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Executiva de gravadora revela abusos e "jabá sexual" com artistas

Dorothy Carvello com Jon Bon Jovi e Sebastian Bach - Arquivo Pessoal/Divulgação
Dorothy Carvello com Jon Bon Jovi e Sebastian Bach Imagem: Arquivo Pessoal/Divulgação

Osmar Portilho

Do UOL, em São Paulo

01/11/2018 04h00

Hollywood foi sacudida em outubro de 2017 com as denúncias de assédio sexual contra o produtor Harvey Weinstein. A comoção levou ao movimento #MeToo e inúmeros casos têm surgido até hoje. Enquanto a indústria cinematográfica segue sendo sacudida com o assunto, uma pessoa tenta jogar um pouco de luz sobre outro setor do showbiz: a música.

Dorothy Carvello trabalhou muitos anos como executiva da Atlantic Records diretamente com o presidente e fundador da gravadora, Ahmet Ertegün. Neste ano, ela lança o livro "Anything for a Hit: An A&R Woman's Story of Surviving the Music Industry" ("Tudo por um hit: A história de uma mulher sobrevivendo na indústria musical", em tradução livre), onde narra diversas histórias envolvendo abuso sexual, egoísmo, drogas e toda a toxicidade que encontrou no setor ao longo dos anos.

Em conversa por e-mail com o UOL, Dorothy lamentou que os mesmos procedimentos que vieram à tona em Hollywood ainda sigam obscuros nos bastidores da indústria musical.

A música ainda não viveu um grande momento #MeToo como a indústria do cinema com a prisão de Harvey Weinstein. Eu acredito que as mulheres ainda tenham medo de sofrer represálias. Algumas delas têm bons empregos e temem perdê-los.

Capa do livro "Anything for a Hit", de Dorothy Carvello - Reprodução - Reprodução
Capa do livro "Anything for a Hit", de Dorothy Carvello
Imagem: Reprodução

Em seu livro, Dorothy relata passagens onde executivos pediam brinquedos sexuais em seus escritórios enquanto recebiam sexo oral durante um momento ocasional onde assinavam papéis. "Anything for a Hit" conta sob seu olhar um mercado sem nenhum tipo de escrúpulo. Embora a publicação tenha diversos relatos dos bastidores mostrando a influência de artistas e homens poderosos da indústria, são poucos os nomes citados pela autora, que optou por não entrar no campo das acusações.

Quando foi contratada pela gravadora de Ahmet, diz que se sentiu "entrando em um set de filme pornô" em entrevista para a Rolling Stone americana. "Sempre escrevi diários enquanto trabalhava na Atlantic porque sabia que as coisas que aconteciam lá eram loucas. Eu sabia que estava em uma posição única como mulher por trabalhar com homens 'icônicos' no mundo da música".

"Tenho sentimentos misturados da época que trabalhei lá. Era algo ótimo viver meu sonho, mas por outro lado eu estava sendo abusada. Eu não fazia ideia do trauma pelo qual estava passando até começar a trabalhar em outros lugares. Minha vida pessoal sofreu muito. O ritmo da Atlantic era frenético e eu acompanhei", afirmou.

Sororidade? Nem pensar.

O movimento #MeToo tem fortalecido a aliança entre as mulheres com o objetivo de denunciar e eventualmente evitar que novos casos de abuso na indústria do cinema aconteçam. Dorothy era uma das poucas executivas que trabalhavam no setor de gerenciamento de artistas. Para ela, não existe nenhum apoio entre as mulheres que estão nesse meio, situação que definiu como "desalentadora".

"Até agora com o alcance do meu livro, 90% dos homens do setor estão apoiando a causa. Nenhuma das mulheres que trabalham no mercado musical se manifestou. Esse é um problema muito grande".

As histórias de Dorothy em seu livro não contemplam somente o ambiente executivo das gravadoras. Convivendo de perto com grandes artistas, ela viu grandes nomes da música vivendo sob um regime que define de "jabá sexual".

"Mulheres artistas regularmente são sujeitadas ao 'jabá sexual' por executivos de gravadoras. Fica implícito que após o ato sexual seus discos irão receber tratamento favorável. Essas mulheres ficam relutantes em falar sobre isso por achar que isso é sexo consensual e por boa parte desses homens serem casados. No entanto, se ele é um CEO e tem controle sobre a carreira dela, isso não pode ser consensual. Artistas são empregados de uma companhia e esta é uma forma de assédio sexual".

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Vito Bratta, do White Lion, e Steven Tyler, do Aerosmith, com Dorothy noHawaii em julho de 1988 - Instagram/Reprodução - Instagram/Reprodução
Vito Bratta, do White Lion, e Steven Tyler, do Aerosmith, com Dorothy noHawaii em julho de 1988
Imagem: Instagram/Reprodução

"Tive que aceitar tudo o que aconteceu comigo"

Com o livro lançado, Dorothy diz que tenta viver sem arrependimentos, mas que a publicação serve para mostrar para os jovens como o mercado musical, um sonho de muitos, pode ser nocivo e tóxico.

"Eu queria escrever para jovens mulheres que estão entrando no mercado", conta ela. Em uma das passagens do livro, a autora lembra que estava em um elevador quando dois colegas simplesmente "baixaram sua saia". "Os homens faziam o que queriam".

É possível que "Anything for a Hit" seja um estopim para que alguns casos sejam expostos na indústria musical. Dorothy, que acertou a produção do livro em abril de 2017, meses antes do #MeToo explodir, não é muito otimista sobre possíveis mudanças no fechado mundo das gravadoras. 

"Houve poucas demissões de homens na indústria musical. Ainda é a mesma coisa. Três homens brancos britânicos controlam as gravadoras. Não há mulheres e nem pessoas de cor nestes empregos. Isso tem que mudar".

Ainda sem previsão de ganhar uma versão em português, "Anything for a Hit", fica como um encerramento de ciclo para Dorothy, que prefere reviver suas histórias e traumas como forma de lição, e não de lamento.

"Quando uma pessoa envelhece e aprende com os erros da vida, é claro que há eventos que desejamos poder voltar e refazer. Porém, eu tento viver minha vida sem arrependimentos. Eu sempre estou de olho no próximo capítulo".