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Literatura nórdica supera diferenças da língua e ganha espaço no Brasil

Os escritores nórdicos Carsten Jensen, Audur Ava Ólafsdóttir e Karl Ove Knausgard - Divulgação/Divulgação/EFE
Os escritores nórdicos Carsten Jensen, Audur Ava Ólafsdóttir e Karl Ove Knausgard Imagem: Divulgação/Divulgação/EFE

Rodrigo Casarin

Do UOL, em São Paulo

13/08/2015 07h00

No livro "Nós, Os Afogados", o dinamarquês Carsten Jensen constrói uma epopeia marítima que retrata três gerações de uma família de marinheiros entre 1848 e 1945. Já em "Rosa Candida", a islandesa Audur Ava Ólafsdóttir narra a busca de um jovem apaixonado por plantas por seu lugar no mundo. Com enredos distintos, as duas obras acabam de chegar ao Brasil acompanhando o bom momento da literatura nórdica.

Um dos maiores símbolos dessa fase é o norueguês Karl Ove Knausgard, que, com uma série de romances autobiográficos dividida em seis volumes (com títulos como "A Ilha da Infância", "A Morte do Pai" e "Um Outro Amor"), é insistentemente comparado ao francês Marcel Proust. Escritores veteranos de outros países, como o português Valter Hugo Mãe, têm procurado inspiração naqueles cantos para ambientar seus romances --no caso de "Mãe", seu último livro, "Desumanização", se passa na Islândia.

Três fatores estão envolvidos neste boom de livros vindos do extremo norte da Europa, na Suécia, Noruega, Islândia, Finlândia e Dinamarca: a tradição literária, a qualidade e a dedicação de vários profissionais na promoção dos autores nórdicos. É o que garante o finlandês Pasi Loman, sócio-fundador da agência literária Vikings of Brazil, especializada em escritores desses países. 

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  • Há certa dificuldade para se publicar autores nórdicos no Brasil, a começar pela questão da língua. As editoras brasileiras precisam de material em inglês para avaliar novos títulos estrangeiros, e nem sempre há traduções inglesas disponíveis dos livros nórdicos

    Pasi Loman, sócio-fundador da agência literária Vikings of Brazil

Loman diz que há certa dificuldade para se publicar autores nórdicos no Brasil, a começar pela questão da língua. "As editoras brasileiras precisam de material em inglês para avaliar novos títulos estrangeiros, e nem sempre há traduções inglesas disponíveis dos livros nórdicos. Além disso, algumas editoras têm medo de não achar tradutores ou que fique mais caro traduzir dos idiomas nórdicos do que do inglês, por exemplo", aponta, ressaltando que há profissionais brasileiros com experiência em traduzir direto dos idiomas nórdicos e que é possível se apoiar em bolsas fornecidas por programas de traduções para que se barateie o trabalho.

A principal crítica do agente, no entanto, é outra. "Algumas editoras brasileiras ainda pensam que o Brasil é o 51º estado dos Estados Unidos. Alguns profissionais olham somente para lá quando procuram novos títulos. Pensam que, tudo que deu certo lá, vai dar certo aqui também. Acabam não dando valor para o que é sucesso internacional em outros lugares. Quem perde com isso são os leitores para quem é oferecida uma visão do mundo muito restrita".

Muito além de vikings

Loman destaca que o hábito de leitura da população nórdica facilita o surgimento de bons profissionais da área e, consequentemente, boas obras. "Os autores começaram a procurar agentes literários e as editoras abriram departamentos para venda de direitos ao exterior para que os livros fossem promovidos. Mesmo um livro maravilhoso precisa de uma máquina que o promova para alcançar sucesso internacional. Nada acontece por acaso, nem somente graças à qualidade de um livro".

A lista de autores nórdicos com reconhecimento internacional tem ainda o finlandês Mika Waltari, a sueca Astrid Lindgren e o norueguês Jostein Gaarder, do clássico "O Mundo de Sofia". No entanto, segundo o agente literário, quem realmente abriu olhos e portas para o que vinha sendo feito naqueles cantos foi "o sucesso fenomenal" do sueco Stieg Larsson com a série "Millennium", adaptada para cinema em "Os Homens que Não Amavam as Mulheres". "De repente, editoras e leitores estrangeiros perceberam que era possível que traduções de livros nórdicos pudessem ser muito boas e, mais que isso, ter grande sucesso comercial".

Pasi Loman

  • Os países nórdicos são muito seguros, com pouco crime, mas mesmo assim, ou talvez por causa disso, eles hoje em dia produzem alguns dos melhores autores de romances policiais do mundo, com livros cheios de violência brutal e explícita

    Pasi Loman, sócio-fundador da agência literária Vikings of Brazil

A literatura nórdica, hoje em dia, é bem diversificada e não há como dizer que tudo tenha a ver com a mitologia ou com vikings. Loman destaca "ótimos autores contemporâneos" que escrevem livros sobre os vikings, como as suecas Catharina Ingelman-Sundberg e Johanne Hildebrandt. Outros flertam com a tradição e com a mitologia para construir suas narrativas, como é o caso de Ilkka Auer, finlandês que já teve os dois primeiros livros de sua série fantástica "Terras de Neve e Gelo" publicados no Brasil.

Também entram nessa lista escritores de narrativas policiais, gênero no qual os nórdicos são amplamente reconhecidos --eles deram origem ao termo "Scandi Crime" para se referir a livros de autores como os noruegueses Gard Sveen e Jo Nesbo. "Os países nórdicos são muito seguros, com pouco crime, mas mesmo assim, ou talvez por causa disso, eles hoje em dia produzem alguns dos melhores autores de romances policiais do mundo, com livros cheios de violência brutal e explícita. Talvez a vida na Escandinávia seja tranquila demais e os autores ofereçam fantasias e fuga da vida mundana", cogita o agente literário.