Topo

"Pareço um bolo confeitado", diz Penélope Cruz sobre viver amante de Escobar

Penélope Cruz e Javier Bardem em cena de "Escobar: A Traição" - Divulgação
Penélope Cruz e Javier Bardem em cena de "Escobar: A Traição"
Imagem: Divulgação

Bruno Ghetti

Colaboração para o UOL, em Veneza (Itália)

26/08/2018 04h00

Na década de 1980, a jornalista colombiana Virginia Vallejo, muito famosa em seu país, viveu por anos um tumultuado romance com Pablo Escobar, então o traficante mais poderoso do planeta. Detalhes do amor-bandido foram revelados em 2007 no livro “Amando Pablo, Odiando Escobar”, que agora ganha versão cinematográfica, com o título no Brasil de “Escobar: A Traição”. No longa, que estreia nesta quinta-feira (23), os amantes são vividos por Penélope Cruz e Javier Bardem, marido e mulher na vida real.

A trama começa em 1993, ano da morte de Escobar, com Virginia sendo escoltada para fora da Colômbia sob proteção do governo dos Estados Unidos. A partir daí, em um longo flashback, conhecemos como ela chegou àquela situação – o filme narra detalhes do perigoso romance, marcado por um Escobar que comprava joias caríssimas para Virginia (com dinheiro sujo de sangue e cocaína), mas que também a colocava em situações de risco de vida.

Dirigidos pelo espanhol Fernando Léon de Aranoa, Bardem e Penélope surgem em cena com uma caracterização que busca ser o mais fiel possível ao aspecto físico de Escobar e Virginia. Ou seja: ele usa uma prótese que o deixa com uma respeitável barriga, enquanto ela se veste com o que de mais extravagante a moda (já naturalmente extravagante) dos anos 1980 podia oferecer.

“Às vezes, eu ria de mim mesma. Pensava: ‘Pareço um bolo confeitado!’”, diz Penélope, 44, ao UOL, em entrevista concedida no último Festival de Veneza. “Se pusessem mais uma coisinha sobre mim, aí talvez eu virasse mesmo era uma árvore de Natal”, ri a atriz.

Mas as brincadeiras param por aí: Penélope soube desde o início que, para esse papel, seria preciso respeitar ao máximo sua personagem. Mesmo discordando de suas atitudes. “Virginia não era uma ingênua: sabia grande parte do que acontecia nos negócios do amante, embora talvez não soubesse por completo que estava se metendo em problemas. Mas não cabe a mim julgá-la”, diz Penélope.

“Procurei sobretudo compreendê-la, seu tipo de mente, o que a levava a tomar as decisões que tomou. Entender o que a fez se envolver com um homem como aquele, mesmo que o Pablo que ela conheceu no início não fosse o mesmo que ela veria cinco ou dez anos mais tarde.”

Pablo Escobar foi famoso pela violência que usava em sua busca por ampliar os negócios da cocaína. Por outro lado, podia ser afetivo com amigos e familiares, além de generoso com comunidades carentes colombianas: foi muito pobre e sabia o que era passar necessidade. Era uma figura marcante, e não à toa sua história já foi algumas vezes adaptada para a ficção, como na série “Narcos”, estrelada pelo brasileiro Wagner Moura.

Essa combinação entre perigo e doçura foi, também, o que mais cativou Virginia. “Ela diz no livro que não se importava em como ele fazia dinheiro, mas na maneira como o usava. No caso, ela o via construindo residências para pessoas necessitadas, então optou por não ir muito fundo em descobrir de onde vinha todo aquele montante. Ela decidiu simplesmente embarcar no relacionamento”, explica Penélope.

Virginia hoje tem 68 anos e vive uma rotina tranquila em Miami, mas a atriz conta que preferiu não conhecê-la pessoalmente. “No futuro, talvez, mas enquanto estivesse trabalhando no filme, achei por bem não encontrá-la. Havia muitas questões às quais eu não gostaria de responder, sobre como eu faria essa cena ou aquela. Fiz tudo com bastante respeito, mas ao mesmo tempo jamais idealizei essa personagem.”

A atriz reconhece que viu muitos vídeos de entrevistas da excêntrica Virginia, mas jura que seguiu a própria intuição para interpretá-la. “O que eu faço não é uma imitação. É preciso sempre uma certa liberdade para trabalhar a essência de uma personagem. Porque isso é o mais importante: chegar à essência.”

Dividir a cena com quem tem total intimidade certamente deve tê-la ajudado. Penélope conheceu Bardem quando ela estreava no cinema, na comédia “Jamón, Jamón” (1992), do espanhol Bigas Luna. Mas a amizade só virou romance bem depois, quando ambos já estavam em Hollywood: no set de “Vicky Cristina Barcelona” (2008), de Woody Allen, que renderia à espanhola em 2009 o Oscar de melhor atriz coadjuvante. No ano anterior, Javier já havia levado o troféu também na categoria de coadjuvante, por “Onde Os Fracos Não Têm Vez”. Segundo Penélope, as duas estatuetas ficam guardadas perto uma da outra, na casa dos dois.

“Na verdade, não acho que algo como o Oscar possa mudar uma carreira drasticamente. Mas ajuda: é certamente algo bom. Continuo recebendo ofertas que me agradam, com grandes personagens, em histórias variadas”, diz, de certo modo resumindo o que se passa também na atual carreira do marido.

“Quando fiz ‘Jamón, Jamón’, chorei no fim das filmagens porque achava que poderia ser a última vez que algo assim aconteceria comigo. E quando fui aos EUA fazer meu primeiro filme, tinha tempo certo para ficar. Mas aí veio outro filme, e mais outro, e outro... Percebo que o que vivo é uma continuação desse processo”, diz a atriz, com ar de satisfação. E, modesta, conclui: “Sinto-me sortuda e abençoada”.