Após promessa no 7x1, editora tem 7 vezes mais seguidores e lança 11º livro
Em apenas 90 minutos, os três sócios-fundadores da editora independente Lote 42, de São Paulo, viram sua trajetória de 1 ano e meio e todo o futuro nas mãos: ou dariam conta do recado e se tornariam conhecidos no Brasil inteiro, ou poderiam ir à falência. Isso porque, para se destacar na Copa de 2014, aproveitando o clima de manifestações contra o evento, o selo propôs uma promoção diferente – dar 10% de desconto para cada gol que o Brasil levasse no tempo regulamentar. Isso fez com que o 7x1 que a seleção tomou da Alemanha na semifinal, no Mineirão, deixasse 70% mais baratos os seis livros que a editora já havia lançado. A pechincha causou um alvoroço na internet, e em três horas se esgotou todo o estoque virtual da Lote 42, de cerca de 2 mil livros.
“As pessoas achavam que éramos uma livraria, pediam livros do Paulo Coelho, do Marley [cão labrador que inspirou o livro e o filme “Marley & Eu”]. Foi uma coisa meio insana, muitos nem escolheram direito o que comprar, fizeram sem pensar. E também teve vários trolls, gente que fez o processo de compra e não concluiu, só para nos testar”, recorda o jornalista gaúcho João Varella, o gênio criativo por trás da editora. Como o servidor disponível logo caiu, o jeito foi colocar os produtos em uma nova loja online.
“O jogo foi um susto, mas poderia ter sido pior, a Alemanha segurou. Aí a gente teve que lidar com a internet inteira, que já estava p. da vida com o Brasil, pela vergonha, e apareceu uma editora com 70% de desconto. Apontaram para a gente, nem sabiam o que a gente vendia”, lembra a jornalista argentina Cecilia Arbolave, sócia da Lote 42 e companheira de Varella há quase dez anos. “Na época tínhamos só seis livros ["Já Matei por Menos", "O Pintinho" 1 e 2, "Manual de Sobrevivência dos Tímidos", "Seu Azul" e "Indiscotíveis"], e muitas pessoas ficaram frustradas, achando que estávamos escondendo outras publicações e só colocando à venda seis títulos”, revela.
A promoção repercutiu demais nas redes sociais, e em 24 horas o número de seguidores da editora no Facebook saltou de 6 mil para 37 mil – hoje passa de 42 mil. Além disso, em quatro dias, o perfil registrou um alcance recorde de 3,1 milhões de visitantes. Toda essa comoção levou a Lote 42, que se define como “uma editora com alma de start-up”, a fazer um esclarecimento público, explicando quem era, o que fazia e que o estoque disponível já havia acabado.
Com isso, muitos interessados em conhecer melhor o trabalho deles e adquirir algum livro resolveram esperar a poeira baixar. Outros ainda saíram em defesa do selo, sem nem conhecer seus donos, ao ver a transparência e as boas intenções do trio de sócios (formado também pelo paulistano Thiago Blumenthal, graduado em Letras) para lidar com a situação. “Foi algo que nos colocou à prova, recebemos ajuda de oito amigos durante uma semana [para organizar as remessas], fizemos um trabalho de formiguinha, uma força-tarefa para entregar rápido tudo o que havia sido prometido. Até os Correios nos deram uma força”, conta Cecilia. Em 15 dias, todos os pedidos já haviam chegado a seus destinos.
“O saldo [de toda a iniciativa] foi muito positivo, teve repercussão na imprensa brasileira e mundial, matérias em sites e jornais argentinos, de Portugal, no [francês] Le Figaro. E ainda fomos citados pela consultoria internacional TrendWatching, no relatório de tendências do ano, como um exemplo a ser seguido, pelo preço atrativo e pela forma divertida e inteligente de vender”, destaca Varella. Segundo ele, durante a promoção, alguns livros chegaram a ser comercializados com prejuízo, por um preço abaixo do custo, mas a repercussão do fato foi tão grande que valeu a pena. “Teríamos gastado um valor estratosférico em publicidade”, analisa.
9 meses depois, 11 livros
De lá para cá, ao longo dos últimos nove meses, a Lote 42 publicou mais quatro livros ("Desenhos Invisíveis", "42 Haicais e 7 Ilustrações", "Queria Ter Ficado Mais" e "Portas do Éden") e já planeja para maio (dia 6 no Rio, e 9 em SP) o lançamento de seu 11º título: "A Coragem do Primeiro Pássaro", do escritor e desenhista André Dahmer, autor das tirinhas "Malvados".
A obra revela a faceta de poeta do autor, e o projeto gráfico traz as páginas impressas em preto e as letras em branco, para dar uma dimensão da tristeza causada pelo fim de um relacionamento. O livro custa R$ 29,90 e já tem pré-venda online.
Cada um dos títulos lançados pela editora tem tiragem de até 2 mil exemplares, hotsite próprio (com detalhes sobre as obras e os escritores) e um formato bastante criativo. O livro "Seu Azul", do escritor Gustavo Piqueira, por exemplo, usa areia de verdade na capa, é todo feito em diálogos e inclui "truques" de diagramação: quando um personagem está bêbado, a letra fica espremida, e, em um trecho de discussão entre o casal principal, foi colocada literalmente uma frase em cima da outra.
