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Festa do Peão de Barretos chega aos 60 anos celebrando a cultura caipira

Jotabê Medeiros

Do UOL, em São Paulo

20/08/2015 07h00

Pouco mais de 20 anos após ter surgido nos Estados Unidos o termo country music, cristalizou-se no Brasil um gigantesco circo de rodeio para celebrar a cultura caipira e sertaneja do interior do país. A monumental Festa do Peão de Boiadeiro de Barretos, a 420 km de São Paulo, que completa 60 anos essa semana, configura-se em uma espécie de catedral cultural para os habitantes mais puros dos interiores, irmanados pelo amor a um tipo de música de temas simples, às lides rurais, ao distanciamento dos ardis da vida urbana.

De 1955 para cá, quando foi criada a festa, esses "ardis" da vida urbana (camarotes VIPs, picapes importadas, botas exclusivas de grife, helicópteros e astros norte-americanos) foram incorporados ao arcabouço da Festa do Peão de Barretos, assim como os números astronômicos. A cidade de Barretos, de pouco mais de cem mil habitantes, fica dez vezes mais populosa nesse período, lotando não só os seus hotéis, mas também os das cidades próximas, como Ribeirão Preto e São José do Rio Preto. São mais de cem shows a cada edição, que este ano terá o megastar country Garth Brooks com convidados ilustres, como Chitãozinho e Xororó, Fernando e Sorocaba, Paula Fernandes e as presenças de Xuxa e Daniel.

Conforme crescia, a festa de Barretos passava a exigir também um palco adequado. Há 30 anos, os organizadores demonstraram ambição além do seu tempo: foram atrás do maior arquiteto brasileiro, Oscar Niemeyer, para projetar o Parque do Peão, um espaço de mais de 2 milhões de metros quadrados. Niemeyer declararia sobre a encomenda: "O rapaz queria que a cultura sertaneja disseminada no lombo de equinos e muares pelo Brasil afora tivesse um santuário em Barretos, para onde os descendentes e adeptos seguissem em romarias, como os islâmicos do mundo todo fazem em direção à Meca".

O rodeio clássico de Barretos aproximava-se dos grandes eventos norte-americanos e já pedia uma equiparação com aqueles inspiradores. Foi assim que a organização criou, há 23 anos, o Barretos International Rodeo, que funciona como uma etapa das competições da matriz. É um evento profissionalizado que fomenta mais de R$ 200 milhões em 11 dias na região. Claro que o rodeio em si é uma atividade que segue provocando polêmica com ambientalistas, e que movimenta 1,5 mil animais, entre touros, cavalos, bezerros e carneiros. Barretos desconhece crise.

Caso único no mundo

Hoje, Barretos tornou-se um caso único no mundo: em torno da festa, solidificou-se todo um conceito de indústria cultural --em vez de o contrário, como é habitual. A música, o consumo, a moda, as danças, as lendas, o imaginário do caubói caboclo, as façanhas, a forja dos seus mitos: tudo deriva dali e se fortalece a partir dali. Barretos irradiou uma cultura de festas de peão pelo país que hoje atrai 30 milhões de pessoas e movimenta em torno de R$ 6 bilhões por ano. Proporciona um faturamento de cerca de R$ 18 bilhões anuais e gera aproximadamente 10 mil empregos diretos e indiretos. Os visitantes deixam cerca de R$ 1 milhão nas lojas oficiais dos eventos todos os anos, e os camarotes recebem cerca de 30 mil pessoas.

"A Festa do Peão colocou a cidade de Barretos no mapa. E valorizou a figura do trabalhador rural do Brasil, a válvula motriz do país até hoje. Mais que os números financeiros, trata-se de um resgate cultural, e o peão de boiadeiro é o único esporte que está atrelado a uma atividade profissional", avalia o editor Baroni Neto, que nesta quarta-feira (20), às 11h, vai lançanr na festa o livro "Barretos, 60 anos - Aqui se Faz História" (BB Editora, R$ 49,90), contando a saga.

O atual presidente, Jerônimo Luiz Muzetti, que está em sua oitava gestão frente à Associação Os Independentes (o núcleo de empreendedores da cidade que fundou o rodeio há 60 anos) mira o futuro e faz pesados investimentos nesta edição comemorativa: R$ 70 mil em paisagismo e R$ 300 mil na construção de 50 novos banheiros no camping. "Quando a economia vai mal aqui dentro, as pessoas deixam de ir tanto ao exterior e procuram destinos internos. E eu não vejo um evento mais atrativo que o nosso", diz Muzetti.

A cultura "macho man", que está no centro do escopo socio-cultural do evento, tem trazido lá seus problemas. No ano passado, explodiu a taxa de ocorrências policiais no rodeio, um aumento de 485% --foram 190 brigas (ante 34 em 2013), 22 furtos, 18 pessoas presas, 1,5 mil atendidas com excessos de álcool e outros, segundo a Polícia Militar. Isso levou à instalação de uma delegacia avançada dentro do Parque do Peão, entre outras providências.