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"Queermuseu" no Rio tem 1º dia com recorde de público, protesto e proibições

Carolina Farias e Taís Vilela

Do UOL, no Rio

19/08/2018 04h00

O primeiro dia da exposição "Queermuseu: Cartografias da Diferença na Arte Brasileira", aberta neste sábado (18) no Rio de Janeiro, foi agitado, com filas imensas, dos mais diversos públicos, interferência da Justiça e protestos de grupos de radicais religiosos.

O Parque Lage, que abriga a mostra, teve recorde de público, com 5.000 visitantes, de acordo com estimativa de Fábio Szwarcward, diretor-presidente da EAV (Escola de Artes Visuais), que funciona no palacete-sede do parque.

"A fila é a resposta. Demonstra a vontade do carioca de ver uma exposição e principalmente essa, que foi tão censurada de maneira injusta", disse Fábio, lembrando do fechamento antecipado da "Queermuseu" em Porto Alegre 11 meses atrás. A mostra sobre representatividade LGBT foi realizada no Santander Cultural de Porto Alegre e, um mês depois da abertura, foi cancelada após protestos de grupos conservadores que atacaram o conteúdo como imoral, ofensivo a crença favorável à zoofilia e pedofilia.

No Rio, para ver as obras, foi necessário enfrentar em média 1 hora e meia de fila. Mas ansiedade pela mostra, gerada pela polêmica após a censura do ano passado, também fez o público não desistir e pegar o filão.

"Valeu a pena. Qualquer expressão artística é interessante. Tem que se esforçar um pouco que seja para participar", disse a estudante Camilly Andrade, 25, após ver as obras, que para ela não tinham conteúdo imoral ou ofensivo. "A agressividade está em nossa mente. O que fazem com o corpo é que é agressivo. Precisamos encarar nosso corpo sem agressividade, como uma coisa normal, todos nós temos".

De Niterói, na região metropolitana do Rio, o médico Renato Moura, 28, foi com um grupo de amigos ver a exposição. "Me surpreendeu o conteúdo das obras, algumas que fazem refletir. Ver o contexto Queer abordado de forma tão sutil. Tem um contexto de questão histórica que temos com a aceitação da liberdade de gênero e sexual no país. Precisávamos discutir isso através da arte", afirmou.

Notificação da Justiça

Antes das filas pacíficas, a exposição enfrentou uma manhã turbulenta com a chegada de uma notificação da Justiça informando sobre uma liminar (decisão provisória). A determinação, expedida na noite de sexta-feira, impede a entrada de menores de 14 anos mesmo acompanhado dos pais e permite os de idade de 14 e 15 acompanhados dos pais. Aos de 16 para cima a entrada é livre. A justificativa é de que a mostra contém "nudez e conteúdo sexual".

Inicialmente, o Ministério Público havia apenas recomendado a afixação de cartazes e determinou que fossem colocados cartazes na entrada informando que a mostra "não é recomendada a menores de 14 anos desacompanhados dos pais ou responsáveis". "Tabus somos nós que criamos. A criança é aberta. É só explicar que é um ambiente [propício], que tem um contexto", disse, frustrada, a produtora-executiva Raquel Leiko, 42, que teve que explicar para a enteada e a sobrinha que elas não poderiam ver a exposição.

Obra "Cena Interior 2" da artista carioca Adriana Varejão - Eduardo Ortega/ Acervo Atelier Adriana Varejão - Eduardo Ortega/ Acervo Atelier Adriana Varejão
Obra "Cena Interior 2" da artista carioca Adriana Varejão
Imagem: Eduardo Ortega/ Acervo Atelier Adriana Varejão

Até o próprio diretor-presidente da EAV foi pego de surpresa. Ele levou os filhos, Mark, 9, e Ben, 11, para verem o trabalho que o pai ajudou a fazer. "É frustrante. Eles estavam querendo ver a exposição. Já tinha mostrado o catálogo, estavam na maior expectativa. É uma pena eles participarem dessa importante manifestação contra a censura e serem censurados. Eles já foram em outras exposições com quadros de nu e sexo. É a forma como você educa e olha a obra de arte", afirmou Szwarcward, que disse que a curadoria da mostra entrou na Justiça para derrubar a liminar.

Outra turbulência enfrentada antes da abertura, marcada para as 11h, mas que acabou acontecendo às 13h, foi um protesto de integrantes de organizações religiosas e do MBL (Movimento Brasil Livre). Com cartazes e gritos, eles usaram o evento de abertura para atacar a mostra, porém, com tom mais moderado.

"Não somos contra a exposição toda, mas somente algumas obras ofensivas, que atacam os cristãos, como um Jesus de dez braços ou um homem negro sendo currado", disse o empresário Eduardo de Oliveira, diretor-geral da Igreja Cristã Mundial no Rio de Janeiro, sobre as obras "Cruzando Jesus Cristo com Deusa Schiva", de Fernando Baril, e "Cena de Interior", de Adriana Varejão.

Para acompanhar o público na mostra e dar orientações sobre as obras, a "Queermuseu" escalou um time de monitores, todos de identidade LGBT, como Naomi Savage Sabino, 37. "Se alguém tem alguma dificuldade de entender sobre trans, tem a possibilidade de falar com a gente. Nós mesmas damos voz ao que somos. As obras não estão retratando a religião. Usa imagens, como a de Jesus, mas não está falando de religião. Abre possibilidades para olhar para um Deus com diversos braços e desse Deus você montar seu Deus. Somos todos diferentes", explicou a monitora.

Desavisados

Com beleza exuberante de mata nativa, mesclada com a construção do palacete do século 19, onde funciona a EAV, o Parque Lage é frequentado por um público bem eclético. Dos moderninhos e ligados às artes, que frequentam festas e o café da sede, aos que usam o gramado para piqueniques, selfies e até fotos de noivas e mulheres grávidas.

É fácil acesso para quem vai de ônibus e tem estacionamento. A entrada é gratuita, que o deixa mais atrativo. Avessos ao burburinho, que contou com shows e música tocada por DJs, alguns visitantes nem sabiam o que era "Queermuseu". "Moro na Tijuca, tão perto, e nunca vim aqui. Mas é lindo, não me decepcionei", disse a enfermeira J., 27, que não sabia sobre a exposição. "Vim para comemorar o aniversário da minha namorada", afirmou.

O casal Renato e Fernanda Nunes, de 27 e 23 anos, também era novato no lugar e não sabia sobre a exibição. "Sou motorista de aplicativo e sempre trouxe passageiros aqui, mas nunca entrei", disse ele. "É bem bonito, podemos voltar", disse Fernanda.

Sobre a exposição, eles diziam não estar interessados e opinaram sobre o conteúdo quando informado pela reportagem. "Respeito a diversidade, mas sou contra os gays. Exposição [de corpos nus], só se for para maiores de 18 anos", afirmou Renato, seguido pela mulher. "Respeito, mas não me atrai", disse a jovem, que como o marido, é da Igreja Adventista do 7º Dia.