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Mudança não surte efeito, e Lei Rouanet segue concentrada no Sul e Sudeste

25.jul.2017 - Sérgio Sá Leitão é cumprimentado pelo presidente Michel Temer ao tomar posse como ministro da Cultura - AFP
25.jul.2017 - Sérgio Sá Leitão é cumprimentado pelo presidente Michel Temer ao tomar posse como ministro da Cultura Imagem: AFP

Leonardo Rodrigues

Do UOL, em São Paulo

05/10/2017 04h00

Mecanismo de apoio às artes e à cultura mais conhecido do país, a Lei Rouanet mudou suas regras há seis meses. Por meio de uma instrução normativa publicada pelo MinC (Ministério da Cultura) em março, o governo visou atacar dois pontos: o alto valor pago a projetos e a grande concentração deles nas regiões Sudeste e Sul, um dos pontos da lei mais problemático e criticado por parte de produtores culturais.

Números da nova plataforma Salic mostram, no entanto, que a iniciativa ainda não surtiu o efeito desejado. Há um tímido aumento percentual de projetos no Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Apenas 13,4% das iniciativas aprovadas até aqui em 2017 vêm dessas regiões --índice inferior ao registrado há quatro anos. Centro financeiro do país, o Sudeste domina com 60% dos projetos deste ano, vindos principalmente das cidades de São Paulo e Rio.

Gráfico 2 - Excel - Excel
Imagem: Excel

A mudança fez com que os projetos integralmente realizados nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste tivessem um teto orçamentário maior, de R$ 15 milhões por projeto, contra R$ 10 milhões nas outras regiões. Também permitiu a esse proponente aumentar em 50% a carteira de projetos com incentivo e o valor total deles, podendo gastar até 30% do valor total com divulgação --antes, a cota era de 20%.

Vale lembrar o funcionamento da Lei Rouanet: o governo federal permite que empresas e pessoas físicas descontem do Imposto de Renda valores diretamente repassados a iniciativas culturais. É uma espécie de aporte público indireto.

O UOL conversou com produtores culturais das Norte, Nordeste e Centro-Oeste para entender as principais dificuldades enfrentadas nessas regiões. Eles levantaram problemas envolvendo questões técnicas da instrução normativa e na maneira como os projetos são administrados na esfera federal, muitas vezes distante das empresas financiadoras. Para eles, falta sintonia.

O MinC reconhece os problemas na concentração de projetos e culpa a crise e sua equipe enxuta, embora frise que ainda é cedo para medir efeitos práticos de ações recentes. "Neste momento, com a participação de entidades do setor e pessoas, estamos revisitando a instrução, com vistas ao seu aperfeiçoamento, tanto do ponto de vista de controles como de benefícios ao setor", afirma o órgão em nota.

O produtor João Fernandes - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
Imagem: Reprodução/Facebook

Norte

João Fernandes (Manaus-AM), produtor do Mova-se Festival de Dança

O que há de positivo da nova Lei Rouanet: "A nova plataforma é realmente melhor e bem mais completa. Dinamizou todo o processo de inscrição e acompanhamento pelo proponente."

O que há de negativo: "Houve muita confusão e desinformação sobre o enquadramento depois da normativa. Vários projetos novos acabaram sendo tratados com regras antigas. O aumento do valor para a captação também não veio a auxiliar. Tenho um projeto de R$ 200 mil que foi para R$ 400 mil sem eu querer. Preciso correr agora para captar, e é difícil chegar a esse número. Temos ainda o agravante de, no Norte, não temos capital de giro. Então não conseguimos pagar escritórios para administrar nossos projetos. Precisamos fazer tudo sozinhos. O Ministério da Cultura faz reuniões para conscientizar produtores, mas precisa trabalhar muito mais na outra ponta, junto ao empresário."

O produtor Henrique Rocha - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
Imagem: Reprodução/Facebook

Centro-Oeste

Henrique Rocha (Brasília-DF), produtor do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro

Positivo: "Pela minha experiência, a Lei Rouanet é o mecanismo mais transparente e moderno com o qual já tive contato. Com as mudanças, o nível de transparência ficou ainda mais alto. Hoje dá para acessar qualquer projeto no sistema Salic, com o ponto de execução financeira e todos os outros detalhes. Essas ferramentas servem ao terceiro setor, a sociedade, o que é muito importante."

Negativo: "O Ministério da Cultura diminuiu [seus funcionários] e a equipe pequena não consegue fiscalizar projetos com a competência que a gente espera. O teto mais alto de captação também não foi bom. Acho que ele imita projetos de médio porte de crescerem pela lei. Para os de grande porte, não houve alteração. Também acho que deveria haver uma forma de aumentar a ideia de programas como o Viva a Cultura!, para editalizar recursos e fazer os projetos serem analisados por uma banca que analisa o mérito cultural. Assim, eles terão acesso a recursos federais de forma mais direta."

O produtor Antonio Gutierrez  - Reprodução/Facebook - Reprodução/Facebook
Imagem: Reprodução/Facebook

Nordeste

Antonio Gutierrez (Recife-PE), produtor do festival Rec-Beat

Positivo: "A parte burocrática é tranquila. Não há nada absurdo perto do que estamos acostumados. É fácil inscrever o projeto e acompanhar."

Negativo: "O problema ainda é o dinheiro, conseguir captar. Agora, com a atual situação política e econômica, está mais complicado. Muitos patrocinadores atuantes deixaram de investir, empresas públicas e privadas. Acho que o grande problema da Lei Rouanet é que a decisão final sobre o financiamento fica na mão do diretor de marketing da empresa. E ele, na maioria das vezes, não tem visão do que são os projetos. As decisões usam mais como referência a estratégia de marketing do que da importância cultural, de como aquilo vai retornar para a sociedade. Acho que o governo precisa atuar nesse aí. As empresas privadas sempre foram muito distantes do mercado nordestino, uma região cuja produção cultural baliza a do Brasil."