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Com novos títulos lançados no Brasil, Murakami une o pop à boa literatura

Rodrigo Casarin

Do UOL, em São Paulo

12/05/2015 06h00

O japonês Haruki Murakami é um dos escritores mais reconhecidos da atualidade. Sua prosa que dialoga permanentemente com a cultura pop atrai leitores de todas as idades no mundo inteiro –sua obra já foi lançada em 42 idiomas. Tamanho sucesso o levou a ser indicado como uma das cem pessoas mais influentes do globo em 2015 pela revista “Time”. Mas não é só isso. Murakami também tem grande respeito por parte de seus pares e da crítica literária, tanto que há alguns anos já desponta como o principal favorito ao Nobel de Literatura, liderando os palpites de casas de apostas, inclusive.

Publicado no Brasil pela editora Alfaguara, Murakami já ganhou e ganhará novas obras traduzidas para o português ainda este ano. O conto “Sono”, com a história de uma mulher que resolve ficar dias sem dormir, foi transformado em um livro lançado há algumas semanas. As coletâneas “Dance, Dance, Dance” (anteriormente publicada pela Estação Liberdade) e “Os Elefantes Desaparecem” também devem chegar o mercado em 2015, bem como “Homens sem Mulheres”, que reúne contos inéditos e já está em processo de edição. Além desses, a Alfaguara está traduzindo “A Crônica do Pássaro de Corda” (nome provisório), um tijolo com cerca de 600 páginas que há tempos era pedido pelos fãs do autor no Brasil.

Murakami

  • Seus livros sempre têm um aspecto aparentemente incompreensível ou fantástico. Ele lida com a realidade de outro jeito. A literatura dele é muito inesperada. Vai levando o leitor aos poucos e, quando se dá conta, ele está em outro universo. Aí a pessoa entra nesse mundo novo e fica surpresa, maravilhada, ele é muito original nesse quesito

    Marcelo Ferroni, editor da Alfaguara

As informações são de Marcelo Ferroni, editor da Alfaguara, que define as histórias do japonês como “muito emocionais, que abordam questões como o adolescente solitário, o amor impossível...”. Ao elencar razões para o sucesso do autor, Ferroni diz que ele consegue atingir tanto o leitor habitual de literatura quanto um público jovem, que pouco liga para eventuais cânones e, com isso, alcança “mais pessoas do que um autor literário normal”.

Borges, Proust, Kafka, mangás e Johnny Walker

Pelas páginas das obras de Murakami, referências musicais, marcas conhecidas, escritores famosos e diversos outros elementos ordinários são recorrentes, o que acaba por aproximar o seu texto de um grande número de leitores. Em suas histórias, alusões a Jorge Luis Borges, Franz Kafka ou Marcel Proust podem estar ao lado de mangás ou de um fantasma que assume a figura do símbolo da marca Johnny Walker, por exemplo.

Outra característica do autor é o rompimento com o realismo, tão em alta hoje em dia. “Seus livros sempre têm um aspecto aparentemente incompreensível ou fantástico. Ele lida com a realidade de outro jeito. A literatura dele é muito inesperada. Vai levando o leitor aos poucos e, quando se dá conta, ele está em outro universo. Aí a pessoa entra nesse mundo novo e fica surpresa, maravilhada, ele é muito original nesse quesito”, explica Ferroni.

Fã de Murakami, o escritor Marcos Peres, autor de “O Evangelho Segundo Hitler”, começou a ler a obra do japonês por “Do que Falo Quando Falo de Corrida”. Aprecia, sobretudo, a maneira como seu colega consegue unir popularidade e literatura de qualidade. “Escritores como Murakami são embaixadores do bom e velho livro em um mundo recheado de entretenimento tecnológico. São arautos que merecem aplausos”, diz.

Sobre a junção da roupagem pop com a boa literatura, Peres considera uma proposta arriscada. “Poucos escritores conseguem trilhar esse caminho com bons resultados. As chances de ser considerado um charlatão, para um ou para outro lado, são muito fortes.” O escritor ainda vê no japonês uma amostra de que best-sellers podem trazer uma arte de qualidade. “Gabriel Garcia Márquez e José Saramago são ótimos exemplos de escritores com popularidade mundial e com incontestável qualidade literária. Murakami e Mia Couto, por sua vez, são exemplos de uma nova geração de escritores capazes de unir estes dois elementos.”

Longo percurso

Tamanho sucesso não se fez de uma hora para outra. Murakami começou a escrever na década de 1970, demorou para ser traduzido para o inglês –algo decisivo para a internacionalização de um autor– e publicou mais de dez obras, além de diversos contos isolados, até chegar a “1Q84”, provavelmente seu livro mais famoso, uma trilogia cujo título faz referência ao clássico “1984”, de George Orwell, e que abre com uma alusão ao buraco que leva ao mundo mágico de “Alice no País das Maravilhas”, de Lewis Carroll. No Brasil, somados, os três volumes de “1Q84” já venderam cerca de 80 mil exemplares.

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  • Divulgação

    Escritores como Murakami são embaixadores do bom e velho livro em um mundo recheado de entretenimento tecnológico. São arautos que merecem aplausos

    Marcos Peres, escritor

Ferroni lembra que o primeiro título de Murakami que a Objetiva –editora da qual a Alfaguara é um braço– publicou no país, “Minha Querida Sputnik”, em 2003, tinha uma vendagem comum para um escritor de literatura –em torno de 1.500 exemplares--, mas, aos poucos, isso foi mudando. “Depois foi crescendo, foi progredindo de acordo com o lançamento dos livros, mesmo sem marketing, de um jeito silencioso, com um boca a boca muito forte. Hoje, os livros de catálogo vendem mais do que há quatro anos. Todos estão subindo de patamar”, conta o editor, comprovando que o nome do autor desperta cada vez mais interesse também dos leitores brasileiros.