Famosos na internet, jovens fazem sucesso no mundo real com livros e peças
Se você tem mais de mil amigos no Facebook e acha que está fazendo sucesso, é porque não conhece os adolescentes e jovens brasileiros que, não satisfeitos em ter milhões de seguidores em seus canais no YouTube e redes sociais, partiram para a vida real e estão bombando com livros e peças de teatro.
É o caso do vlogueiro (blogueiro em vídeo) Christian Figueiredo, 20 anos, dono desde 2010 do canal “Eu Fico Loko”, atualmente com 2,5 milhões de seguidores. Em fevereiro, ele lançou seu primeiro livro, “Eu Fico Loko: As Desaventuras de um Adolescente Nada Convencional”, e desde então já vendeu cerca de 100 mil exemplares. “Sempre foi um grande sonho fazer um livro, e todo mundo passa pela adolescência, é um tema geral", diz o jovem – nascido em Blumenau (SC), mas residente em São Paulo – em entrevista ao UOL. Christian ficou em primeiro lugar em vendas no Brasil por três semanas. "Há alguns dias, voltei para o topo do ranking, deu um boom do nada, e agora estou em segundo, só atrás de 'Brasil: Uma Biografia' [de Lilia Schwarcz e Heloisa Starling], que acabou de sair”, comemora.
Christian ficou, inclusive, na frente da febre dos livros para colorir e dos religiosos, como os do padre Marcelo Rossi (“Philia”) e do bispo Edir Macedo (“Nada a Perder 3”). “Esses caras vendem nas missas, todo mundo compra, fica difícil competir”, afirma o youtuber. Mas sua estratégia tem dado certo: ele passou quase dois meses rodando o Brasil, por mais de 20 cidades, para divulgar “Eu Fico Loko” e tem investido pesado em sua onipresença nas redes sociais (YouTube, Facebook, Instagram, Snapchat) e aplicativos de troca de mensagens (Viber, WhatsApp).
Christian escreve desde criança (“O Garoto Infeliz”, aos 11 anos, e “O Homem do Rosto Sombrio”, aos 12, nunca foram publicados) e tirava 10 em português e redação, e seu livro ajudou a conquistar um novo público, principalmente mais velho. “Foi nos lançamentos que eu realmente conheci os fãs, a galera gritando o meu nome. Pensei: ‘Cara, o que está acontecendo? É tudo isso para mim?”, recorda, sobretudo das meninas que lotaram um shopping em Joinville (SC), há três meses.
Em 160 páginas, Christian conta suas histórias, dificuldades e mancadas da adolescência. “Falo do primeiro beijo, da primeira vez, numa cronologia”, explica. O episódio mais “loko” citado por ele foi numa festa no sítio de um amigo, aos 15 anos, quando o excesso de bebida levou um dos participantes a atravessar o vidro da sala e se cortar inteiro, outro a quebrar um dente e assim por diante – ao melhor estilo “Se Beber, Não Case”.
Com exclusividade para o UOL, Christian adiantou que deve lançar o segundo volume em setembro, durante a Bienal Internacional do Livro, no Rio. “Vai se chamar ‘Eu Fico Loko: As Histórias que Tive Medo de Contar no Primeiro’. Vou focar nos meus 13, 14 anos e em histórias mais engraçadas e um pouco mais pesadas. O primeiro livro sofreu mais censura porque é mais literário e tem menino de 11 anos lendo. Mas no próximo quero falar de sexo, palavrão, e de um jeito mais escrachado, rebelde”, revela.
E será que o projeto do jovem escritor vai continuar? “Penso, sim, em um terceiro trabalho, mas não autobiográfico. Meu sonho é fazer ficção”, diz o caçula de três irmãos. “As estatísticas mostram que 70% dos brasileiros não leem por falta de vontade, acesso. E adolescente tem trauma de livro, de ser obrigado a ler 12 por ano. O ponto positivo é que o meu não está num mundo de fantasias, mas numa festa, num mundo mais próximo do leitor”, aponta.
Christian Figueiredo
Sempre foi um grande sonho fazer um livro, e todo mundo passa pela adolescência, é um tema geral (...) Falo do primeiro beijo, da primeira vez, numa cronologia
Rumo aos 3 milhões
Desde 2014, Christian viu seu canal de vídeos chegar a 1 milhão de inscritos, depois 2 milhões, e ele já espera a marca seguinte, para setembro. A cada patamar alcançado, o jovem faz uma promessa: “Quando eu estava com 100 mil inscritos, disse que, ao bater 1 milhão, rasparia a cabeça e faria uma tatuagem [a frase ‘Eu Fico Loko’, no antebraço direito]. Aos 2 milhões, saltei de paraquedas. E, quando atingir os 3, vou pular de bungee jump”, conta. “Está indo tudo muito rápido”, avalia Christian, que já pertence à segunda geração de youtubers (a primeira é formada por PC Siqueira, Felipe Neto, MariMoon e companhia).
Por dia, o jovem ganha de 8.000 a 12 mil novos fãs no YouTube e, por mês, pelo menos R$ 20 mil em faturamento. “Publico dois vídeos de 3 a 15 minutos por semana, um quarta e outro domingo. Cada um tem, em média, de 700 mil a 800 mil visualizações. Às vezes, viraliza”, destaca. Esse foi o caso de “Uma Palavra, Uma Música”, postado em dezembro de 2014, e “Fale Qualquer Coisa”, de março de 2015. Os dois contam com a participação de amigos de Christian e já foram vistos 2,5 milhões de vezes cada um.
