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Sob pseudônimo, J. K. Rowling lança narrativa policial pouco empolgante

Capa do livro "O Bicho-da-Seda", de Robert Galbraith, pseudônimo de J.K. Rowling - Divulgação
Capa do livro "O Bicho-da-Seda", de Robert Galbraith, pseudônimo de J.K. Rowling Imagem: Divulgação

Rodrigo Casarin

Do UOL, em São Paulo

01/11/2014 07h00

Neste sábado (1º), está sendo lançado no Brasil “O Bicho-da-Seda”, de Robert Gallbraith, pseudônimo criado pela escritora inglesa J.K. Rowling, a autora da série “Harry Potter”, para escrever livros policiais. É a segunda obra que Rowling assina como  Gallbraith – a primeira, “O Chamado do Cuco”, vendeu mais de 125 mil exemplares no país e figurou nas listas dos livros mais vendidos do mundo. Continuando a série policial, “O Bicho-da-Seda” se passa em Londres e traz como mistério a ser desvendado o assassinato do escritor Owen Quine, encontrado morto em uma cena que reproduz o final de seu livro inédito, “Bombyx Mori”, considerado impublicável pelos editores.

Um mistério literário

O responsável por desvendar o mistério que conduz a obra é mais uma vez o detetive Strike Cormoran –o investigador de Gallbraith–, filho acidental de um famoso cantor, ex-membro da Divisão de Investigação Especial (uma seção da Polícia Militar Real), aposentado do exército por ter perdido a parte inferior da perna direita na guerra, torcedor fanático do Arsenal, adorador de cervejas e homem de trato muitas vezes complicado.

Ao receber Leonora Quine e ouvir sobre o sumiço de seu marido, Strike dispensa grosseiramente um de seus clientes. “Outra pessoa pode terminar o trabalho para você. Alguém que não se importe de ter clientes imbecis”, ataca. Difícil acreditar que um detetive dispararia dessa forma contra um contratante para atender alguém que sequer conhece. Strike passa, então, a investigar de maneira praticamente exclusiva  o sumiço de Owen sem ter nenhuma garantia de que receberá por isso. Em que pese o dinheiro que tinha ganhado após desvendar o caso Lula Landry (a história de “O Chamado do Cuco”), que o deixara famoso, apenas a vaidade e a oportunidade de resolver o enigma antes da polícia seriam suficientes para mobilizar um detetive durante dias?

Owen, o desaparecido, é um escritor egocêntrico que acabara de finalizar “Bombyx Mori” –bicho-da-seda em latim–, obra repleta de simbologias, desde seu título –os bichos-da-seda são fervidos vivos para que não rompam e danifiquem seus casulos, uma alegoria com o desdobramento no caso a ser investigado– até os seus personagens, que remetem às pessoas próximas ao escritor.

Na caracterização de Owen, aparece um flerte com os recentes soft porns: ele é fã de bondage, adora ser amarrado e fotografado. Difícil de se imaginar que Gallbraith construiria alguém com esse traço antes da febre de “Cinquenta Tons de Cinza”. O mesmo pode ser dito de uma outra personagem, amante do desaparecido, autora de uma de uma série de fantasia erótica composta por três volumes. Familiar, não?

Ao iniciar suas investigações, Strike percebe que a obra ainda inédita de Owen é uma grande pista para o sumiço. Com a certeza de que “não se pode tramar um homicídio como um romance. Sempre ficam pontas soltas na vida real”, conta com a ajuda de Robin Ellacott para desvendar o mistério. Robin é a secretária de Strike, que deseja, na verdade, tornar-se detetive. Na narrativa, ela cumpre exatamente o mesmo papel de famosos ajudantes de investigadores, como Watson, o parceiro de Sherlock Holmes, de Arthur Conan Doyle, a dupla mais famosa do gênero policial.

Noiva mas extremamente dedicada ao trabalho –ou seja, constantemente ao lado de Strike, seu patrão–, Robin é o centro de um possível triângulo amoroso que dá indícios de que pode se concretizar ao longo da narrativa, fazendo com que esse núcleo da história tenha uma tensão que se estende por toda a obra. É a única trama paralela do livro que funciona de maneira satisfatória, aliás.

Rowling - Carlo Allegri/Reuters - Carlo Allegri/Reuters
A escritora J.K. Rowling, autora da série "Harry Potter", que escreveu "O Bicho-da-Seda" sob o pseudônimo de Robert Galbraith
Imagem: Carlo Allegri/Reuters

Os tropeços de Galbraith

As fracas tramas secundárias estão longe de ser o único problema de “O Bicho-da-Seda”. Galbraith escorrega em descrições (“compleição de menino de canto coral. Uma estranha assimetria, como se alguém tivesse torcido seu rosto no sentido anti-horário, impedia que tivesse uma beleza de menina”), vulgariza construções (como frases incompletas do tipo “Cale essa boca, sua idiot...” ou o gaguejar transmitido com a repetição da primeira letra de uma palavra, “N-não”, por exemplo) e faz comparações sofríveis (“Uma pequena distância respeitosa era guardada em torno do chefe da empresa, como o círculo aplainado de uma plantação de milho que cerca um helicóptero em decolagem”).

A obra também traz passagens que poderiam ser facilmente descartadas ou enxugadas, o que melhoraria consideravelmente o ritmo da narrativa e pouparia o leitor de ter de percorrer mais de cem páginas até se deparar com o crime a ser desvendado para, apenas aí, a história passar a ter algum tom de mistério.

Além disso, há cenas que beiram o irreal. Para conseguir uma cópia de “Bombyx Mori”, o detetive, com a ajuda de uma cúmplice, sai de uma festa, entra na editora, vai à sala do editor, abre seu cofre e xeroca o livro, como se todo esse movimento –inclusive o acesso ao cofre, um lugar feito para se guardar coisas valiosas sob um segredo– fosse extremamente simples. Em outra cena questionável, Strike está no meio de uma briga quando sua mão aciona sem querer o celular, que acidentalmente disca para Robin. Ao atender a ligação, a parceira ouve os barulhos da confusão e corre para ver o que se passa com seu chefe.

Por fim, ao narrar, Galbraith desenvolve uma espécie de fixação por alguns detalhes. No começo da obra, por exemplo, Strike está sempre cansado, só quer dormir, dormir e dormir. Ao longo de toda a história também nos deparamos com frequentes referências climatológicas –são muitos os capítulos que têm início com descrições do mau tempo, do frio, da névoa, da chuva, da neve... Ainda que essas informações possam ter sua importância no desenrolar da trama, não é necessário que as martele tanto ao leitor, que, principalmente em uma narrativa policial, deve se ater às sutilezas que podem contribuir para que o mistério seja desvendado.

Apesar de tudo isso, “O Bicho-da-Seda” flui, ainda que por vezes em marcha extremamente reduzida. Com uma trama básica para o gênero –um mistério a ser desvendado, um investigador, a busca pelo vilão, algumas reviravoltas e um final que amarra a história–, o livro pode ser um entretenimento razoável para os leitores menos exigentes.

"O Bicho-da-seda"
Autor:
 Robert Gallbraith
Editora: Rocco
Preço: R$39,50
Páginas: 620