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Coroada rainha de bateria, Cláudia Leitte deixa salto para sambar descalça

Fabíola Ortiz

Do UOL, no Rio

07/09/2014 08h44

A cantora Claudia Leitte foi coroada, neste sábado (6), rainha da bateria da Mocidade Independente de Padre Miguel e deixou de lado o salto alto para sambar descalça em plena quadra da escola, no Rio de Janeiro. A noite de gala ainda contou com a participação de Monique Evans, que estreou no posto de rainha da bateria no carnaval carioca em 1985, e Elza Soares, a célebre intérprete da escola na década de 70.

A escolha da cantora surge com o desafio de tentar apagar a imagem que ficou arranhada pela recente crise política no último Carnaval quando inúmeros integrantes foram afastados da agremiação, inclusive o então presidente Paulo Vianna. A instabilidade atingiu as então rainhas de bateria que também sofreram um troca-troca de nomes como Ana Paula Evangelista e Mariana Rios. A escola ainda enfrenta um jejum de vitórias e seu último título conquistado foi em 1996.

“Não tenho nem noção. Acredito que é uma coisa tão especial que só posso retribuir sambando. Não cabe dentro de mim”, afirmou Claudia Leitte em coletiva de imprensa na madrugada de sábado para domingo minutos antes de subir ao palco para ser coroada por Monique Evans.

“Não gosto da mesmice, nunca gostei da zona de conforto, gosto de fazer coisas diferentes que ninguém espera que eu faça. E isso aqui é uma nave espacial, é incrível. Estou recebendo todas as oportunidades de braços abertos”, disse.

A expectativa era grande para a coroação e, por volta da meia-noite, a quadra em Padre Miguel, no subúrbio carioca já estava lotada com um público de cerca de 10.000 pessoas.

À coletiva, Leitte chegou acompanhada de Paulo Barros, que estreia como carnavalesco da Mocidade e do atual presidente da agremiação, Rogério de Andrade. Marcada para ter início à meia-noite, o encontro com a imprensa atrasou mais de uma hora e teve lugar embaixo do palco com a presença de elementos da bateria.

Com vestido verde de bordado e renda e brilho, Leitte estava bastante emocionada. “Agradeço por me receberem como se na minha carteira de identidade, o meu registro de nascimento fosse em Padre Miguel. Para mim, é uma honra trabalhar ao lado de Paulo Barros. Nem acredito que está acontecendo. Eu sou de uma família metade baiana e metade carioca. Nesse momento da minha vida, as duas histórias se encontram. É um momento que jamais vou esquecer”, comentou Claudia Leitte que não deixou de falar de suas raízes cariocas ao ter nascido em São Gonçalo, um município da região metropolitana do Rio.

O convite

Tudo começou a partir de uma música que a cantora gravou em setembro do ano passado chamada “Último dia” e inseriu uma bateria de escola de samba. Esse foi o estopim, segundo Claudia, que a fez pensar em desfilar. A artista já havia recebido inúmeros convites para ser rainha de bateria, mas nunca pôde conciliar com a agenda de compromissos no carnaval em Salvador.

“Saiu a notícia de que a Mocidade teria o mesmo tema e soube que Paulo Barros havia sido escolhido... eu disse logo que queria desfilar. Já recebi muitos convites anteriormente, mas nunca pude conciliar com o horário dos desfiles no Rio. Esse ano, por obra divina, era o mesmo tema do meu Carnaval e recebi esse convite ilustríssimo. Estou emocionada, cheguei a me tremer. Foi desse jeito, louco né”, descreveu Leitte.

Por coincidência, Paulo Barros assina pela primeira vez o enredo da Mocidade inspirado num verso de Paulinho Moska: “Se o mundo fosse acabar, me diz o que você faria se só lhe restasse um dia”.

A cantora fará um esforço inédito, pois irá desfilar à frente da bateria da verde e branco de Padre Miguel – a terceira escola no domingo de carnaval, 15 de fevereiro – e ainda comandar o carnaval de Salvador com seu bloco Largadinho, que já leva três anos de existência. E mais, ela pretende levar integrantes da bateria “Não existe mais quente”, a mesma de mestre André, inventor das paradinhas, para uma participação especial na folia baiana.

Ela garante que não terá dificuldade em dar conta de mais uma responsabilidade. “Não vai ser moleza, mas tenho uma equipe sensacional de logística. Toda mulher consegue dar conta de tudo na vida, do marido, de filho, trabalho... não foi difícil tomar a decisão, sou apoiada pela minha família incondicionalmente”.

Márcio Pedreira, marido da artista com quem tem dois filhos, garantiu ao UOL que o ciúmes é “sadio”. “Se tiver que acompanhar eu acompanho, mas não pretendo desfilar, sou mais de bastidores.

Sobre ser rainha

“Eu gosto de ficar gostosona”, riu Claudia ao comentar sobre como pretende se preparar para desfilar na Marquês de Sapucaí. E brincou: “Vão olhar para mim e vão me chamar de Gracyanne”, em alusão à modelo Gracyanne Barbosa, esposa do cantor Belo, uma das mais malhadas rainhas de bateria do carnaval carioca. Nos meses de preparação para o carnaval de 2015, a cantora garantiu que vai ser de muita malhação e disciplina.

“Não posso descartar sensualidade, vou trabalhar muito. Meu marido está super na boa. Eu quero que a Mocidade brilhe, vou trabalhar para me sentir segura. Sempre pensei muito no meu condicionamento físico. Mas tem uma coisa que vai além do corpão, que é fazer a turma se sentir instigada, levantar a multidão. A rainha tem que puxar a massa”, argumentou.

