Imperatriz, Beija-Flor e Portela se destacam entre sambas cariocas de 2015

Anderson Baltar

Do UOL, no Rio de Janeiro

Nos anos 1980, era corriqueiro. Bastava entrar no mês de dezembro que as lojas de discos recebiam fornadas generosas dos álbuns de samba-enredo do Carnaval carioca. Os LPs rapidamente batiam recordes de vendas e eram, para muitas famílias cariocas e brasileiras, um presente obrigatório na noite de Natal, juntamente com o disco anual do "Rei" Roberto Carlos.

O subgênero samba-enredo, nascido nos anos 1940, que viveu o seu apogeu criativo nos anos 1960, saboreava seu grande momento na indústria cultural. Sambas como "É Hoje" (União da Ilha – 1982), "Bumbum Paticumbum Prugurundum" (Império Serrano – 1982) e "Liberdade, Liberdade! Abre as Asas Sobre Nós!" (Imperatriz Leopoldinense – 1989) tomaram as paradas musicais de todo o país e até hoje são cantados em blocos e bailes.

Com o passar dos anos, os discos de samba-enredo perderam muito de seu prestígio. Vários motivos foram apontados para essa decadência: da queda de qualidade das obras, passando pela pirataria e chegando até a ascensão de outros estilos de música carnavalesca, como a axé music. O fato é que, se em 1989, o LP de sambas-enredo do Rio bateu seu recorde de vendagem (1,3 milhões de cópias), pouco mais de dez anos depois estacionou em 200 mil exemplares. O gênero parecia viver um inevitável processo de decadência, sendo consumido apenas pelos componentes e torcedores das escolas.
 
Porém, nos últimos cinco anos, o samba-enredo vem recuperando o protagonismo como trilha sonora do Carnaval carioca. Um motivo apontado por especialistas é a retomada do Carnaval de rua no Rio de Janeiro. Mas é certo que também as escolas voltaram a apresentar sambas dignos de antologia –mesmo que em quantidade menor do que no passado. Um belo exemplo é o samba da Vila Isabel de 2013, "A Vila Canta o Brasil, Celeiro do Mundo", que contou com a assinatura de nomes consagrados como os de Martinho da Vila e Arlindo Cruz e conduziu a escola ao título de campeã.
 
Nas lojas desde o início da semana, o CD do Grupo Especial das escolas de samba do Carnaval Carioca de 2015 traz uma safra que, se não tem nenhuma obra-prima, possui alguns sambas de boa qualidade. Um dos méritos da gravação, registrada ao vivo com baterias e integrantes da escolas, é o clima quente, que remete às quadras e já permite ao ouvinte se sentir pronto para desfilar na Passarela do Samba. É um disco para tocar no ultimo volume e animar o churrasco de fim de ano da turma do trabalho.
 
Imperatriz, Beija-Flor e Portela largam na frente

Ao contrário dos últimos anos, não surge um samba favorito destacado na opinião de especialistas e foliões. Mesmo assim, pode-se afirmar que Imperatriz Leopoldinense, Beija-Flor de Nilópolis e Portela largam na frente. A escola da Ramos, que não conquista o campeonato desde 2001, tem um samba assinado pelo veterano compositor Zé Katimba, notabilizado por grandes obras da história da escola (como "Martin Cererê", de 1972) e por sucessos gravados por Martinho da Vila e João Nogueira. Já a obra da Imperatriz, que apresentará o enredo "Axé Nkenda", sobre a liberdade do povo africano, possui  belas passagens melódicas e um refrão do meio delicioso.
 
A Beija-Flor de Nilópolis, por sua vez, após um criticado Carnaval em que chegou em sétimo lugar, aposta também na negritude, com um enredo sobre o país africano Guiné Equatorial. O samba-enredo tem a felicidade de tratar, de uma forma lírica, um tema que poderia se enveredar pela simples exaltação a um governo –não muito democrático, é bom lembrar, já que o país é presidido desde 1979 por Teodoro Obiang Nguema Mbasogo. E a Portela, evocando os 450 anos do Rio de Janeiro com uma abordagem surrealista, promete sacudir a avenida com um samba contagiante e com refrão cheio de gingado --com a marca do veterano compositor Noca da Portela.
 
Outro destaque do CD é a faixa da Unidos do Viradouro. A escola de Niterói, campeã de 1997 e que estava fora do Grupo Especial havia quatro anos, retorna com uma proposta ousada: a junção de dois sucessos do repertório do sambista Luiz Carlos da Vila ("Por um Fia de Graça" e "Nas Veias do Brasil"). É um belo samba, mas há dúvidas sobre o seu desempenho na avenida e, principalmente, sobre a avaliação dos jurados. É uma aposta arriscada, mas válida, de uma escola que precisa se reafirmar no grande palco do Carnaval Carioca.
 
Também chamam atenção
 
Numa primeira audição do CD, também chamam a atenção a alegria do samba da Grande Rio, que aposta num enredo sobre os jogos de baralho; o bom humor da União da Ilha, que falará sobre a busca do ser humano pela beleza; a bela melodia do samba da Vila Isabel, cujo enredo fala sobre o maestro Isaac Karabtchevsky; a força contagiante da homenagem da Mangueira às mulheres do Brasil; e a singeleza da melodia da São Clemente, que trará um tributo ao carnavalesco Fernando Pamplona, morto recentemente.
 
A Mocidade Independente de Padre Miguel, que contratou o carnavalesco Paulo Barros e fará  um Carnaval baseado na música "O Último Dia", de Paulinho Moska, traz um samba sem grandes novidades, mas animado e que caiu no gosto de seus componentes. Já o Salgueiro, que abordará a culinária mineira, desfilará com um samba que nem de longe lembra os carnavais passados . Por sua vez, a campeã Unidos da Tijuca, que traz um enredo sobre a Suíça, tem um samba apenas mediano, montado com partes de duas obras finalistas em seu concurso interno.
 
Com o CD lançado, as escolas se voltam para os ensaios de suas alas. É hora de trabalhar os sambas, reforçar o canto e ajustar o ritmo. O samba-enredo é um gênero vivo e que só se manifesta em sua plenitude durante os 82 minutos de desfile. A gravação é apenas um cartão de visitas do samba e, em muitas vezes, uma má impressão inicial pode se transformar em uma agradável surpresa quando o enredo é entoado por mais de 4 mil pessoas em suas fantasias e alegorias.
 

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