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Em busca de João Gilberto: Filme vai atrás do pai da bossa nova e seus mistérios

Cineasta franco-suíço passeia pelo Rio em cena de "Onde Está Você, João Gilberto?" - Divulgação
Cineasta franco-suíço passeia pelo Rio em cena de "Onde Está Você, João Gilberto?" Imagem: Divulgação

Tiago Dias

Do UOL, em São Paulo

08/06/2018 04h00

A fama de gênio recluso sempre motivou repórteres, pesquisadores e fãs a empreenderem uma verdadeira odisseia em busca de João Gilberto. Seja para trocar algumas palavras, um aperto de mãos ou, quem sabe, poder ouvir o mestre tocando seu violão.

Foi em busca de um mero contato que o jornalista alemão Marc Fischer desembarcou no Rio de Janeiro há oito anos. E é o que guia o documentarista franco-suíço George Gachot em “Onde Está Você, João Gilberto?”, destaque do In-Edit Brasil, festival internacional do documentário musical, em cartaz em São Paulo até 17 de junho.

Há anos dedicando seus filmes à música brasileira, Gachot sempre teve trânsito livre entre seus objetos de estudo. Foi assim com Maria Bethânia [em "Música é Perfume"] e Nana Caymmi ["Rio Sonata”], além de “O Samba”, com Martinho da Vila como guia -- filmes que também integram a programação do festival, que homenageia Gachot nesta edição. Mas faltava João.

“Eu tentei muitas vezes, entreguei alguns presentes para ele pelas mãos da Miúcha [cantora e ex-mulher de João], para que talvez ele me ligasse um dia”, conta ao UOL. “Mas isso nunca aconteceu”.

Foi quando caiu em seu colo o livro “Ho-ba-la-lá – À Procura de João Gilberto”, lançado no Brasil pela Companhia das Letras, em que Fischer narrava em tom detetivesco sua aventura. O jornalista alemão morreu, aparentemente por suicídio, meses antes de o livro ser lançado em 2011.

João Gilberto em uma de suas últimas apresentações, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, em 2008 - Rafael Andrade/Folha Imagem - Rafael Andrade/Folha Imagem
João Gilberto em uma de suas últimas apresentações, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, em 2008
Imagem: Rafael Andrade/Folha Imagem
Tocado pela história e igualmente obcecado pela ideia de um encontro com João, Gachot refez os passos de Fischer com a ajuda da carioca Raquel, a Watson desse Sherlock Holmes alemão. “Minha ideia era fazer com que ele tocasse ‘Ho-Ba-La-La’ para mim e para Marc”, revela o diretor ao UOL.

Para isso, Gachot vai atrás de pessoas de círculos distintos. Os parceiros da bossa nova estão há décadas sem ver o músico. Um cabeleireiro, no entanto, teve mais sorte. Chamado algumas vezes para dar um tapa no visual do músico, ele conta que fez o serviço ouvindo o cliente cantarolar “Eu Vim da Bahia”.

Roberto Menescal, compositor de “O Barquinho”, repete o alerta dado ao escritor alemão anos antes: “Há algo de sombrio nele. É um cara que suga”, diz o músico, que se afastou de João em 1962.

“A Miúcha e o João Donato me disseram: ‘Presta atenção, por favor, para não acontecer a mesma coisa’. O livro me ajudou a contar a história, mas também me despertou um medo”, explica Gachot. “Marc foi muito impactado com essa ideia de que existia uma maldição em torno de João. Isso fica marcado até quando ele volta a Berlim. Você pode sentir, em algumas palavras e detalhes do livro, que ele tinha muito medo. Ele perdeu um pouco da segurança e da inteligência que ele tinha”, observa.

Miúcha lê trechos de "Ho-ba-la-lá", do escritor alemão Marc Fischer, em cena do documentário - Divulgação - Divulgação
Miúcha lê trechos de "Ho-ba-la-lá", do escritor alemão Marc Fischer, em cena do documentário
Imagem: Divulgação
Tão longe, tão perto

Como um fantasma, João aparece por todo o documentário. Está presente em capas de discos em sebos, imagens de apresentações antigas e no mítico banheiro de 5m², em Diamantina (MG), onde João teria criado a batida sincopada da bossa nova.

Em dado momento, no meio da entrevista, Miúcha atende o telefone. É João. Em outro, o empresário e amigo de longa data, Otávio Terceiro, tenta fazer a ponte para que João abra a porta para a equipe de filmagem. Algo simples, se fosse qualquer outro artista.

Se Gachot realiza ou não seu grande objetivo é uma resposta que estragaria o prazer da aventura. A pergunta-chave talvez seja outra. “Tudo é um mistério”, deixa no ar o cineasta. “O filme tem um lado documental e outro de ficção. Você não sabe o que é verdade ou que não é. Talvez seja melhor não saber exatamente."

Otávio Terceiro, amigo de longa data de João Gilberto, em cena do documentário - Divulgação - Divulgação
Otávio Terceiro, amigo de longa data de João Gilberto, em cena do documentário
Imagem: Divulgação

Presente de aniversário

Filmado entre 2015 e 2017, “Onde Está Você, João Gilberto?” foi finalizado antes das notícias de que João vivia em absoluta penúria financeira e confusão mental. Gachot lamenta. "Não seria possível fazer o filme agora. Hoje, ninguém está feliz em falar sobre João Gilberto tentar dar uma entrevista.”

Ele dá seu palpite sobre o que fez João se tornar essa figura tão misteriosa. “Ele é recluso dentro dele mesmo. É possível ele ser vítima da própria arte que ele inventou. Essa arte que é uma coisa íntima, que vem de dentro do coração, e que não pode viver se você for falar alto demais sobre isso”, observa. “Ele merece seu silêncio”.

Após a primeira exibição do filme no Brasil, na noite de quarta-feira (6), na abertura do In-Edit, Gachot conversou novamente com Miúcha. Como de hábito, sugeriu: “Seria um bom presente para João (o músico completa 86 anos no próximo domingo) mostrar o filme para ele”, disse. “Não vou falar nada, não vou gravar nada. Só para assistir mesmo."

“Essa ideia é maravilhosa”, respondeu Miúcha do outro lado da linha. “Mas a realização talvez seja complicada.”

Serviço:

“Onde Está Você, João Gilberto?” no In-Edit
08/06 - 21h - CineSesc
17/06 - 18h30 - Cinemateca Brasileira - Sala BNDES

Veja a programação completa: http://www.in-edit-brasil.com/program