Como referência de rainha de bateria, Claudia leva consigo o nome de Viviane Araújo, que desfila à frente da bateria do Salgueiro desde 2008. Já como sua referência musical no mundo do samba, Claudia Leitte aponta Paulinho da Viola.

Para a fantasia, ela garante que quer abusar da sensualidade no “esquema globeleza”, mas antes quer ouvir a expectativa da comunidade sobre como deve se comportar e qual figurino usar nos ensaios.

“Eu não quero nada desconfortável. Um calçado desconfortável é péssimo, ter que ajeitar um sutiã ou calcinha na avenida também não... a gente vai pensar numa ideia inovadora que me deixe louca, mas seja confortável e me deixe feliz”.

A cantora já fez jus à sua primeira noite de rainha ao deixar de lado os sapatos altos de pedras de brilhante para sambar descalça. “Eu nasci em São Gonçalo, mas a Bahia me criou. Fui com cinco dias para lá. Sou um pouquinho de cada lado e, quando eu for para a avenida, vão ver que sou baiana e carioca, sambando dos dois jeitos”, riu.

A coroação

A noite da coroação foi de muito brilho e glamour. Padre Miguel parou para receber a cantora. Às 2h15, Leitte foi anunciada como a mais nova rainha da bateria e subiu ao palco com microfone em mãos cantando o hino de exaltação da escola.

Foi acolhida por Elza Soares e recebeu a coroa de rainha de Monique Evans, seguido de um abraço caloroso. Um corredor se abriu no chão da quadra para que ela desfilasse ao som da bateria da verde e branca. Já com a faixa sobre os ombros e um buquê de rosas vermelhas, Leitte distribuiu flores aos fãs e, descalça, cruzou a quadra amparada por seguranças e assediada pelo público.

“Não sei mensurar, tenho certeza que sou parte dessa comunidade. O mérito de ser rainha de bateria não é meu, é do povo, eu estou aqui porque fui escolhida para estar aqui. Eles veem em mim a possibilidade de realizar sonhos. Eu sou de origem humilde e me sinto realizada por conquistar coisas muito especiais. Me sinto muito grata às minhas origens. Sou leal aos meus princípios, valores e crenças, nisso acho que a escola e eu somos muito parecidos. Salvador e São Gonçalo, não fiquem com ciúmes, tem para todo mundo”, brincou.

Perguntada sobre a responsabilidade que lhe foi encarregada de seguir à frente da bateria e ajudar a reerguer a escola, Leitte destacou: “Esse negócio de ganhar o carnaval é uma consequência natural. A gente está aqui para fazer o povo acreditar nos sonhos e esquecer um pouco a dificuldade que vive no dia a dia. A gente vai arrasar, tem tudo para fazer o melhor desfile, inovador, ousado e cheio de vida”, assegurou.

Como uma de suas exigências para o posto de rainha, Leitte irá participar da escolha do samba enredo que já conta com 42 inscritos. “Quero uma música que fale do enredo e emocione as pessoas. Gosto do inusitado, do avant-garde”.

Ao tentar descrever a sensação de como será desfilar na Sapucaí, Leitte se compara a voltar a ser criança outra vez, “mas tudo muito maior do que sonhei”.

O que dizem

“E alguém da dica para a Claudia Leitte?”, brinca Monique Evans, a primeira rainha das escolas de samba no Rio de Janeiro. Na sua opinião, a cantora tem todos os ingredientes para ser uma rainha e não precisará nem fazer aulas de samba.

“Ela tem que brilhar. Estando à frente da bateria, não tem que sambar loucamente, tem que ser mais uma vedete, é isso o que faz uma grande rainha de bateria. Ela não precisa ter samba no pé, é muito mais do que isso, e ela tem. Além de cantar bem, tem bom gosto e virá com uma fantasia linda. Nunca vi a Claudia cafona. Cá entre nós, tem rainhas de bateria cafonérrimas”, comentou Evans. “Ela é um exemplo de mulher e dança como ninguém. Para mim, é uma das grandes mulheres e vai arrebentar”.

Já a porta-bandeira Lucinha Nobre, irmã do cantor Dudu Nobre, que havia anunciado que se aposentaria após o carnaval de 2014 brincou que foi a presença de Paulo Barros e de Claudia Leitte que a desistiram de deixar o mundo do samba por enquanto.

“A Claudia é uma cantora internacional por causa da Copa e samba super bem. Ela é uma rainha, acho que vai se sentir em casa aqui, vai chegar para somar. Espero que curta e participe”, disse ao UOL Lucinha. “Ainda não a conheci, acho que em algum momento ela vai me procurar para saber quem é a porta-bandeira”, riu.

O carnavalesco Paulo Barros não continha o sorriso no rosto ao entrar na coletiva de imprensa de mãos dadas com Claudia Leitte. Ele chegou cedo à quadra entusiasmado por conhecer pessoalmente a artista. “Eu costumo dizer que o universo conspira a meu favor”, brincou ao relembrar das celebridades que foram rainhas no período em que passou pela Unidos da Tijuca, como Adriane Galisteu e Juliana Alves.

“Eu nunca tive o prazer de estar pessoalmente com ela e hoje será a primeira vez. Ela é muito bem vinda, a Claudia é um ícone, a representação da música popular brasileira e do povo brasileiro, além de ser uma mulher linda. A figura da Claudia vem a alavancar para ajudar a escola, que sempre foi grande, retornar ao seu lugar”, disse.