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Escritor recluso, Dalton Trevisan "reaparece" para lançar livros artesanais

Rodrigo Casarin

Do UOL, em São Paulo

13/08/2014 06h00

"Frede, tem alguém no telefone dizendo ser o Dalton Trevisan. Quer falar contigo", estranhou a secretária. Frede Tizzot nunca pensou que receberia aquela ligação. Muito menos que um dia seria visitado pelo "Vampiro de Curitiba", o escritor mais recluso do país.

Há algum tempo Frede procurava um terceiro nome para integrar a segunda coleção de livros artesanais lançado por sua editora, a Arte & Letra. Luiz Ruffato e Cristovão Tezza já haviam aceitado o convite, mas foi o autor de "O Filho Eterno" que sugeriu ao editor tentar algo com Trevisan.

"Lembrei que Dalton começou a vida literária nos anos de 1950 fazendo edições artesanais de contos, estilo literatura de cordel, que ele distribuía entre poucos amigos. Hoje essas edições são raridades maravilhosas. Imaginei que ele pudesse gostar do projeto. Dalton não gosta de encontrar ninguém, mas sempre foi generoso com publicações alternativas", relatou Tezza ao UOL.

Frede resolveu arriscar: escreveu uma carta e a deixou, junto de um exemplar da primeira coleção da série, em uma livraria sabidamente frequentada por Dalton, uma espécie de caixa postal escritor. "Nem cogitávamos trabalhar com ele, é super difícil acessá-lo, diversas editoras o procuram", disse o editor.

Autor de livros como "Cemitério de Elefantes" (1964), "O Vampiro de Curitiba" (1965) e "111 Ais" (2000), Trevisan lançou em 2011 seu último livro, "O Anão e a Ninfeta". Ele foi vencedor do Prêmio Camões de 2012, ano em que também recebeu o Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto de sua obra.

08.ago.2008 - Escritor Dalton Trevisan deixa a Livraria do Chain, em Curitiba, em uma rara aparição pública - Marcelo Rudini/Folhapress - Marcelo Rudini/Folhapress
Dalton Trevisan em rara foto de 2008, ao deixar a Livraria do Chain, em Curitiba
Imagem: Marcelo Rudini/Folhapress

Irreconhecível

Depois da ligação de Dalton, a outra surpresa foi o escritor dizer que um dia passaria na livraria anexa à editora para tomar um café. Demorou, mas ele foi. Aproveitou para fazer correções no texto  --reescreveu todo o livro "A Mão na Pena" por cerca de cinco vezes-- e, após ver a biografia de J. D. Salinger, contou causos sobre o autor de "O Apanhador no Campo de Centeio" (outro escritor que se manteve em reserva absoluta por boa parte da vida).

"A livraria estava cheia, mas ninguém se ligou [de que Dalton estava lá]. Ninguém sabe como ele é exatamente, então é difícil alguém reconhecê-lo", lembra Frede. "Mas, ao contrário do que dizem, ele é um cara bem humorado, gosta de contar histórias, piadas, fazer brincadeiras. E de saúde está super bem, muito lúcido", descreveu o editor sobre o escritor de 89 anos.

Apesar da boa aceitação, Dalton deixou o seu alerta ao final da visita: "Quando fizer a festa de lançamento do livro, não conte comigo". Completamente avesso a fotos, entrevistas ou aparições em eventos, ele sequer autografou exemplares do livro.

Desde então, as conversas sobre o trabalho continuam por telefone. Em uma das ligações, Frede ficou surpreso quando Dalton fez referência a uma foto --de um café com um pão na chapa-- que o editor havia publicado pela manhã em seu Facebook. Segundo o editor, Dalton se mantém ativo: no momento, está revisando seis de seus trabalhos e, em novembro, lança o livro de contos "Beijo na Nuca", pela Record.

A segunda série de livros artesanais, que demorou mais de um ano para deixar de ser uma ideia e chegar à livraria, traz volumes com até 84 páginas, feitos em tipografia, xilogravura, encadernação manual e tiragem única, numerada e limitada a 250 exemplares. Além de "A Mão na Pena", que traz 18 contos inéditos que retratam temas de um cotidiano que em muito se assemelha a Dalton Trevisan, como de praxe na obra do escritor, os outros títulos são "Uma Questão Moral", de Cristovão Tezza, que sai pela primeira vez no Brasil, e "A Busca", de Luiz Ruffato.