O youtuber também capitaliza sua marca em almofadas e camisetas, vendidas na internet por R$ 49 a R$ 59. Antes de ser sinônimo de público e receita, porém, o jovem tentou publicar vídeos de terror na web, mas só perdeu dinheiro (R$ 4.000) em dois curtas. "Abri uma produtora e achei que isso ia bombar tanto quanto nos Estados Unidos, mas brasileiro gosta é de humor. A galera falou que dava muito medo e não conseguia ver até o fim. Por isso, não teve uma aceitação legal, não viralizou, quase ninguém compartilhou", lembra.
Para o futuro, Christian pensa em fazer faculdade de cinema – seu grande hobby nas tardes de segunda-feira, quando é possível fugir do assédio do público – ou audiovisual. “Eu piro em filme de terror, ação, drama, biografia. Gosto de longa europeu, japonês”, revela. E o que o deixa “loko” de raiva? “O trânsito de São Paulo, as greves, pessoas que falam demais”, enumera.
De gordinho a 'Colírio' e sucesso de vendas
O livro de Christian Figueiredo foi lançado junto com outro, “Diário de Um Adolescente Apaixonado”, do amigo e youtuber Rafael Moreira, 18 anos – que começou a botar a ideia no papel aos 12. “Falo dos assuntos e das experiências que mais me marcaram: as saudades, as perdas, a família. E o apaixonado do título não é por alguém, mas pela vida”, diz o autor, que contou com a participação de Christian em seu livro, em um capítulo dedicado à amizade dos dois.
Segundo o balanço mais atualizado, de abril, a publicação de Rafael já vendeu mais de 30 mil exemplares em todo o país. “Eu sonhava com isso, mas não achava que seria desse jeito. Em alguns momentos, até nos emocionamos. Pensava que só veria menininha de 12, 13 anos, mas vi gente casada de 30 anos”, afirma ele, que se diz uma pessoa sensível, que não tem vergonha de demonstrar seus sentimentos para os amigos, familiares e a namorada.
Rafael Moreira
A gente recebe muitos comentários virtuais e nas ruas de adolescentes que estavam meio para baixo e viram um vídeo que os ajudou a superar esse momento
Até o fim do ano, Rafael espera começar um novo livro, para lançar entre fevereiro e março de 2016. “Quero seguir o mesmo raciocínio, propor reflexões”, comenta. O adolescente, que estudou a vida toda em escola pública, também deseja visitar colégios públicos de Campinas que têm usado “Diário de Um Adolescente Apaixonado” nas salas de aula. “Uma professora me disse que um aluno seu nunca tinha lido um livro, esse foi o primeiro. Apesar de ter quase 130 páginas, é fácil de ler, a leitura flui. Quero mostrar para os estudantes que é possível atingir nossos objetivos apesar das circunstâncias e da situação financeira. O mais importante é ter o que a gente precisa, não necessariamente o que se quer”, afirma.
Antes da fama, porém, Rafael era baixinho e gordinho, sofreu bullying e chegou até a apanhar na escola. Em apenas dois anos, dos 12 para os 14 anos, sua sorte mudou radicalmente: ele espichou, emagreceu e virou “Colírio” da revista “Capricho”. “Quando eu queria ser ‘Colírio’, não tinha o perfil. Me inscrevia nos concursos, mas nunca era chamado, e meus amigos só davam risada. Aí, aos 13, cresci e emagreci. Quando a revista me chamou, eu ainda ganhei um blog, mas já não estava mais com tanta vontade de participar. Fiz mais para mostrar para quem tinha dado risada de mim na época. Depois de quatro meses, pedi para sair", recorda o adolescente.
Criado em 2013, o canal de Rafael no YouTube, "Me Apaixonei", tem mais de 360 mil inscritos e ganha cerca de 2.000 novos fãs por dia. E seu irmão mais novo, Daniel, 13 anos, já está seguindo os mesmos passos, com um canal próprio sobre o universo adolescente. Em relação à melhor e à pior parte dessa fase conturbada da vida, Rafael responde: “O bom é que não precisamos ser totalmente responsáveis como os adultos, mas também é mais difícil distinguir os sentimentos, separar uma quedinha de paixão ou amor. É uma mistura de emoções, depois, com o tempo, a gente adquire mais maturidade”, analisa ele, que está de férias nos Estados Unidos com a namorada, até meados de junho, e pretende fazer faculdade de publicidade e propaganda em 2016.
Sobre a função de seus livros e vídeos, Rafael afirma: “A gente recebe muitos comentários virtuais e nas ruas de adolescentes que estavam meio para baixo e viram um vídeo que os ajudou a superar esse momento”. O amigo Christian completa: “Acho que somos um pouco autoajuda, sim. A gente tenta orientar, falar: ‘Não vai por esse caminho’. Aí um diz que saiu da depressão e se animou com os nossos vídeos e livros. Quando a gente é adolescente, busca muitas respostas”, ressalta.
Da rede para os palcos e livros
A blogueira curitibana Kéfera Buchmann, 22 anos, começou a despontar na internet pelo desespero de ser atriz. A tentativa deu supercerto: criado em 2010, o canal dela, “5inco Minutos”, reúne 4,6 milhões de pessoas inscritas. Agora, ao lado da amiga Bruna Louise, ela finalmente realizou seu sonho, com a peça “Deixa Eu Te Contar”, que estreou em janeiro em São Paulo e, no dia 6 de junho, reestreia no Teatro Gazeta, na Avenida Paulista, para temporada até agosto. O espetáculo também já passou e ainda deve passar por outras cidades brasileiras.
Além da presença na rede e nos palcos, Kéfera dublou em 2014 o personagem Go Go Tomago, na animação “Operação Big Hero”, da Disney, e prevê o lançamento de seu primeiro livro – cujo título e tema ainda são secretos – para a Bienal do Livro do Rio, em setembro.
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