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Sou hostilizada pela direita e uma suposta esquerda, diz Ana de Hollanda

A ex-ministra da Cultura Ana de Hollanda em entrevista ao UOL, no Rio de Janeiro - Marco Antonio Teixeira/UOL
A ex-ministra da Cultura Ana de Hollanda em entrevista ao UOL, no Rio de Janeiro Imagem: Marco Antonio Teixeira/UOL

Gustavo Maia

Do UOL, no Rio

04/08/2016 07h00

Ana de Hollanda, 67, não é de fugir de polêmicas. E polêmicas não faltaram nos pouco mais de 20 meses em que ela ocupou o cargo de ministra da Cultura do governo Dilma Rousseff, do qual saiu há quase quatro anos. Naquele período e desde então, teve que se habituar a críticas. "É muito doido. Eu sou hostilizada pela direita e por esses grupos que eu não considero de esquerda, mas que estão infiltrados nesse movimento", diz.

Em entrevista exclusiva ao UOL, ela também fala da carreira artística, “complicada” após sua passagem pelo MinC, da ocupação de prédios do ministério, sobre a qual faz críticas, e a famigerada Lei Rouanet, que segundo ela não é irregular, mas tem muitos defeitos. Comentou ainda as ações do atual ministro interino, Marcelo Calero, entre elas a demissão de servidores na última semana.

Irmã de Chico Buarque, ela rechaça a acusação de que foi alçada ao governo federal por causa do irmão. “Eu tomei todo o cuidado. Nunca usei o Chico para nada. Tentaram até fazer intriga, que de repente eu estaria brigada, quando eu tenho uma ótima relação com ele, mas é um cuidado que a gente tem para não misturar as pessoas”, declarou.

Leia a seguir alguns trechos da entrevista:

#Ocupa MinC
A movimentação pela manutenção do MinC foi muito importante. Foi muito bonito, partiu do pessoal do meio mesmo, de vários segmentos. E o ato da ocupação [de prédios do ministério] foi um ato político. Mas o que eu achei complicado foi a permanência nos espaços do MinC, porque são os poucos locais que os artistas têm para ocupar, sem pagar, passando por editais, e de repente eles ficaram impedidos.

Eu sei, por exemplo, de um grupo de teatro de São Paulo que ensaiou três meses e não teve condições de estrear. Minha ideia de política é que você tem que ter uma estratégia para entrar e para sair, e olhe que eu sou totalmente pela volta da [presidente afastada] Dilma [Rousseff], não aceitei o que aconteceu. Você tem que sair para a rua, o lugar de mobilização é a rua, e não morar lá. Acho que a repercussão acabou sendo muito pequena para o grande público.

Demissões e Cinemateca
Em relação à demissão dos 81 servidores, o que eu acho que foi uma declaração que não dá para endossar foi quando o ministro interino falou do aparelhamento. Eu entendo que essa é uma visão um pouco subjetiva, porque quando um novo dirigente assume, seja presidente ou ministro, ele tem um programa e vai nomear pessoas que combinem com essa ideia. É normal você chamar pessoas próximas, desde que ligadas às áreas de atuação. Aparelhar é uma palavra forte, é dar emprego e acabou.

No caso da Cinemateca Brasileira, ainda bem que ele [Calero] voltou atrás, porque me preocupa muito. A Cinemateca é de ponta e está abandonada há muito tempo. O problema começou na gestão da Marta, quando já precisava de mais recursos para a manutenção dos filmes. E permaneceu depois também com uma estrutura de pessoal inferior à necessária --e tem que ser técnico que conhece. Não são funções burocráticas comuns. A Olga é uma pessoa seríssima, sempre foi uma apaixonada, uma defensora.

É muito simplista e perversa a acusação contra artistas que usam a lei Rouanet.

Lei Rouanet
É uma lei que tem uma importância muito grande, e eu sou totalmente contra interromper ou acabar com ela. Agora, ela tem que ser aperfeiçoada, porque tem muitos defeitos e atende de forma desigual. E realmente é uma lei que delega aos assessores de marketing das empresas a decisão sobre o que vai ser feito com o dinheiro que vai ser deduzido dos impostos.

Nós trabalhamos muito na lei substituto, que era a ProCultura. Haveria uma pontuação, a exigência de contrapartida, como ingressos de graça, preços mais baratos, oficinal. Então é claro que é diferente um produto totalmente comercial. A questão é que a lei teria que voltar ao Congresso a cada cinco anos para ser renovada, o que é um problema, porque ela está sendo discutida há nove (risos).

