já que é um filme que merece ser visto e ouvido na tela grande, com o melhor áudio disponível.

"Mandy" ainda não tem previsão de estreia no Brasil.