Já “Indiscotíveis”, assinado por 14 autores (como Emicida e Kid Vinil), vem em sete livretos mais um de introdução, e cada um deles tem lado A e lado B, como num disco. “É um formato que dialoga bem entre arte e texto, com impressão como se fossem EPs, e todos vêm dentro de uma espécie de caixa de vinis”, explica Varella.
Com participação de Cecilia como escritora, sobre sua experiência em Buenos Aires, cidade onde nasceu e cresceu, “Queria Ter Ficado Mais" reúne histórias reais – com recursos literários – de viagens feitas e narradas por 12 autoras, como a escritora Clara Averbuck. Cada relato vem dentro de um envelope, como se fossem cartas íntimas para o leitor. “Revisitei Buenos Aires após sete anos fora, conto como vejo a cidade e o que ela representa para mim. Algum dia gostaria de voltar, mas neste momento seria impossível fazer a editora lá, com a economia e a política tão instáveis”, afirma Cecilia.
E em “42 Haicais e 7 Ilustrações”, que traz poemas de Varella e ilustrações de FP Rodrigues, a impressão ficou bem fiel à textura do lápis com o qual o autor escreveu. “Há palavras apagadas, riscadas, folhas amassadas, comentários feitos pela revisora. Deixamos tudo isso, como se fosse um livro inacabado, ainda em processo”, diz Varella, que tem a maioria dessas ideias inovadoras em noites de insônia ou no chuveiro. Além disso, as capas de “42 Haicais” saíram da gráfica em branco e foram finalizadas pela consultoria de design Casa Rex, que aplicou tinta acrílica em um molde com os números 42 e 7, em várias cores e posições, para criar exemplares diferentes uns dos outros.
Lote 42
A revolução dos livros não está acontecendo nos e-books, mas nas gráficas, com tiragens mais baixas
Banca, quadrinistas latinos e eventos
Desde outubro de 2014, a editora independente usa um ponto físico para vender seus livros e os de outras 30 editoras de pequeno porte: a Banca Tatuí, no centro de São Paulo. Os preços das publicações próprias variam de R$ 29,90 a R$ 49,90, e o público frequentador – além dos jovens jornalistas, arquitetos, designers e amantes das letras que normalmente se interessam pelo selo – acaba incluindo pessoas que passam aleatoriamente pelo local, que funciona de segunda a sábado, das 10h às 18h30. “Parecemos uma nave espacial, é uma coisa muito diferente na rua”, analisa Cecilia.
Para Varella, o que a editora sente é que o público está atrás de coisas inovadoras e temas tabus, algo que está presente entre os títulos vendidos na banca. É o caso de “Suruba para Colorir”, da arquiteta Bebel Abreu, que traz imagens de orgias em preto e branco para pintar, e do colaborativo “Desnamorados”, que trata de diferentes formas de amor, como a homossexual. “São temas que estão por aí e muitas vezes não são abordados pelas grandes editoras, que trabalham numa lógica de conglomerado de comunicação, focando em altas tiragens e no que vai vender 10 mil, 100 mil cópias”, ressalta Varella, que acredita que as pessoas agora estão descobrindo o segmento independente.
“A banca é uma espécie de consolidação desses 30 nomes contemporâneos [como Beleléu, Polvilho, Bebel Books, Ale Kalko, Gato Preto, Meli-Melo, Vibrant, Samba, A Zica, Yoyo e Ugra Press], de vanguarda, que têm interesses parecidos, levam os quadrinhos a um patamar artístico, meio nerd, sem dever nada a outra forma de expressão. E a revolução dos livros não está acontecendo nos e-books, mas nas gráficas, com tiragens mais baixas”, diz o sócio da Lote 42, que também tem seus títulos à venda em grandes livrarias, como Cultura, Saraiva, Blooks e da Vila.
A popularidade da editora independente também tem feito com que nomes de fora do país se interessem em publicar livros no Brasil pelo selo. É o caso do quadrinista uruguaio Gervasio Troche, que lançou “Dibujos Invisibles” em 2013, na Argentina, e no fim do ano passado ganhou a edição brasileira “Desenhos Invisíveis”, pela Lote 42. Além dele, o quadrinista argentino Kioskerman (pseudônimo de Pablo Holmberg) lançou no fim de março o décimo livro da editora paulistana: “Portas do Éden”.
Cada novo título da Lote 42 é publicado com festa e música na Banca Tatuí, em galerias ou espaços culturais da capital paulista. E a editora tem marcado presença em eventos do setor, como a Feira Internacional do Livro de Buenos Aires, a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), a Feira Plana, Miolos, Pão de Forma, Parada Gráfica, do Sesc Vila Mariana (SP) e Espanca, em Belo Horizonte. Para dar dicas aos iniciantes, Varella também já ministrou um curso sobre o mercado editorial independente, e a Lote 42 publica seus bastidores e novidades em um canal no YouTube.
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