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De menino prodígio a astro, João Montanaro ensina "montanarinhos" na Bienal

23.ago.2014 - João Montanaro participa de oficina de HQs na Bienal do Livro de São Paulo, enquanto é observado por um grupo de garotas adolescentes - Rodrigo Casarin/UOL
23.ago.2014 - João Montanaro participa de oficina de HQs na Bienal do Livro de São Paulo, enquanto é observado por um grupo de garotas adolescentes Imagem: Rodrigo Casarin/UOL

Rodrigo Casarin

Do UOL, em São Paulo

26/08/2014 06h05

Parecia que a coisa iria desandar. Quando, na Bienal Internacional do Livro de São Paulo, no último sábado, o quadrinista João Montanaro, de forma tímida, começou a falar de “punch line”, “scratchbook” e conceitos diversos ligados à profissão de desenhistas, era de se desconfiar que não conseguiria segurar o  público, crianças entre 4 e 8 anos que o acompanhavam sentados em uma bancada e com papel, lápis e canetas em mãos. Ao fazer um boneco sem pupilas, foi questionado por um dos pequenos. Tentou explicar que aquele era seu estilo, mas não convenceu. Achou melhor ceder e colocar as bolinhas nos olhos do personagem. Em seguida, falou que “o importante não é desenhar como o Maurício de Sousa ou o cara da Marvel, mas contar a história que você quer, jogar para fora o que tem na cabeça. O importante é a ideia, não o desenho”. A criançada se limitava a olhá-lo.

Alguns adultos acompanhavam de pé aquele misto de explanação com oficina, mas o foco de Montanaro estava decididamente nos menores, que, contrariando as expectativas, começaram a demonstrar algum interesse pelo que o quadrinista dizia, principalmente quando foram convidados a fazer seus próprios personagens e quadrinhos. Encantavam-se com a máquina de cortar tirinhas e logo estavam levantando para mostrar suas criações para João, que dava um retorno com algum senso crítico, enquanto permitia que se desenhassem em seu próprio caderno de ideias. E assim, interagindo com os possíveis “Montanarinhos”, a mesa começou a se desenrolar. “Gosto de falar com a criançada. Ainda sou moleque, fico desconfortável com um público mais velho, acho que não tenho nada a ensinar a eles”, disse João ao UOL logo após o evento.

Começaram também a aparecer menininhas de 12, 13 anos. Algumas passavam, esticavam o pescoço e davam uma risadinha, outras pediam a amigos para que desenhassem alguma coisa – qualquer coisa! - em um papel apenas para que pudessem pedir um autógrafo e trocar algumas palavras com o quadrinista - quando perguntado, também após a mesa, já longe do público, se costuma atrair garotas pelo seu trabalho, despista, diz que quando aparece são muito novas e que nunca "pegou" ninguém por causa dos quadrinhos. E o evento que prometia desandar ganhava um corpo interessante, bastante informal, com João, que há pouco completou 18 anos, atendendo individualmente em com bastante atenção cada uma das pessoas que o procurava. 

O momento
Apesar da pouca idade, João já trabalha com quadrinhos – e é reconhecido por isso – há ao menos seis anos. Outrora menino prodígio, hoje é uma realidade do desenho nacional, principalmente pelo espaço que possui no jornal "Folha de S. Paulo", onde se expressa sobre política ao lado de nomes como Angeli e Laerte. Ao completar 18 anos, diz que “perdeu o encanto, a coisa fofa de quanto eu tinha 12”. E continua: “Agora eu tô ferrado, só o trabalho vai falar por mim. Só dependo dele. Vou ver se sou mesmo tudo aquilo que falavam ou algo como a Malu Magalhães, que sumiu”.

Entretanto, está otimista com seus próximos trabalhos, diz que os candidatos à presidência são bons personagens e que o cenário eleitoral imprevisível é propício a boas histórias. “Este ano será diferente de outras eleições. A Marina tem mais chances de ir ao segundo turno que o Aécio e será interessante ver como as coisas andarão, já que todos querem tirar o PT do poder, o que nunca esteve com tantas chances de acontecer. Isso traz uma boa narrativa”.

