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"Fuga" de hospital com bebê e solidão: Como "Paizinho" foi de blogueiro a escritor

Thiago Queiroz, o Paizinho Virgula - Reprodução
Thiago Queiroz, o Paizinho Virgula Imagem: Reprodução

Maurício Dehò

Do UOL, em São Paulo

15/07/2018 04h00

"Paizinho" pra lá, "paizinho" pra cá. Thiago Queiroz ouviu muito essa expressão há cerca de cinco anos, quando acompanhava a mulher e seu filho recém-nascido na maternidade. O tom usado por médicos e enfermeiras era depreciativo em relação ao seu papel de pai, principalmente porque a internação da família se alongava mais do que o esperado. O casal resolveu ir embora dali sem avisar ninguém. Essa "fuga" e a solidão de Thiago em seus estudos sobre paternidade mudaram sua vida. Dali, surgiu um blog, que virou canal no YouTube, workshops, podcast e agora chega ao primeiro trabalho do carioca como escritor.

Thiago, que é o criador do blog "Paizinho Virgula", lançou recentemente seu primeiro livro, "Abrace Seu Filho - Como a Criação com Afeto Mudou a História de um Pai", em que usa causos de sua vida para falar de paternidade e de tipos de criação que aplicou com seus dois filhos e que aborda desde a criação do blog.

Quando sua mulher estava grávida e o casal se encaminhou para um parto domiciliar, Thiago mergulhou em um mundo novo, querendo descobrir como ser um pai que ignorasse padrões comuns em outros tempos, como palmadas, gritos e autoritarismo, e pudesse exercer uma paternidade mais afetuosa.

Para isso, foi preciso se desconstruir. "Eu tinha uma mentalidade bem tecnicista, de ter que ir para o hospital para o parto, e foi uma desconstrução entender o que eu poderia fazer para estar ao lado da Anne e apoiar a decisão dela. Era algo diferente da minha vivência, não tinha onde achar informação, então foi um processo meio solitário", conta ele, visto como "hippie" por companheiros de trabalho pela decisão pelo parto domiciliar.

"Os primeiros textos eram mais relatos da minha experiência, iam acompanhando minha evolução na paternidade e meu aprendizado desses conceitos de criação com apego e disciplina positiva. Era algo bem pessoal, para pessoas que se identificassem, ainda mais por que anos atrás ninguém falava sobre paternidade", adiciona Thiago. A ideia do livro é dar continuidade a isso, sempre alcançando novos públicos e conseguir furar a "bolha" e atingir quem nunca ouviu falar sobre isso.

A "fuga" da maternidade

O filho Dante nasceu na casa de Thiago e Anne. Mas um problema de placenta retida acabou fazendo com que a mãe tivesse de ser transferida para o hospital, levando, consequentemente, o bebê. Por lá, Dante acabou sendo retido, por um suposta icterícia. Thiago, por conta própria, começou a ler sobre o problema e achou que os cuidados eram exagerados.

thiago - Reprodução - Reprodução
"Abrace Seu Filho" é o primeiro livro de Thiago Queiroz, escrito em intervalos para o almoço e madrugadas
Imagem: Reprodução

"Comecei a discutir, mas ninguém falava comigo. Disseram: 'Seu filho vai ficar retardado'", relembra Thiago, sobre as ameaças sofridas quando tentava uma alta. "Até que a gente falou: 'Vamos fugir daqui'. Pegamos o Dante, a Anne foi tomar um banho e saímos do quarto de noite".

A fuga não aconteceu, de fato. Quando médicos e enfermeiras perceberam a saída, tentaram impedir, mas, confrontados pelo casal, acabaram concordando em assinar a alta.

Chamado de "paizinho" naquele momento, Thiago queria responder com um palavrão. "Paizinho uma ova", pensava ele. E isso, em uma versão mais educada, acabou virando o nome do blog, Paizinho Vírgula.

Para papais ou mamães?

Abordar criação com apego e disciplina positiva se mostrou um caminho de sucesso para o blog. Havia demanda. Mas, no começo, não era a que Thiago esperava. Em vez de falar para os pais, o Paizinho Virgula falava para mães. Muitas marcavam seus companheiros, e a mensagem até chegava aos homens, mas em um movimento ainda lento.

Isso continuou com suas iniciativas seguintes, como youtuber e em workshops, que ainda tinham uma incidência feminina maior. O jogo mudou quando foi para uma plataforma que, estatisticamente, ainda é mais consumida pelo público masculino: os podcasts.

"Eu vejo que o público é diferente em função da mídia. Isso foi um dos motivadores para eu atuar em outras áreas. No YouTube eu podia ser eu mesmo, brincar, falar o que não cabia no texto. No podcast, que faço com dois amigos pais, dá pra gente falar besteira, palavrão e tudo mais. E aí foi a primeira plataforma que tenho mais pais que mães, que os caras participam, mandam e-mails", relata o carioca.

Apesar de ser multiplataformas, Thiago ainda não consegue deixar o trabalho de engenheiro para bancar o sonho de só falar de paternidade. O que ganha vai para a produção de seus materiais, como a edição dos vídeos do YouTube e podcast. Ele ainda produz com a mulher, Anne, o podcast infantil "Coisa de Criança".

Criação com apego

O que Thiago tenta passar aos pais e mães é uma visão de que muitos mitos do passado podem ser deixados de lado. "As pessoas ainda têm muito medo de deixar a criança mal acostumada. Acham que se dá muito colo, ela vai querer só colo. Todo mundo quer uma criança independente. Mas independência é uma relação direta com segurança. Quanto mais você se sente seguro, melhor vai seguir com seus próprios passos. É preciso acolher e dar segurança emocional."

Entre os casos que vive com Dante e o outro filho, Gael --Thiago e Anne ainda esperam um terceiro bebê, uma menina--, um dos mais marcantes é um erro que viveu com Dante. Um dia, cansado e estourado, gritou com o filho para que ele escovasse os dentes. Depois, o garoto, ainda com três anos, falou: "Papai, hoje você gritou comigo. Quando você grita, eu fico triste. Não quero que você grite mais comigo". A fala o fez refletir.

"Quando que eu, com 3 anos, ia me sentir seguro com meus pais pra falar a mesma coisa? Nunca. Guardo com carinho, apesar de ser de uma grande besteira que eu fiz. É um indicativo de que estamos no caminho certo. Eu surtei, mas ele se sente tão seguro, que soube que podia falar comigo sobre o que tinha sentido", conclui Thiago.