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Escritor diz que seus livros não vendem mais em Cuba por falta de papel

26.dez.2014 - O escritor cubano Leonardo Padura posa em sua casa, no bairro de Mantilla, em Havana (Cuba) - Alejandro Ernesto/EFE
26.dez.2014 - O escritor cubano Leonardo Padura posa em sua casa, no bairro de Mantilla, em Havana (Cuba) Imagem: Alejandro Ernesto/EFE

Rodrigo Casarin

Do UOL, em São Paulo

02/06/2015 06h30

O cubano Leonardo Padura é, atualmente, um dos escritores mais importantes da América Latina e da língua espanhola. Seu “O Homem que Amava os Cachorros” foi bem recebido ao redor do mundo tanto pela crítica quanto pelo público e, no Brasil, já vendeu mais de 45 mil exemplares.

Lançou recentemente “Hereges”, seu novo romance, previsto para chegar ao Brasil no segundo semestre deste ano pela Boitempo, que passa por mais de 350 anos de história, explorando desde a Amsterdã onde o pintor Rembrandt vivia, em 1640, passando pelos Estados Unidos dos anos 60, até chegar à Cuba atual. Faz todo esse movimento para falar, essencialmente, sobre a liberdade e o livre arbítrio, algo que, segundo muitos, falta em seu país.

Enquanto “Hereges” não chega por aqui, o escritor estará no país para participar da Feira do Livro de Canoas, que acontece entre os dias 13 e 27 de junho, e da Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP), entre os dias 1º e 5 de julho.

Antes disso, conversou com o UOL e falou sobre seu novo trabalho (“é um romance policial, histórico, filosófico, entretanto, não é nem policial, nem histórico e nem filosófico”), a respeito de “O Homem que Amava os Cachorros (“trata de um tema universal: como foi a perversão da utopia socialista do século 20 e a necessidade de se fundar uma nova utopia que não cometa os erros da anterior”), a volta das relações entre Estados Unidos e Cuba, a situação atual de seu país e a expectativa de vir ao Brasil – onde torce para que alguém lhe arrume um encontro com Ronaldinho, jogador de quem é fã.

UOL – “O Homem que Amava os Cachorros” fez bastante sucesso no Brasil. Na sua opinião, quais os motivos disso?

Leonardo Padura – Acredito que seja uma prova que, ainda que tenha a experiência cubana como algo central, o livro trata de um tema universal: como foi a perversão da utopia socialista do século 20 e a necessidade de se fundar uma nova utopia que não cometa os erros da anteriores. Além disso, o romance fala de personagens com projeção também universal, sobre tudo o que se passou com Trótski, que é uma figura política conhecida e, inclusive, venerada por setores da esquerda. Mas acredito que o que foi decisivo é a forma que o livro foi escrito, sua estrutura, sua linguagem, que conseguem estabelecer uma relação muito harmoniosa com os leitores.

No livro você utiliza algumas perspectivas narrativas, sendo uma delas a de Ramón Mercader, o assassino de Trótski. Por que essa escolha?

A história tem três linhas argumentativas paralelas que vão se aproximando até que se cruzem, uma delas tem o Ramón Mercader, o assassino, como figura central. Me interessava não só entrar em seu mundo psicológico, como também em seu universo ideológico, pois não é um matador de aluguel ou um valentão, mas um assassino político, com uma missão histórica: a de eliminar o maior inimigo do proletariado mundial. Porém, além disso, o romance narra todas as peripécias de Trótski em seu exílio, a partir de 1929 até a sua morte, em 1940, e também a história de um escritor cubano, desde a sua juventude nos anos 1970 até sua morte, no começo do século 21. Este último personagem, na verdade, é que representa a perspectiva do romance, pois tudo o que é narrado passa pela sua personalidade, visão de mundo, experiência, informação: é uma perspectiva cubana.

Como as autoridades cubanas reagiram ao livro? E os cubanos, de maneira geral, como lidam com sua obra?

O livro foi publicado em 2010, um ano depois de ser lançado na Espanha. Essa edição, com 4 mil exemplares, foi apresentada na Feira do Livro de Havana, em um ato público com muita gente, onde pessoas brigaram para comprar o romance. Nesses mesmo ano, ele ganhou o Prêmio de Crítica. Em 2012 foi feita uma outra reedição com 4 mil exemplares, e em uma apresentação durante a Feira do Livro se venderam 1000 exemplares em uma hora e tive que autografar 800 livros... Esse ano me concederam o Prêmio Nacional de Literatura.