O contato de João com as HQs começou quando seu pai, Mario Montanaro, um editor de livros, lhe presenteou com uma antiga coleção de quadrinhos. Começou a desenhar com cerca de sete anos e logo passou a ver tiras de futuros colegas, como Laerte. As primeiras publicações aconteceram em um pequeno jornal da Granja Viana, quando tinha cerca de dez anos. Logo começou a crescer.

Em 2008, aos 12 anos, já publicava na revista humorística "Mad" e em um blog próprio. Chamava atenção por abordar temas como política, ditadura militar e fazer críticas a programas de televisão. Dizia que suas leituras preferidas eram o conto “Assassinatos na rua Morgue”, de Edgar Allan Poe, e o romance “Leite derramado”, de Chico Buarque – duas referências raríssimas para uma criança de tal idade – e que seu sonho era trabalhar na Folha de São Paulo, mas sabia que isso seria muito difícil.

Seria. Sonho realizado em 2010, aos 14 anos, quando ganhou um espaço no jornal para fazer desenhos sobre o cotidiano político nacional. A partir daí vieram trabalhos para diversos outros veículos: "Recreio", "Le Monde Diplomatique", "Mundo Estranho"... além de encomendas de ilustrações para empresas. Em 2011, pelo livro “Cócegas no raciocínio”, uma compilação de suas artes junto de uma história em quadrinhos inédita, recebeu o Troféu HQ Mix. Aos 16, à convite do Instituto Goethe, viajou para Alemanha onde participou de um projeto de intercâmbio entre cartunistas brasileiros e alemães, onde produziu uma história de 10 páginas que está presente em “Osmose – Brasil e Alemanha em Quadrinhos”.
Construiu toda essa trajetória desenhando apenas à mão para não precisar colorir no computador, algo que odeia. Apesar disso, conta que finalmente está começando a fazer desenhos digitais. “Isso traz agilidade e me dá muitas opções, que às vezes atendem o que os clientes pedem”. Mas garante que usar papel, caneta, lápis e as próprias mãos é a melhor maneira de alguém aprender a fazer quadrinhos.

O quadrinista João Montaro em três momentos diferentes: aos 13 anos, em 2009, quando colaborava com a "Mad"; aos 14, quando começou a publicar na Folha e, em 2011, aos 15, quando recebeu seu primeiro troféu HQ Mix - Folhapress - Folhapress
O quadrinista João Montaro em três momentos diferentes: aos 13 anos, em 2009, quando colaborava com a "Mad"; aos 14, quando começou a publicar na Folha e, em 2011, aos 15, quando recebeu seu primeiro troféu HQ Mix
Imagem: Folhapress

Sobre a Bienal
Com o tema de “Diversão, cultura e interatividade: tudo junto e misturado”, a 23ª Bienal do Livro de São Paulo, que vai até o dia 31 de agosto, no Pavilhão de Eventos do Anhembi, é um dos mais importantes do mercado livreiro e literário em toda a América Latina. Contará com 1500 horas de programação e mais de 400 atrações, dentre elas nomes reconhecidos internacionalmente, como Harlan Coben (“Confie em Mim”), Ken Follet (“Os Pilares da Terra”), Sally Gardner (“Coriandra”), Kiera Cass (“A Seleção”) e Hugh Howey (“Silo”), Cassandra Clare (“Os Instrumentos Mortais”) e Sylvia Day (“Toda Sua”).

Os ingressos para a Bienal, que dão acesso ao Pavilhão do Anhembi, custam entre R$6 e R$14 – dentro do espaço, toda a programação cultural é gratuíta, com sendo que os bilhetes para cada evento devem ser retirados com no mínimo 30 minutos de antecedência. O evento conta com  300 expositores, que representarão 750 selos editoriais. Nos dez dias de evento, são esperados mais de 700 mil visitantes, que, para chegarem ao Anhembi, podem utilizar ônibus gratuítos que saem das estações de metrô do Tietê e da Barra Funda (desta segunda, apenas nos finais de semana). Toda a programação oficial pode ser conferida no site www.bienaldolivrosp.com.br.