É muito simplista e perversa a acusação contra artistas que usam a lei. O artista precisa do público. Se a imagem dele começar a ficar queimada, ele vai ser muito prejudicado. Existe um movimento às vezes para intimidar os artistas. Então as pessoas começam a dizer que não usaram a lei, como se ela fosse alguma coisa irregular.

Eu nunca usei. Mas não vejo problema nenhum. É uma lei para ser usada. Até porque tem outro detalhe: existem leis de incentivo para todas as áreas – na agricultura, na indústria, nos esportes. Ninguém reclama da [isenção para a] linha branca [de eletrodomésticos], mas reclamam e põem o artista na parede.

A ex-ministra da Cultura Ana de Hollanda fala sobre o novo Minc, lei Rouanet e carreira após ministério - Marco Antonio Teixeira/UOL - Marco Antonio Teixeira/UOL
Ana de Hollanda ficou dois anos no Minc
Imagem: Marco Antonio Teixeira/UOL

 

É uma misoginia, inclusive, que existia, porque era uma mulher, e mulher é frágil, vai fraquejar. Só que eu não sou fraca e fiquei. Eu sei o quanto eles infernizaram a Dilma para me tirar.

 

Fora do Eixo x “Geni”

No meio artístico, eu tinha todo o apoio, com, claro, exceções, porque ninguém é unanimidade. O que existiam eram grupos que são ligados ao ex-ministro [Juca Ferreira] e formaram uma verdadeira milícia, que está aí até hoje. Eles são intermediários entre governos, inclusive de vários partidos, e, principalmente, artistas novos. Como estavam ligados ao Juca, eles começaram a me atacar. Eles também têm um trabalho forte na internet e na política. O ministro [Juca] voltou [em 2015] por causa disso, né?, porque era ligado a esse grupo e eles iriam trabalhar nas campanhas. A Marta também foi um pedido desse grupo porque eles iriam trabalhar para o [ex-ministro da educação e atual prefeito de São Paulo Fernando] Haddad, desde que pusesse a Marta, porque eu estava ali atrapalhando.

Era um ataque permanente, que chegava a ser um ataque a tudo. Eles negaram qualquer qualificação técnica que eu pudesse ter, quando a minha vida inteira foi discussão de política cultural, em São Paulo eu fui secretária de Cultura de Osasco, eu dirigia uma área do Centro Cultural de São Paulo, trabalhei na Funarte. Ou seja, eu tenho experiência na área de gestora cultura, de muitos anos, conheço e sou do meio. E a desqualificação era: “é a irmã do Chico”. Eu tomei todo o cuidado. Nunca usei o Chico para nada. Tentaram até fazer intriga, que de repente eu estaria brigada, quando eu tenho uma ótima relação com ele, mas é um cuidado que a gente tem para não misturar as pessoas.

Agora os outros lugares todos que me aplaudiam não eram notícia. E a vaia, inclusive, vinha do grupo deles. Eu via as pessoas, sei quem eram. Em São Paulo, chegaram a me atacar fisicamente, que eu até cobri a cabeça para entrar no carro. Me cutucaram enquanto eu estava sendo protegida.

É uma misoginia, inclusive, que existia, porque era uma mulher, e mulher é frágil, vai fraquejar. Só que eu não sou fraca e fiquei. Eu sei o quanto eles infernizaram a Dilma para me tirar.

Hostilizada 

É muito doido. Eu sou hostilizada pela direita e por esses grupos que eu não considero de esquerda, mas que estão infiltrados nesse movimento. E continua aquela coisa: quando atacam o Chico, “a irmã foi ministra por causa dele. Nunca usei ele. Ele sempre fez o trabalho dele, que eu adoro, acho ótimo, mas é dele. Mas nos memes, na internet, toda hora eu sou “a irmã do Chico”.

Eu acho que tinha limpar essa história que fizeram, que era terrível. Meus filhos, netos ficavam mal. Fizeram monstruosidades.

Eu já sofri ataques com mentiras inclusive sobre a lei Rouanet, de que a família toda, até a [cantora] Bebel [Gilberto, sua sobrinha] usaria. Tudo porque eu fui ministra. Mas eu também sou respeitada em muitos lugares que eu vou. Acho que talvez, depois de tudo o que aconteceu, muita gente começou a se inteirar de que a verdade não era nada daquilo do que se falava. O que estava andando [no MinC] foi piorando. Patrimônio, museus, tudo. Muita gente que já me atacou hoje em dia fala: “eu tinha um pé atrás com você porque ouvia falar”.