Os cubanos lidam com minha obra com muita paixão. Meus lançamentos reúnem multidões, ainda que não se faça uma grande promoção. As edições se esgotam muito rápido e nunca chegam às livrarias. Se publicassem muito mais exemplares, venderiam. Mas sempre há a questão, tristemente real, da falta de papel que há em Cuba por razões econômicas. Mas meu personagem Mario Conde é muito popular e todos os meus livros, lidos e procurados pelos leitores. É uma pena que não haja mais exemplares para satisfazer a demanda dos leitores cubanos.

Quanto às autoridades, nada de terrível aconteceu com 'O Homem que Amava os Cachorros', e minha relação com elas não tem nada de especial. Não sou especial. É uma relação igual a dos demais cidadãos, creio.

Padura

  • Os cubanos lidam com minha obra com muita paixão. Meus lançamentos reúnem multidões, ainda que não se faça uma grande promoção. As edições se esgotam muito rápido e nunca chegam às livrarias. Se publicassem muito mais exemplares, venderiam. Mas sempre há a questão, tristemente real, da falta de papel que há em Cuba por razões econômicas.

    Leonardo Padura, autor cubano
“O Homem que Amava os Cachorros” apresenta diversas ideias trotskistas. Como você conseguiu acesso aos livros de e sobre Trótski em Cuba, onde durante muito tempo suas obras foram banidas?

O problema não são as proibições – que, podem ter existido, mas faz tempo que não existem mais -, e sim encontrar esses livros em bibliotecas cubanas que há anos apenas adquirem livros de acordo com suas limitações econômicas. Tive que comprar fora de Cuba, principalmente na Espanha, muito da bibliografia que utilizei. Também recebi livros do México, França e Estados Unidos, pois há muita bibliografia dispersa pelo mundo, em diversos idiomas, e eu precisava de uma grande quantidade de informação.

Já que você falou do “Hereges”, o que os leitores devem esperar do seu novo livro?

Uma história sobre a busca da liberdade individual e dos preços e riscos que essa busca implica, ontem e hoje. É um romance que traz um arco histórico de 350 anos, desde a Amsterdã de Rembrandt, em 1640, até a Cuba de hoje mesmo, passando pela Cuba dos anos 1940 e 1950, pela Polônia de 1650, a Miami dos anos 1960... Com personagens que devem conceber a liberdade como uma heresia e que pretendem praticar seu livre arbítrio. É um romance policial, histórico, filosófico, entretanto, não é nem policial, nem histórico e nem filosófico. Até agora teve uma recepção muito boa em todos os idiomas que já foi publicado.

Deixando um pouco a literatura de lado, como você vê a volta das relações políticas e comerciais entre Cuba e os Estados Unidos?

Penso muitas coisas, mas, sobretudo, que, se há uma relativa normalidade, um decréscimo da tensão política (e até da militar que existiu em alguns momentos) e uma possibilidade de haver tratados comerciais mutuamente benéficos, todo mundo sai ganhando. E se os cubanos, a sociedade em geral, podem viver melhor, então essa relação é bem vinda. Nós cubanos temos vivido com muitos sacrifícios e carências, merecemos viver melhor. E não digo que a relação com os Estados Unidos seja uma varinha mágica, mas algo ajudará, não?

E como está Cuba hoje se comparada ao resto do mundo, não apenas aos países mais ricos?

Cuba é um país de sistema político e economia socialistas, o que a faz bastante singular e muito difícil de ser comparada a outros países. É mais pobre que uns e mais rica que outros, pois nem só de pão vive o homem, como bem se sabe, e é certo que os níveis de educação e saúde cubanos são elevados, que é um país com pouca violência, que pouco a pouco tem superado problemas como a marginalização dos crentes e dos homossexuais, mas que também necessita avançar muito em outros territórios, como economia, sociedade, cultura... O que é difícil e detestável é fazer comparações.

O que você espera da sua vinda ao Brasil para participar da Feira do Livro de Canoas e da Flip? Qual a sua relação com o país?

Espero que seja muito agradável e tenha bastante êxito, a presença de meus livros no país nos últimos anos me permite ter essa esperança. Admiro muito o Brasil em diversos sentidos, mas especialmente por sua cultura: seus escritores, músicos, pensadores... Também admiro algumas de suas figuras públicas. Há um ano, em minha primeira visita ao país, tive inclusive a honra de, junto com a minha esposa, Lúcia, ser convidado a um almoço particular com a presidente Dilma (agora a chamo assim, pois saímos do encontro como amigos), com quem tivemos uma conversa maravilhosa e bastante longa. Agora espero fazer novos amigos, encontrar novos leitores, visitar outras cidades, fazer-me um pouco mais brasileiro. E já que estamos falando disso: poderiam me arrumar um encontro com o Ronaldinho? Ele é um dos meus ídolos do esporte e, por mim, deveria ter feito parte da seleção brasileira no Mundial do ano passado.