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Como o maior hit do Kings of Leon sugou a alma da banda e apagou o indie rock

Rick Diamond/Getty Images
Imagem: Rick Diamond/Getty Images

Osmar Portilho

Colaboração para o UOL

20/09/2018 04h00

O início dos anos 2000 era de pura de efervescência para o rock. "Is This It" (2001), do Strokes, abriu caminho para o gênero se tornar "cool" de novo entre os jovens. Os anos seguintes foram tomados por lançamentos e hits de The Killers, Yeah Yeah Yeahs, Franz Ferdinand e Kings of Leon. Esta última, composta pelos irmãos -- e um primo -- da família Followill, é apontada por um artigo publicado na NME como responsável pelo início da derrocada dessa crescente que teve o indie rock naquela década.

Para se nomear todos devidamente, o autor do post, Thomas Smith, dá nome e data para cravar quem seria o vilão dessa história: "Only by the Night", lançado em 19 de setembro de 2008 na Europa e poucos dias depois nos Estados Unidos.

"Only by the Night" vendeu mais de seis milhões de cópias ao redor do mundo. Em especial, dois hits contribuíram para o Kings of Leon alçar seu voo mais alto no mainstream: "Sex on Fire" e "Use Somebody", ambas tocadas exaustivamente nas rádios. Longe daquela imagem caricata de "caipiras roqueiros" que apresentaram lá em 2003 com "Molly's Chambers", o quarteto tinha repaginado não só seu visual, mas seu som. Saem os bigodes e franjas, entram refrãos fáceis de serem lembrados. Agora eles tinham repertório suficiente para se manter no topo das paradas e nas melhores posições dos festivais.

Como estes números incríveis podem significar algo ruim?

A reação de alguns fãs de longa data em tachar uma banda de "vendida" é historicamente natural no rock, mas este é um caso peculiar e muito representativo para toda a geração de bandas da época. Johnny Borrell, vocalista do Razorlight tem uma frase sobre o sucesso do Kings of Leon:

'Sex on Fire' foi o ápice, a morte e o aterro sanitário onde todo o indie foi parar de uma vez só

Desde "Only by the Night", o Kings of Leon lançou mais três álbuns: "Come Around Sun Down" (2010), "Mechanical Bull" (2013) e "WALLS" (2016). Nenhum repetiu o sucesso absoluto do disco de 2008.

Conversando com a Rolling Stone em 2010, Caleb Followill refutou esta "traição" ao mundo underground do indie rock. "Todos falam isso e aquilo sobre indie, mas você realmente quer ser uma daquelas bandas que fazem dois discos e desaparecem? Isso é triste".

Marcado por ser um gênero independente -- daí a origem da palavra indie --, esta geração havia flertado com o sucesso mundial e queria mais.

Fase turbulenta

As turnês seguintes tiveram alguns episódios problemáticos para o quarteto, que agora era desfrutava da vida de headliner em grandes festivais. Em 2009, a relação com os fãs estremeceu. Ainda durante um show no festival Reading, Caleb sentiu o público o um pouco desinteressado na apresentação. "Espero que essas músicas esquentem vocês. Precisamos disso".

No Twitter, o baterista Nathan foi um pouco mais objetivo. "Reading? Que p*** foi essa? Zero amor para os Kings. Eu sei que estava frio, mas vocês estavam congelados", escreveu. Posteriormente, eles pediram desculpas. "Nós descontamos nas pessoas. Foi tudo nossa culpa", disse Caleb.

Este foi apenas um dos episódios que marcariam os anos seguintes, incluindo alguns shows cancelados e até um abandono de palco, quando o vocalista disse: "Vou aos bastidores por um segundo. Vou vomitar. Para que conste, não estou bêbado. É porque está muito quente". Ele não voltou.

1°.nov.2014 - Kings of Leon se apresenta no  - Reinaldo Canato/UOL - Reinaldo Canato/UOL
Kings of Leon durante show no Circuito Cultural Banco do Brasil 2014 no Campo de Marte, em São Paulo
Imagem: Reinaldo Canato/UOL

Vida depois de um hit

"Havia certamente uma tensão interna. Nós éramos chamados constantemente de vendidos depois de 'Sex on Fire'", disse Jared ao Metro, em 2013.

"Come Around  Sundown" (2010) foi um sucesso comercial, mas passou longe de agradar os fãs antigos e muito menos a crítica especializada, ambos que sempre tiveram uma boa relação com o Kings of Leon.

Na NME, a resenha de Luke Lewis diz: "É um disco de rock moderno tão desesperado em mostrar sua autenticidade que esquece de nos emocionar".

Formada em 2000, o grupo dava não só demonstrações de cansaço, mas também de afastamento entre eles. "Quanto mais famosos ficávamos, nós começamos a ter os próprios veículos e nos encontrávamos uma hora antes do show. Nós fomos muito longe nessa direção. Se você não for amigo ou família você não pode estar em uma banda, ou pelo menos nesta banda", explicou Jared em 2016 ao site da NME.

Em 2013 e 2016, "Mechanical Bull" e "WALLS", respectivamente, provaram que o flerte do quarteto com o mainstream tinha partido para um relacionamento estável, mas sem aquele vigor criativo e fôlego renovador que a banda trouxe para seus "rivais" no início dos anos 2000. "Waste a Moment" toca nas rádios? Toca. Mas onde está aquele Kings of Leon cheio de personalidade?

"Nós fizemos o que sabíamos que iria funcionar e está tudo bem. Mas havia uma sensação do tipo 'OK, nós precisamos mudar algo'", disse Matthew, antes do lançamento de "WALLS".

Já Caleb, em entrevista ao Evening Standard, em 2017, seguiu com esse sentimento de inércia do Kings of Leon. "Chegamos em um ponto que não estamos mais 'olhando por cima dos nossos ombros'. Desde que a gente não f*** tudo, teremos uma longevidade para nós".

"Only by the Night" deu o gostinho de sucesso que não só o Kings of Leon almejava, mas que boa parte daquela cena mirava. No entanto, o preço pode ter sido alto demais. Alto o suficiente para desmantelar uma cena inteira. Aqueles que um dia foram chamados de "salvadores do rock", hoje parecem inertes.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do que foi publicado na primeira versão do texto, "Molly's Chambers" não é de 2009, e sim de 2003.