Eu acho que tinha limpar essa história que fizeram, que era terrível. Meus filhos, netos ficavam mal. Fizeram monstruosidades, escreveram artigos mentirosos. A agressividade das redes sociais é uma coisa assustadora.

Ofender os outros dessa forma não é normal. No ministério, chegou um momento que eu não quis mais ler esses ataques. Porque se eu lesse, ficaria uma marca. O que é que iria me acrescentar? Eu precisava me concentrar em um monte de coisas importantes.

1.ago.2016 - Entrevista com a ex-ministra da Cultura Ana de Hollanda, no Rio de Janeiro - Marco Antonio Teixeira/UOL - Marco Antonio Teixeira/UOL
Ex-ministra diz que ficou mais difícil fazer shows após passagem pelo Minc
Imagem: Marco Antonio Teixeira/UOL
 Direitos autorais
Ninguém resolveu nada da questão dos direitos autorais até hoje. Quando eu saí, o projeto já estava havia um ano na Casa Civil e, por ser um assunto polêmico, eles não tinham coragem de mandar para o Congresso. A verdade era essa. Eu fiquei um ano ligando para lá e dizendo: “gente, é polêmico, mas então o Congresso discuta”.

Talvez eu tenha sido a que mais me expus. Agora eu vou te falar uma coisa: o ministro Juca [que reassumiu o cargo em 2015], que fazia oposição a mim o tempo todo e criticava o meu projeto, depois fez o mesmo discurso que eu fazia. Eu falei: “gente, eu vou cobrar direitos autorais pelo discurso porque essa frase era minha”. Em relação à lei Rouanet, ele mudava de discurso o tempo todo, então eu não posso nem avaliar. Eu acho muito engraçado.

Dívidas e desgaste
O Juca discordava de tudo de mim, e tudo bem. Mas eu tenho que falar a verdade: quando eu assumi, eu tive uma herança de dívidas de dez meses que ele não pagava. O que ele deixou dos pontos de cultura, da Polícia Nacional de Cultura Viva, eu não entendi porque ele disse que eu abandonei. A prioridade foi pagar os pontos que estavam em ordem, e foi o que fiz em março de 2011. Mas eu fiz um trabalho porque tinha toda hora acusação de ponto que não existia, casa fechada, e fechamos com a CGU (Controladoria-Geral da União) de fazer uma perícia em pontos que nunca tinham recebido visitas. Tinham coisas maravilhosas e coisas que não eram nada. Era um computador que estava no fundo de um bar para uso próprio. Então, claro, alguns foram cancelados. O programa, por melhor que seja, depois de um tempo que está posto em prática, você vai descobrir onde estão os defeitos. Isso foi detectado e por isso encomendamos um redesenho do programa.

Operação Boca Livre
A informação da Polícia Federal de que o Ministério da Cultura não estava apurando irregularidades direito está errada porque, se chegou na PF, foi porque a gente mandou para a CGU, que repassava para o Ministério da Justiça. Sempre que víamos que as prestações estavam erradas e as contas não batiam, notificamos.

Mas existe um problema: a secretaria responsável tem um número x de funcionários que têm que examinar os projetos. Quando a gente estava lá, havia um passivo de dez anos. Então às vezes a empresa fez a prestação errada, que não foi examinada, e a empresa entra de novo e quando percebe o erro já estava lá atrás. Por isso, acho que a Lei Rouanet deveria ter um sistema de prestação mais simples, como o Imposto de Renda.

Carreira pós-ministério
É muito complicado. Quando você sai do ministério você a princípio ganha um status, mas fica impedida de fazer muita coisa. Então eu estou trabalhando, fazendo letras com um monte de gente, como o [pianista] Leandro Braga, com o [pianista e arranjador] Cristovão Bastos, com o [saxofonista, flautista, compositor e arranjador] Nivaldo Ornelas. Eles me dão músicas e eu gosto de ‘letrar’. Estou com um projeto de um disco, mas como está muito difícil eu não posso garantir.

Fazer show que é o mais complicado. Tenho um marcado agora na Casa do Choro [centro de referência do gênero no centro do Rio de Janeiro], mas é coisa pequena. Se você não é um artista pop e tal, você fica dependendo dos editais. E aí está o problema, porque tudo que eu fazia a vida inteira, quando ganhava edital, eu tenho a impressão que fiquei um pouco marcada. Porque, sei lá, dar para uma ex-ministra [da Cultura] vai parecer que teve alguma coisa, alguma influência. Mas acho que isso vai passar. Eu continuo na música e na letra, que é a minha área criativa.